sábado, 31 de janeiro de 2009

Rapunzel


Alguma de vocês, Luluzinhas, quando mocinha já usou o famoso e manjado truque da rodada de cabeça?

Não?!

De andar uns cinco passos na frente do rapaz? Dar uma paradinha como se lembrasse de algo? Dar uma rodada de cabeça levando os longos cabelos a rodar junto?

Era infalível.

Foi num acampamento de três dias. Durante dois dias eu usei o cabelo trançado. Trançar meus cabelos os deixava com um bonito frisado natural.

No último dia cheguei na porta da barraca, me fazendo de distraída, o tonto a ser fisgado sentado por perto. Destrancei os cabelos, demoradamente, fingindo que nem estava vendo ele ali. Enfiei os dedos por baixo da cabeça para avivar o cacheado, e dei a famosa rodada na direção dele.

Uóóóóó!

E ele veio para a minha teia. Bobão.

- Que cabelos lindos você tem...

Toda a meninada me olhou com inveja. O rapaz mais bonito do acampamento era meu.

E eu só tive o trabalho de desmanchar uma trança...

Não, não uso mais cabelão, tinha graça! E se eu rodar os cabelos hoje não pego um rapaz, pego uma hérnia.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Lvcivs

Para uma metodista de amor e de paixão como eu, noto que falo pouco de minha igreja, e explico: não vou à igreja há uns pares de anos. Mas o meu problema foi com pessoas, jamais com ela, a minha amada igreja metodista. Se um dia eu mudar de bairro, ou de cidade, ou de estado, ou mesmo de país, eu vou procurar sempre uma igreja metodista para freqüentar. Lá eu me sinto completamente à vontade, lá é minha casa, meu segundo lar.

Então para resgatar essa lacuna, vou falar do meu querido Pastor Luciano, pois ele representa para mim o que há de melhor em nossa igreja.

Luciano José de Lima foi “meu” seminarista, lá pelos anos noventa. Digo “meu” seminarista, porque ano após ano, o bispo mandava seminaristas para a gente acabar de criar. Era um perfeito desastre. Eles chegavam gaguejando, engasgando, procurando Gênesis em Apocalipse, indo de Judas para Pilatos sem chegar à parte alguma, dava vontade de subir no púlpito e pedir para pregar no lugar deles. Felizmente nenhum pregava sobre Elias e Eliseu, aí com certeza o desastre seria completo. Eles ficavam só nos quatro evangelhos mesmo, menos mal, menos probabilidade de erros.

Creio que isso ainda continua, infelizmente o bispo tem mania de mandar os jovens aprendizes para as igrejas mais simples e...entenderam por onde passa minha implicância?

Até que chegou o meu querido Lucianinho, essa fofura que está aí nas fotos.




O Luciano chegou com didática. Ele não concordava com a utilização de linguajar simples apenas porque a congregação era simples. Ele dizia, se as pessoas não sabem, eu devo ensinar. E do alto do púlpito ele introduzia palavras em latim, grego, hebraico, mas era uma didática mansa, gostosa, até as velhotas entendiam e gostavam. Não era só um desfilar de língua antiga, ele nos ampliava o conhecimento da história, e era um deleite. E seguia citando de Rubem Alves a Nietzsche, as paredes de nossa igrejinha nunca tinham ouvido aqueles sons, era engraçado e era bom.

Foi a primeira vez que os membros de nossa igreja ouviram frases como “O rabi errante de Nazaré”. Foi ele também quem teve a coragem de levantar questões como: houve mesmo multiplicação de peixes? Porque a palavra multiplicação só aparece no título, ele dizia. Mas ele não era um levantador de polêmicas, a pregação sobre a “partilha dos pães e peixes” foi uma das mais belas que já ouvi.

Foi com ele também que aprendi a frase que já citei aqui: Somos conspiradores do bem...

Foi o primeiro pastor que demonstrou ter uma linha de pregação para todo o ano, levando em conta o perfil e as necessidades da igreja, nada daquela iluminação de “O Senhor me mandou dizer nesta noite...” Todas as suas pregações eram de cunho social, sem perder de vista a Boa Nova.


Luciano pregava olhando para o relógio. Quinze minutos, ele dizia. Se eu não conseguir passar a minha mensagem em quinze minutos, algo está errado comigo.

Mesmo quando a tínhamos três ou quatro pessoas na igreja, ele ministrava a Eucaristia usando sua bela toga roxa.

Chorei na sua formatura...




Saudades Luciano, meu orgulho, meu seminarista do coração, hoje já um presbítero, professor da nossa universidade, orgulho da igreja metodista, viva você!

Que você esteja conspirando por aí, construindo pontes e não muros, como você gostava de dizer. Abaixo os guetos! não é mesmo? Abaixo os guetos, e por um cristianismo autêntico, ecumênico, em Cristo, com Cristo. Amo você.



quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Prazer em conhecer


Há algum tempo atrás escrevi um texto falando do conto A Carta Roubada de Edgar Allan Poe, que foi campeão absoluto de bilheteria aqui no meu blogue.

Não, lamento decepcioná-los, não foi por minhas qualidades literárias. Foi por eu ter citado uma antiga amiga e professora de Teatro e Expressão Corporal, Lidia Zózima. Algum aluno dela me achou e deu o alarme, e muitos alunos dela entraram aqui por conta disso. Naquele texto eu falava também de Lidia Zózima, que foi a pessoa mais interessante que eu jamais conheci.

Mas não chamei vocês aqui para falar dela. Ainda não. Mas prometo fazê-lo, e sei que vocês irão gostar. Só falei mesmo para dar uma nova levantada na audiência, sei que Lidia perdoa esse expediente velhaco, aliás me perdoar é com ela mesmo.

Hoje quero falar sobre uma peculiaridade do personagem central do conto, o estudante Arsene Dupin.

Ele possuía um método peculiar de deduzir o que as pessoas estavam pensando, que não tinha absolutamente nada a ver com adivinhação. Era pura dedução lógica.

Ele por exemplo, dizia a um amigo: você estava pensando no assunto tal. Ante a cara de espanto do interlocutor, ele explicava como chegara àquela conclusão, refazendo passo a passo todo o caminho percorrido pelo pensamento daquele amigo, levando em conta um misto de intuição, conhecimento da pessoa e fatores externos. E ele acertava sempre.

À parte a genialidade do personagem, não é tão difícil assim. Eu consigo sentir o que minha mãe está pensando. Meu filho lê meu pensamento com uma facilidade incrível e desconcertante. Com colegas de escritório também é muito fácil, e embora não seja casada acredito que com parceiros, mais ainda.

Dizem que as pessoas são imprevisíveis, mas eu penso sim que elas são imprevisíveis dentro de sua previsibilidade. As pessoas trafegam dentro de suas próprias margens, então é só conhecê-las bem para se intuir com baixa margem de erro o que elas estão a pensar, ou o próximo passo que irão dar.

O problema é que nos ocupamos demais do nosso umbigo, esse é o primeiro problema. O segundo é a tecla save. A cada nova particularidade sobre um amigo que nos é oferecida, devíamos salvar sobre. As pessoas estão fornecendo essas informações o tempo todo, o fazem até inconscientemente. Um bom observador vai recolhendo esses inputs e agregando ao perfil da pessoa com quem lida, obtendo fichas sempre atualizadas.

Fazendo assim, fica mais fácil viver. Fica mais fácil se relacionar.

Odeio expressões do tipo: é impossível saber o que se passa na cabeça de uma mulher...

Essa frase é machismo disfarçado em elogio bobo, se é que isso é elogio. Um ícone idiota que até as mulheres abraçam, achando que essa definição lhes confere um desnecessário ar de mistério.

O universo feminino só é mais rico em detalhes, tanto de natureza material como sensitiva. Mas esses detalhes são finitos. Ninguém é tão misterioso assim que seja absolutamente impossível de se imaginar o que irá fazer. Talvez crianças, e pequenas.

Essa frase acaba sendo mais uma daquelas que eu tanto detesto, os biombos confortáveis onde nos ocultamos com nossa indisposição e nossas desculpas para não caminharmos na direção do outro. As pessoas não são tão misteriosas como pensamos, nós é que não estamos interessados em conhecê-las de fato.

Até doentes mentais agem dentro de padrões específicos, já conhecidos e mapeados pela medicina há mais de um século.


terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O wireless

- Filha, o que vem a ser um wireless?

Claro que vocês já sabem quem me fez essa pergunta. Elias o profeta das viúvas. Ele tem um excelente faro pra pão! É só colocar um pão no forno que ele aparece, e com ele as suas perguntas de profeta antenado com as coisas do nosso tempo. E com essa pergunta ele demonstrou que está querendo se antenar ainda mais.

Mas senti que o momento era sagrado, como se sagrados não fossem todos em que ele me visita. Mas senti que era um momento muito especial, por isso perguntei:

- Profeta, o que o senhor acha de tomarmos um vinho com o pão, ao invés de cafezinho?

Agora vocês irão rir, mas eu tenho sempre em casa uma garrafa fechada de um vinho chamado Canônico, que outro não é senão o vinho usado pelos padres do país inteiro na Eucaristia. Ele é vendido nas grandes livrarias católicas, e eu sempre o tenho também porque é uma ótima solução de presente, pois embora barato, encanta pela singularidade do rótulo. E o vinho é bom, é da melhor região vinícola do Sul. Anotem a dica de uma viúva pobre.

Elias concordou e já foi abrindo a garrafa, todo solícito. Coloquei o pão no centro da mesa.

- Senhor profeta, comecei, nos tempos primitivos, lá no seu tempo, qualquer pessoa podia falar com Deus?

- De forma alguma, respondeu ele. Deus falava somente pela boca dos seus profetas por Ele escolhidos, e na maioria das vezes, precedido de solenes rituais, e dentro do Santo dos Santos, onde só os profetas especialmente consagrados podiam entrar.

- Quando uma pessoa queria saber algo da parte de Deus, continuou ele, ela consultava os profetas. E mesmo assim, não era sempre que havia resposta, era só quando Deus queria.

- E como ficou essa situação após o Pentecoste, eu perguntei?

- Ah, filha, à partir de então o Espírito Santo do Senhor Deus, bendito seja o seu santo nome, é derramado sobre toda pessoa, grande ou pequena, que o invocar. Sem necessidade de rituais, sem necessidade de santuário, sem necessidade de intercessores, sem necessidade de reuniões solenes ou datas especiais, é uma conexão direta, plena e livre.

- Pois o senhor acaba de explicar o que é um wirelless, eu disse, e rapidamente mostrei a ele a facilidade de uma conexão sem fio, e não precisei explicar muito, Elias aprende rápido.

A mesa estava posta, e Elias sabia o que tinha de ser feito. Ele presidiu:

"Toda a glória seja a Ti, ó Pai Onipotente, Pai nosso celestial! Obedientes à instituição de teu amado Filho, nosso salvador Jesus Cristo, nós realizamos aqui, diante de tua divina majestade, o memorial que teu Filho nos mandou celebrar, tendo na lembrança sua bendita paixão e morte, sua poderosa ressurreição e ascensão, rendendo-te graças de todo o coração pelos inumeráveis benefícios com que elas nos agraciam. E humildemente nós te suplicamos, ó Pai, que nos ouças com teu Filho Jesus Cristo, conceda-nos o Espírito Santo e, por tua infinita bondade, consagres os dons de pão e vinho para que, recebendo-os segundo a instituição do teu Filho, nós sejamos participantes do teu abençoado corpo e sangue, para todo o sempre. Amém."

"Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e tendo dado graças o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, após haver ceado, tomou também o cálice dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim."

Feito isso ele serviu o pão e o vinho, que partilhamos em um silêncio carregado de emoção. Elias tornou a encher sua taça, a levantou e disse:

- Saúde! Em memória dEle!

Eu também ergui a minha:

- Em memória dEle! Tin-tin.

Elias me deu um forte e emocionado abraço, e preparou-se para partir. Chegando ao portão, como quem se lembrara de algo, voltou-se para mim e disse:

- Eis que sua conexão jamais acabarará!

Claro que vocês todos sabem que ele não estava falando só de internet.




segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Fascinação - Final

 Foi então, e só então, que eu olhei à minha volta e reparei na casa. Era um mimo. Eu tinha notado na chegada que seu exterior era gracioso, uma casinha recoberta de hera, um jardinzinho cheio de rosas, aqui e ali a Branca de Neve com os seus anões.

Foi então também que notei os móveis, antiquados mas em ordem, bem ao estilo de casa de vovó, com toalhinhas de crochê por toda parte, uma cristaleira repleta de louça antiga também guarnecida das tais rendinhas, um piano de armário coberto de porta retratos, e sobre todos móveis uma profusão de bichinhos e enfeites de porcelana.

A partir daí, a gentil dona Esmeralda, ignorando a efervescente cidade me aguardando lá fora, e como se eu tivesse viajado mais de duzentos quilômetros apenas para ouvi-la, começou calmamente a me contar sua história.

Ela me contou do início de seu namoro com o falecido esposo, das peripécias dos dois para se furtarem à dura vigilância dos pais dela, da permissão para o namoro finalmente conseguida, falou do noivado, da festa de noivado, do casamento, e à medida em que contava, ia descendo retratos de sobre o piano e das paredes.

Eu, fascinada, não conseguia parar de escutar.

Ela me contou que com suas aulas de piano, e o soldo militar dele, não tendo eles filhos, conseguiram realizar muitas viagens, algumas ao estrangeiro. Com isso ela foi me contando a origem de cada bibelô, de cada enfeite, muitos trazidos da Europa, porcelanas de Limoges! dizia ela orgulhosa. Eu ouvia encantada.

E assim sempre contando, ela me mostrou todos os recantos da casa, que assim ilustrados adquiriam novo significado, cada quadrinho, cada bibelô, cada peça de enfeite ganharam vida aliados à sua história respectiva.

Subimos. No seu solitário quarto de mulher viúva novos enfeites, novas narrativas, então ela abriu as portas de um misterioso armário, e de lá tirou as roupas mais bonitas que eu jamais tinha visto.

Chales coloridos com estampas de flores e pássaros, em seda amarela e vermelha comprados em Madri, lindos chapéus italianos, sapatinhos de Paris, toaletes lindas compradas em Londres, e uma infinidade reluzente de broches, aneis e pulseiras, e vidros e vidros de perfumes franceses, vazios, mas todos contendo a lembrança daquele perfume maravilhoso que dali se fora.

E lençóis e fronhas bordados, e toalhas da Ilha da Madeira, e camisolas finíssimas, até que de uma daquelas caixas, num sorriso maroto, ela tirou o seu vestido de noiva! Lindo, bordado por freiras, ela me disse...Ao contemplar aquele encanto, não pude deixar de pensar o quão distante estava aquela linda história de amor de minha vida estúpida e desregrada...

E albuns foram abertos, e uma vida inteira de dois amantes se descortinou ante mim. Mas a história teve sua parte triste. Houve a doença do esposo, a dura luta contra o câncer, as viagens inúteis em busca de tratamento, e finalmente a partida. Ela me contou das palavras de despedida, da renovação das juras de amor eterno, do adeus...Em sua mãozinha delicada de pianista, confinavam-se as alianças viúvas que ela com os olhinhos marejados me mostrou.

Já passava das duas da manhã quando descemos para mais um chá, e eu me encorajei a lhe pedir que tocasse piano para mim.

- Que tal se apagássemos as luzes? ousei propor.

Foi então que dona Esmeralda, ignorando a efervescente cidade que nos rodeava, tocou para mim Fascinação, de Feraudy, a casa fracamente iluminada pelas arandelas das paredes e o delicado abajur de franjas. Longe, lá longe, já esquecidas por mim, as choperias com seu chope famoso, sua juventude desorientada, a séculos de distância de nós...

Tenho certeza de que aquela fora a última vez em que dona Esmeralda contava sua história.Fomos dormir.

Quando minhas amigas voltaram lá pelas tantas, entupidas de álcool e sexo promíscuo como seguramente eu também estaria se tivesse ido com elas, eu dormia e sonhava embalada pela linda melodia, nas águas do rio Sena, a bordo do Bateau Mouche.

- Voce não sabe o que perdeu, boba...ouvi no dia seguinte.

Vocês também não sabem, pensava eu olhando pelo vidro do carro, voltando para São Paulo. Vocês também não sabem...

domingo, 25 de janeiro de 2009

Fascinação - Primeira parte

Eu era moça e estava com amigas no interior de São Paulo, numa daquelas cidades que giram em torno de uma universidade. Isso significava grande concentração de famílias ricas, muita juventude, muita vida noturna, portanto, ambiente ideal para a caça, e para isso nós estávamos lá - para caçar rapazes.

Na distribuição das acomodações, coube a mim e a três moças a casa da tia idosa de uma delas, e lá fomos nós para nos prepararmos para a noitada, armadas do equipamento fundamental e indispensável: quilos de maquilagem, perfumes, mini-saias, mini-blusas, vestidos curtos e justos, blusas decotadas e sandálias altíssimas que nos faziam andar ondulantes e requebrando as ancas, esses artifícios que os homens tanto apreciam nas mulheres.

A tal tia, a dona Esmeralda, nos recebeu encantada, demonstrando que há muito não recebia visitas. Ela ficava girando em torno de nós, e não sabia o que fazer para nos agradar. Nem ligávamos, ocupadas com nossa transformação em objetos de prazer.

- Lá em baixo há outro banheiro! O espelho da sala tem melhor iluminação! Eu tenho um perfume delicioso, vejam! Vou preparar um suco, querem? saltitava à nossa volta a tia Esmeralda.

- (Que velha chata, disse uma...)

- (Não deixa a gente em paz! sussurrou outra...)

Enfim, preparadas para a temporada de caça, todo os os detalhes em ordem incluindo a pílula anticoncepcional, era a hora do beijinho falso na titia.

- Vá dormir titia, iremos demorar!

- Tenham juízo, meninas...(risadinhas)

Foi na hora do beijinho falso, ao olhar pela primeira vez aquela gentil senhorinha de espertos olhinhos azuis, cabelinho curto prateado com reflexos arroxeados, lembram desse costume? toda perfumadinha de alfazema, senti uma vontade imensa de...de não ir.

- Vão indo, meninas, preciso telefonar para casa. Mentira, em casa nem tínhamos telefone.

- Aceita um chá? perguntou tia Esmeralda depois que entramos, entendendo que não havia telefonema nenhum a se fazer.

Foi então que se iniciou uma das experiências mais prazerosas de minha vida até ali, e talvez até hoje, algo que eu nunca teria conseguido mesmo naquela cidade infestada de belos e ricos rapazes, mesmo sendo aquele lugar famoso por seus bares e sua bela juventude, e pelos seus chopes geladérrimos, com seus tão propagados metros e metros de serpentina.

CONTINUA...

sábado, 24 de janeiro de 2009

Elias postal



Estou impedido de comparecer. Problemas emergentes de viúvas de outras Regiões. Segue encomenda por Sedex.

Pronto! Elias mandando Sedex. Agora nem preciso mais sair de casa para buscar livros, Elias está é me deixando mal acostumada, isso sim. Acho que não tenho mais nada para ensinar ao meu Profeta, ele já passa e.mail, e agora está trabalhando através de encomendas postais...

(Como seu eu tivesse algo a ensinar a Elias, é ele quem me ensina, sempre...)

E vocês, meus queridos, continuem a aparecer por aqui, vocês estão sentindo não estão? Bênçãos e bênçãos têm sido derramadas sobre esta humilde viúva, logo logo eu terei tanto, mas tanto, que dividirei com todos vocês, portanto me aguardem.

E voltem. Pelas portas que eu abrir, todos vocês irão passar, palavras proféticas de Elias e desta viúva aqui também

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A mega oração

 Ouvi na CBN que o mecanismo de sorteio das loterias de números é cuidadosamente monitorado. As bolas que contém os números inscritos são sempre pesadas e quando necessário trocadas. Isso porque com o desgaste provocado pelo atrito constante, algumas poderão ficar viciadas.

É interessante pensar nesse assunto. Quando são rodadas aquelas geringonças com as bolas, aí entram em ação aquelas tais Leis, aquelas a que fomos apresentados em nossos tempos de cursinho, e que esquecemos imediatamente após o vestibular. Gravidade. Inércia. Energia cinética.

Leis que nos foram legadas pelo Pai celeste juntamente com a Criação, um pacote.

Isso significa que rezar para que deem no sorteio os números que jogamos, é pedir para Deus quebrar as Leis que ele mesmo criou, e que funcionam perfeitamente desde o início dos tempos. Algo assim como: papai do céu, dá uma recuadinha no sol, uma adiantadinha na lua, um giro para trás ou para frente de uns tantos graus no planeta Terra, um empurrãozinho em Marte, coisinhas assim, para o meu milagre passar.

Orações auto anuláveis. É como multiplicar um número por zero, é algo que não existe.

Essas orações invariavelmente voltam para a nossa caixa postal com mensagem de erro.

Mas assim mesmo eu as faço.

Não faz sentido servir a um Senhor do universo, se eu não crer que Ele seja Deus a ponto de mover céus e terra em meu favor, se Ele assim o quiser.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Fotografia

 Eu usava uma ampla saia rodada de lã preta com forro de cetim preto que a deixava deslizante, e uma camisa de seda cor de palha, e só de escrever isso já sinto calor. Também sapatinhos de dança flamenca bordô, meias finas champanhe, e complementando esse absurdo uma sombrinha branca rendada alugada a uma loja de artigos para festas chamada Stillus.

Sinto vergonha de contar, mas preciso ser exata: eu tinha costurado flores na barra da saia, lisiantus e chuva de ouro.

Sentada naquele banco de praça, a ampla roda da saia enfeitada tocando o passeio, sapatinhos à mostra, apoiada na sombrinha fechada, eu parecia um quadro, um modelo vivo.

E eu estava fortemente maquilada e perfumada.

- Quem é você, o que faz aqui?

Meu olhar encontrou um homem ruivo de barba por fazer, sotaque estrangeiro, sua pergunta era tão definitiva que eu que odeio ser interrogada por estranhos me vi respondendo, educada:

- Estou aqui para ser fotografada. Não era verdade, mas foi o mais aparentemente sensato que me ocorreu.

- Fique aqui, não ouse sair daqui. Eu volto.

Num português complicado, ele explicou que não tinha consigo os apetrechos de fotógrafo. Misturando palavras nativas e estrangeiras, me recomendando muito que não saísse dali, ele se foi.

E eu maravilhada com a situação, fiquei. Choveu. Chuvinha fina, boba. Mas não saí dali.

Ele voltou em exatos 52 minutos, e com a câmera.

E me fotografou em saia rodada de lã preta enfeitada de flores, camisa de seda cor de palha, sapatos de dança flamenca bordô e meias champanhe. E a sombrinha branca rendada.

Numa das fotos ele pediu para eu tirar o buquê de lisiantus e chuva de ouro da saia e segurar na mão. Não, não tenho as fotos, nunca mais o vi.


terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Vem brigar comigo

 - “É sua opinião e eu respeito...” Você já não recebeu uma frase assim de alguém, aparentemente educada, mas carregada de crítica? Não parece que a pessoa quer dizer: sou superior o suficiente para não me envolver nessa questão pequena, não concordo com você, nunca irei concordar, sou seu amigo apenas até o ponto que me interessa?

Não parece que se está a dizer: não quero lhe conhecer, não me interessam seus motivos, prefiro ficar superior a você – respeito sua opinião, até porque estou acima dela?

É um respeito carregado de censura velada mais um quê de superioridade.

A frases educadas como essa, eu preferiria uma boa briga, uma boa discussão, um bom bate boca, mas que lavasse a alma, e desse a ambos a possibilidade de explicar melhor suas convicções, crescendo os dois lados. Não imagino uma amizade, uma amizade de fato, tendo por base respostas desse tipo: “é sua opinião, e eu respeito”.Respostas limitantes, fechadoras de questão, educados calabocas. Essa frase dá a impressão de que se está a dizer: não vale a pena discutir com você, não me vejo perdendo tempo expondo a você meus pontos de vista e ouvindo os seus, não tenho interesse em sua amizade como um todo...

E tem o outro lado também, ah tem...e se os nossos argumentos forem realmente bons? E se faltar à pessoa o bom argumento? Melhor nem ouvir, não é mesmo? E se a nossa opinião vier tirá-la da zona confortável que ela escolheu para acomodar o travesseiro da fragilidade de suas convicções?...

Então as pessoas saem com essa resposta aparentemente educada: é a sua opinião e eu respeito. Respeita o ca...., têm é medo de enfrentar uma idéia diferente das suas, têm é medo de confrontar suas opiniões, de discuti-las, de crescê-las, de agregá-las a outras.

Têm é medo de colocar as mãos na massa de uma boa discussão e se verem perdidas, não sabem discutir sem o pastor, o professor, ou o google por perto. Vão se catar isso sim, é favor que fazem não discutindo comigo, detesto argumentar com gente tonta.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

De nihilo nihil - final

Antes de mais nada, vamos a uma errata, que por sua vez deriva de erro, errans, erratum, algumas variações mas todas significando erro, e que para nós é uma admissão de um erro: Carmina Burana não é uma ópera cênica, é uma cantata cênica, e para quem quiser ouvi-la é de autoria de Carl Orff.

Continuemos. Falava eu das aulas de latim do professor Henrique Muraschco. Eu dizia para a Neli nos comentários que ele foi um dos poucos sábios que eu conheci pessoalmente, e não somente porque falava com fluência línguas mortas e ativas, até porque isso não é sabedoria, é erudição. Ele era sábio entre outras coisas porque sabia conduzir a nossa compreensão de modo a nos libertar de conceitos ou pré conceitos, ele nos ampliava o pensamento, e eu vou tentar explicar.

Dei muita risada quando ele disse que quando ouvimos a palavra salame, imediatamente recorremos àquele chouriço cilíndrico e alongado, mas nada impede que se faça um salame quadrado. Salame nada mais é do que um preparado que contém bastante sal. Como também a salada.

Achei interessante porque esse pensar libertava um cordão em minha mente, um fio invisível, que até então ligava a linguagem ao sensório, e o resultado embora inquietante, era fantástico, era como uma mola propulsora que dava vastidão ao curso dos pensamentos, e torno a dizer: não sei se me entendem.

Foi ele também quem me disse que nas regiões gélidas, como a Sibéria, o leite é vendido congelado. As pessoas pegam aquele produto espetado em palitos, como um sorvete, e o levam para casa. Isso para mim foi genial, olhar para o leite por uma nova ótica, constatar que há um novo jeito, uma outra forma de abordagem, e sempre recorro a essa imagem quando noto que meu pensamento começa a ficar por demais pequeno, ou quando não sei como abordar uma determinada situação.

Mas estou novamente me alongando e não contando a experiência que prometi, vamos a ela.

Eu estava traduzindo um texto que falava sobre o rio Reno, rio é flumen, vem daí fluvial, fluminense. E estava embatucada. Infelizmente não tenho o texto comigo, mas lá dizia que o tal rio era latissimo et altissimo. Latissimo é muito largo, até aí tudo bem. Mas um rio alto?

- Professor, não consigo conceber um rio alto. Por mais que eu tente minha mente não consegue alcançar essa definição, falta algo...

- É porque você está olhando da margem, Bete. Desça até o fundo do rio e olhe para cima, aí entenderá.

Eu gostaria de ter as palavras certas para explicar o alcance que minha compreensão apreendeu nesse momento. Foi como se eu passasse para o outro lado do espelho. Sempre ouvi que toda verdade possui dois lados, mas tudo que minha mente conseguia visualizar era algo como cara e coroa, frente e verso, direito e esquerdo. Nunca tinha parado para pensar que fundo era alto ao contrário, embora seja tão óbvio que uma criança conclui isso.

Foi então que eu entendi que um conceito para ser considerado sábio precisa ser assim, tremendamente simples, infantil mesmo.

Foi a partir daí que eu aprendi a magnitude da palavra vastidão, se é que isso é possível e com perdão da redundância. E me tornei, ou tenho tentado me tornar mais humilde ante novos conceitos, novas explicações, opiniões, idéias, enfim, passei a ouvir e analisar mais, passei a trocar de posições, a ir ao fundo do rio.

Agora vou decepcioná-los – não, não aprendi latim. Aprendi a navegar um pouco no latim, mas só, até porque não era mesmo meu interesse. Não contei às pessoas na época, mas conto a vocês: ao chegar perto de uma língua antiga eu queria chegar mais perto das idéias primeiras, mais perto de onde tudo começou, da essência, portanto mais perto de Deus. As pessoas naquela época jamais entenderiam esse pensamento, mas eu tenho certeza absoluta de que vocês sim.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

De nihilo nihil

 Foi em meados dos anos noventa que eu cometi a insanidade de entrar para um curso de latim.

- Latim? diziam os amigos, você está maluca? Para conversar com quem, com Julio Cesar no Centro Espírita?

Lá vai um conselho, deixe os amigos fora de suas maluquices, eles nunca entenderão mesmo, e ainda estarão prontinhos a criticar se algo der errado: -“eu não disse?!”

Mas eu fui, estudar latim. O método do professor Henrique Muraschco era inusitado: -exponham-se ao texto, ele dizia. Vocês sabem muito mais latim do que pensam. Analisem, sintam as palavras, reajam a elas, e verão do que estou falando.

Eram duas aulas por semana. Em uma delas, íamos somente os alunos, sub a supervisão de um aluno mais adiantado. Líamos e tentávamos entender o texto com o mínimo de ajuda de gramática ou dicionário, uma tentativa de interpretação a seco, por assim dizer. O professor João, o tal aluno assistente, nos dirigia nesse esforço. Na outra aula, o professor Henrique entrava com os conceitos gramaticais, as conjugações, terríveis, sofri muito com os genitivos, os ablativos, o entender as frases de trás para a frente, dificílimo. Sempre trabalhávamos um texto histórico. Começamos com as guerras gálicas. Depois enfrentamos os discursos dos imperadores e legisladores romanos, mas também nos distraímos com as aventuras de Asterix. Por minha insistência, também traduzimos partes da lindíssima ópera cênica Carmina Burana. Pronuncia-se cármina, com acento no a.

Era muito bom.

E o professor Henrique batia sempre nessa tecla: vocês sabem latim muito mais do que pensam.

Com ele aprendi a me interessar pelo significado intrínseco das palavras, sua história, a etimologia. Curto até hoje, vivo me perguntando o que cada palavra de fato significa, e me esforço para descobrir sem ajuda de um dicionário etimológico, até porque não tenho um, são caros. O professor tinha um que era do tamanho da mesa, eu daria tudo para ter um exemplar daqueles, acho que não sairia de perto dele.

- O que significa dizer que uma pessoa teve êxito, ele dizia? Pois exitus significa entre outras coisas saída. Ter êxito não é encontrar uma saída para uma situação?

E não é que é mesmo? eu me dizia...

Mas ele analisava também as palavras do nosso idioma. - Dispêndio, ele falava. Dispêndio é gasto, gastar, mas antigamente as pessoas penduravam salames, chouriços, carnes salgadas, em lugares altos da cozinha, e quando iam preparar des-penduravam aqueles alimentos, despendiam, portanto, para consumir.

- Solução. Fulano encontrou uma solução. Significa que ele dissolveu uma substância dura numa substância fluida, diluindo aquela dureza, tornando-a mais tratável. Óbvio, não é? Mas a gente, eu pelo menos, sempre peguei as palavras pela superfície, então passei a adorar me aprofundar nelas.

Com isso as palavras iam como que crescendo, e eu gostava muito de ver meu universo assim ampliado. O que eu sentia era que algo dentro de mim ampliava também, não sei se me entendem.

- Mercearia. Vem de mercans, mercar, comerciar. Mas também usamos a palavra mercê como favor, crédito, não usamos? Pois antigamente as mercearias eram locais onde comprávamos sem pagar no ato...nesse ponto da aula todos interrompiam para contar das antigas cadernetas de compras, no meu tempo mesmo se usava...

- Mercearia portanto é também sinônimo de lugar onde se concede crédito, favor.

E assim o professor ia conduzindo minha mente por mares nunca dantes navegados. Passei a prestar uma enorme atenção a todas as palavras que ouvia, e a perceber que a grande maioria delas já trazia nelas mesmas o seu significado. E fui entendendo que as palavras nasciam das necessidades das pessoas através dos séculos, nasciam de situações triviais. Babel começou a ficar mais clara para mim.

Falando em Babel, ele dizia que a palavra bárbaro nada mais era do que uma onomatopéia; quando um povo não entendia o que dizia o outro povo, diziam que ouviam “bá-bá-bá”. E isso já abria um gancho para ele falar que uma grande maioria das palavras trazia imitações de sons da natureza e das coisas, o que era muito interessante. Procure descobrir quais são, você irá gostar de saber.

O interessante é que ele não ficava na erudição, ele ia ao falar da gente simples para nos explicar os caminhos percorridos pelo saber, e era fantástico. Índice, ele falava. Quem aqui for de sítio saberá que nunca tiramos todos os ovos de um ninho de galinha, precisamos deixar sempre um, para que ela saiba que precisa voltar a botar ali. Como se chama esse ovo que se deixa? Eu sabia, era “indeis”, aprendi com minha avó. E ele sorria...estão vendo? Indeis, índice...a língua caminha, a língua encontra os seus próprios meios...

E para você que conhece alguma pessoa escrupulosa que abomina palavrões, diga a ela que passe a evitar as palavras acuar, cueiros, cuecas, pelos motivos que eu acho que você já me entendeu. Um dia o professor nos deu uma aula genial sobre palavrões.

Tentando traduzir os textos na forçada, muitas vezes encontrávamos a palavra esclarecedora não no idioma português, mas no inglês, para meu espanto, como no caso do próprio exitus, que remete ao exit inglês, que para eles é saída, o que ampliava muito mais a compreensão, conforme já falei acima. Curiosamente, exitus também pode ser morte.

O mouse inglês é quase uma palavra latina, vem de mus, rato.

O que posso dizer é que o professor Henrique acendeu várias luminárias em meu saber, foi bom demais conhecê-lo.

Mas na verdade comecei a escrever para contar uma certa experiência que tive numa dessas traduções, mas noto que o texto foi alongando. Então vou parar por aqui, voltem amanhã que eu arremato.

Um esclarecimento que estou devendo desde o início do ano. Por pura preguiça, ainda não me atualizei quanto à nova ortografia, peço desculpas, acho que andei cometendo uns erros de acentuação aqui e ali. Errare humanum est. Prometo me atualizar, é que preciso usar um restinho de farinha que ainda tenho.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Elias Solutions Consultoria

Elias passou novamente por aqui.

Ele me pareceu um tanto apressado, trazia um relógio ao pulso, não parava de olhar. E trazia uma agenda, agenda vejam vocês.

Como ele não se decidia se entrava ou não, eu ataquei de Dona Florinda: - não quer entrar e tomar uma xícara de café? Ele aceitou imediatamente, cafezinho passado na hora nem profeta resiste. Entramos.

Notei que ele queria me perguntar alguma coisa, então já fui ajudando: e então senhor profeta, aprendendo novidades em suas andanças por aí?

- Nem me diga, filha. Ia justamente lhe perguntar... (eu sabia, pensei...). - Diga senhor Elias...

- O que é consultoria?

Ai! valei-me minha Santa Madalena, está ficando cada vez mais difícil acompanhar o pique do meu profeta querido, também pudera, ele vive visitando essas viúvas descoladas que freqüentam o meu blogue...

Vamos ver, pensei, como me saio dessa?...

Apelei para a bíblia.

- Senhor profeta, comecei. O senhor se lembra da época da construção do templo, feita pelo rei Salomão?

- Como me esquecer? respondeu ele. Todas as hostes celestiais estavam voltadas para aquele momento glorioso da humanidade. Acompanhei de perto cada etapa da construção.

(Grande isso, não?)

- O senhor então deve se lembrar de que Salomão procurou a ajuda do rei de uma nação amiga, o rei Hirão, de Tiro?

- Sim, eu me lembro muitíssimo bem disse ele. O povo daquela nação era especialista na derrubada de cedros, bem como de seu transporte por mar, uma operação delicada que devia ser feita com muito critério. E a madeira deveria ser convenientemente cortada, e ainda mais em se tratando do fim a que se destinava, a construção de um suntuoso templo dedicado ao Senhor Deus, bendito seja o seu nome.

- Exatamente, eu disse. Não era uma tarefa que poderia ser entregue a qualquer um, dada sua complexidade e magnitude. O rei Hirão era hábil nessa atividade, e saberia conduzir muito bem essa importante empreitada; não era o caso de simplesmente derrubar cedros, tudo tinha que ser muito bem planejado, tudo tinha que sair dentro de um cronograma de construção que evitasse desperdício de madeira e de tempo, e o fluxo da entrega desse material deveria ser minuciosamente calculado, para que a construção seguisse dentro do prazo. O rei Salomão devia ser muitíssimo exigente, e ainda mais em se tratando das obras do templo.

- Com efeito, respondeu Elias. E ficou tudo perfeito! Um belo templo, imponente, grandioso, pura madeira de cedro revestida com lâminas finíssimas de ouro. Eu me lembro do dia da inauguração, a glória do Senhor Deus, bendito seja o seu santo nome, encheu aquele espaço como jamais antes alguém já tinha visto...

- Por aquele trabalho, continuei eu, o rei Hirão recebeu excelente pagamento em trigo e azeite, uma quantidade monumental, até porque o contingente envolvido da parte do rei de Tiro era algo em torno de trinta mil trabalhadores. Hirão, portanto, foi o consultor e gestor para assuntos de madeira na construção do templo.

- Existem consultorias de todos os tipos, das mais simples, como por exemplo a pessoa que quer tentar um novo corte de cabelo e está na dúvida e procura orientação, às mais elaboradas, como essa que acabamos de ver, eu disse. A do rei Hirão foi uma consultoria com fornecimento de mão de obra e gestão, coisa grandiosa.

- Quando, por exemplo, um jovem em dúvida sobre os rumos de sua vida profissional, procura a orientação de um profissional experiente para se aconselhar, podemos dizer que isso é uma consultoria, perguntou Elias?

- Sim. E das mais importantes. Se fôssemos pagar, o preço seria elevado. Em muitos momentos da vida, um bom conselho pode ser encarado como uma consultoria. Consultoria é sinônimo de resposta.

- Interessante, muito interessante, disse Elias. E anotou qualquer coisa em sua agenda, talvez uma consultoria a dar a alguma viúva? Quem sabe...

Então Elias repetiu o cafezinho e se arrumou para ir, sempre conferindo o horário no relógio, um consultor nato. Mas como é de praxe, não sem antes me tascar uma profecia:

- Eis que boas consultorias em sua vida nunca faltararão.

Que bênção, pensei. Eu sempre achei que cada amigo meu é um bom consultor em alguma área, agora com essa profecia, tenho certeza.

E este post vai com minha gratidão aos amigos consultores que este blogue me trouxe, neste curto espaço de tempo em que escrevo aqui.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Recapitulando


Aproveitando que vocês estão quietinhos aí, vou dar uma recapitulada na história do blogue, para atualizar algum visitante novato que num milagre possa aparecer por aqui, então vamos lá:

Este blogue conta a história de uma viúva de
50 anos, mãe de um belo rapaz de 21, e eles sobrevivem com pouquíssimos recursos, mas sem perder a classe nem a elegância. Metidos, claro...

Fui buscar inspiração neste trecho
AQUI da bíblia sagrada, na bela história em que Elias multiplica a farinha e o azeite da viúva de Sarepta, daí o nome do blogue, que no cabeçalho aparece em hebraico. Identifico-me com esta história, tanto que foi ela que deu origem ao blogue, o que você poderá ver AQUI.

Aqui você encontrará postagens que eu chamo de pães, sempre amassados com a última farinha da lata, pouca sempre, e eu explico: sou uma especialista em nada. Não entendo nada de história, ciências, filosofia, religião, atualidades, nada mesmo. Além disso, sou preguiçosa e sem muita paciência para ler, embora o faça, mas sem consistência.

Conto histórias tiradas de minha experiência, utilizando um método que aprendi na cozinha com minha mãe: ela pegava dois ovos, farinha de milho, leite, algumas ervilhas, queijo ralado, um tiquinho de fermento, e fazia uma omelete maravilhosa.

Escrevo assim. Se você olhar com olhos críticos, verá que são histórias simples que aumento com minha forma prolixa de contar.

Conto porque gosto de contar, e também porque alimento a ingênua intenção de com meus escritos ajudar alguém, nem que seja só proporcionando distração mesmo...

Se o que escrevo aqui é verdade ou não, se foram casos que aconteceram ou não de fato, penso que é de pouca importância, até porque acredito que uma vez escrita toda mentira vira verdade. Mário Quintana dizia que a mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer...

De vez em quando o próprio Elias aparece por aqui, o que você poderá constatar por exemplo
AQUI. Ou AQUI e AQUI. É uma brincadeira, são parábolas, informo isso porque andei recebendo críticas, pessoas me acusaram de que eu estava cultuando a Elias. Bobagens de quem não tem o que fazer.

Como sou bipolar, e conto algumas experiências dessa natureza, você encontrará na classificação abaixo de “Padeira Bipolar” alguma brincadeira que faço em cima da fase que estou vivendo no momento. Talvez ajude alguém.

Aqui não tenho por hábito replicar textos de outros blogueiros, mas há aí do lado esquerdo colegas que são verdadeiras feras que sugiro que visite, e com calma, porque são todos realmente bons.

E você é bem vindo. Traga sua farinha, seu azeite, ou sua geléia ou manteiga, acrescente, comente, concorde, discorde, ajude a crescer a minha massa.

Pão aqui jamais faltará. Palavra de Elias, e minha também.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Il y a longtemps que je t'aime

 Desejar encontrar um amor para que a vida tenha sentido pode soar muito romântico, mas o sentido da vida deve estar dentro de você, jamais fora.

Igualmente desejar um amor para que a vida adquira novo colorido, embora seja ótimo para letra de samba canção, é péssimo para o colorido. Se alguém está desejando cor é sinal de que se está cinzento. Jogar tinta colorida aí dará uma péssima mistura, para ambos.

Desejar encontrar um amor para que a vida tenha emoção, já cantou a bola: a vida está péssima, é muita ilusão achar que alguém irá sentir-se bem do lado de alguém assim.

Amor não é solução de problemas, não é distração para os problemas da vida, não é levantador de moral ou ganho de imagem.

Amar alguém porque esse alguém é lindo e maravilhoso é egoísmo. Não é diferente de aprisionar um pássaro numa gaiola. Ser lindo e maravilhoso é um direito daquela pessoa, isso não significa que ela seja obrigada a enfeitar a sua vida com sua presença maravilhosa. Torne-se lindo e maravilhoso você, já que almeja tanto a beleza.

Amor não é troféu que se coloca na prateleira. Amor não deve ser utilizado para atrair para si os ganhos de outra pessoa, sejam eles pessoais, profissionais, financeiros ou outros. Não é up-grade de vida sem graça.

Não concordo com sedução. Ou o amor acontece ou não acontece. O jogo da sedução é mentiroso porque evidencia os dotes, geralmente físicos; os homens são presas fáceis desse tipo de enganação. Mas não se engana a vida toda, dotes físicos não são perenes.

Acredito no amor como um acontecimento, que nasce dos olhos, do toque, da pele, que brota espontaneamente, sem artifícios, sem jogo de sedução, sem artimanhas, sem necessidade de convencer.

Um momento mágico que ocorre a dois.

Amar e “convencer” o outro de que ele também deve nos amar é um jogo, que pode dar certo por um certo tempo. Mas acaba.

Mas é incrível como as pessoas
pensam que o amor é algo a ser conquistado, como um troféu. Ele será meu, ela será minha, não é muito usada essa expressão? Outra coisa isso não significa do que: serei dono daquela beleza...aquele pássaro virá para a minha gaiola...

Isso não é amor, é posse.

O amor verdadeiro é aquele que nos alcança quando estamos disponíveis para ele. Quando a nossa vida, mesmo solitária, é um ato de amor.

Ave

 Cheguei naquela igreja cedo demais, ou melhor, levando em conta a urgência de minhas preces até que era bem tarde. Mas era cedo para os santos, eles estavam todos ocupados em seus afazeres matinais.

Santa Úrsula, apoiando o pé num banquinho, túnica erguida até os joelhos ajeitava a sandália. Santa Terezinha tirava do manto pétalas de rosa murchas. Santo Agostinho consultava alguma coisa no dicionário. São Sebastião passava pomada de São Sebastião nas flechadas. J Cristo fazia alongamentos.

Fiquei sem graça, não gosto de surpreender ninguém em sua intimidade, nem mesmo santos. Saio e volto mais tarde? Pensando bem vou ficar quietinha aqui mesmo e tentar rezar.

Pai Nosso que está nos céus difícil, corre pela nave um carneirinho desgarrado de São Francisco. Santificado seja ah não dá, o menino Jesus está chorando a valer, e Nossa Senhora de papo com Santa Isabel, essas duas ainda não esgotaram assunto?!

VENHA O TEU REINO, seja feita alguém tem de colocar ordem nessa bagunça, pombinha do espírito santo voando, anjinhos fazendo xixi, e não é que J Cristo está fazendo abdominal?

Pensando bem, coitado, a rotina dele é dura, deixa ele malhar...

Seja feita a tua vontade entra uma velhinha corcunda arrastando as chinelas trazendo os paramentos da missa. Devia ser o sinal, todos se imobilizaram rapidamente na posição de estátua.

Notei que Santa Úrsula não teve tempo de recompor a túnica, belas pernocas, tivesse eu uma pernoca assim não teria sido santa não sinal da cruz amém.

sábado, 10 de janeiro de 2009

A maçã



DÉCIMO E ÚLTIMO EXAME: O CÉREBRO

Adão se encaminha para o seu último exame. O número de folhas de papel que carrega já é considerável. Ele está bastante cansado. Estende um papel ao examinador, que logo lhe pergunta:

- De quê você se recorda?


Eu me recordo do amor que não vivi
da alegria que nunca tive
da vontade de realizar algo
que nem mesmo sei o quê.

Eu me recordo de uma canção
que nunca aprendi
de um jardim
onde nunca estive
de um fruto que eu nunca comi.

Eu me recordo
de um irmão que eu nunca abracei
da mulher
a quem eu nunca amei
da emoção real
que eu nunca conheci.

Até aqui só vivi a ilusão
de acreditar-me grande e forte
de acreditar-me capaz
de encontrar sozinho
o caminho de volta...

Mas não! confesso que me perdi
confesso que a vida inteira
me esqueci
esqueci meu nome
e meu sobrenome
esqueci os limites
do meu lugar.

E só tenho feito vagar a esmo
vivendo com um nome falso
dentro de um reino falso
que não é o meu.

Mas desejo de volta
minha real lembrança
desejo conhecer meu nome
desejo abarcar com a vista
a extensão do meu paraíso

Desejo me transformar
no meu próprio fruto
e prová-lo resoluto
e me saciar de mim.

Entra uma enfermeira, que coloca cerimoniosamente em sua cabeça uma touca de hospital. Ela em seguida lhe ajeita o avental e a máscara. O examinador, também respeitoso, lhe entrega o papel assinado. Saem.

Essa é uma parte, quase os instantes finais da peça “A maçã”, que escrevi nos anos 90, para um grupo de teatro de São Caetano do Sul, e que graças aos céus não foi representada. Deus é bom. Se você achou estranho é porque não leu o resto da peça. Se eu tiver paciência ou coragem, creio que mais esse último, eu a apresento aqui para vocês, para talvez me livrar dela.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Pecadora é a mãe

 Vá e não peques mais disse Jesus à pobre mulher que foi apanhada fazendo “aquilo” com quem não deveria, provavelmente à luz do dia, a coitada. E a mulher desaparece da nossa frente aí. Mas por mais espantoso que vocês possam achar, os crentes do mundo inteiro imaginam inocentemente que a infeliz desse dia em diante nunca mais pecou. Entrou para um convento, abaixou o comprimento da saia, saiu pelo mundo distribuindo folhetinhos – símbolos externos claro – de quem não peca. Imaginem...

Se hoje para qualquer mulher, ou homem, é difícil sair de relacionamentos complicados, como não seria para uma mulher naqueles tempos machistas?escuros? medonhos?

“- Ah, mas depois de ter sido impactada por Jesus, ela andou na presença dEle, tornou-se uma...uma...uma o quê?!”

Continuou pecando, ora pois!

Imagino a mulher procurando Jesus num cantinho qualquer daquelas ruelas tortas: - Jesus, seguinte, lembra de mim, eu sou aquela pecadora lá, quando o senhor escrevia aqueles poemas na areia, aliás, desculpe ter interrompido sua escrita, imagino que seriam lindos poemas, eu não sei ler, mas...estou fugindo do assunto, seguinte, Mestre, eu...veja bem...eu...

Quando na conversa aparece um “veja bem” vocês já sabem...

A mulher está embatucada para dizer que continuou mandando ver nos pecados, talvez até o mesmo no qual foi surpreendida e...não encontra palavras e...

- Fica fria, diz o Mestre. Procure dar o seu melhor, ore muito, esqueça a culpa. Eu não queria a vida desse jeito, e muito menos o Pai.

É esse para mim o significado da frase: Jesus veio para nos salvar. Jesus me salva de mim mesma, de meus medonhos sentimentos de culpa, a culpa daquela mulher carrego eu ainda hoje, também entrei e saí de relacionamentos errados, e a diferença e que não fui flagrada, só isso, e mesmo que fosse, os tempos são outros.

Relaxa, Bete, sussurra o Mestre. Essa não é nem de longe a vida que eu sonhei para você, e essa mulher velha e cansada que lhe mostra o espelho, não se parece nem por sonho com o seu desenho que eu fiz, a propósito, tem uma garotinha lindinha aí dentro, daqui eu estou vendo...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O gaúcho alegrete

 Vim aqui me desculpar. A frase (que com certeza ninguém percebeu) “meu soninho mais ou menos inocente”, não é minha não, é de Mário Quintana. Não quero encrencas com gaúchos vivos ou mortos, e muito menos com um gaúcho de Alegrete.

Mário Quintana, coitado, ao lado de Luiz Fernando Veríssimo e Arnaldo Jabor, faz parte do trio de vítimas da Internet. O Jabor dia sim dia não vocifera na CBN: - EU NÃO ESCREVI O TEXTO SOBRE OS GAÚCHOS!!!! Tarde demais, agora nem Deus acredita mais nele, imagino o pobre chegando no céu e sendo recebido por São Pedro:

- Olá, bem vindo Jabor, a propósito, gostei muito do seu texto sobre os gaúchos.

- NÃÃÃÃO!!! É o Jabor puxando os raros cabelinhos e se atirando de cabeça no inferno. Para chegar lá e ouvir do diabo que gostou muito do texto sobre as mulheres, outro que ele também não escreveu.

Quantas e quantas mensagens nos chegam de power point por dias seguidos, dos coitados, algumas escritas por eles mesmos, outras atribuídas, mas todas com bons erros de português e concordância, ao lado daquelas imagens horrorosas?...

Mas o Quintana eu acho que gostaria, ele era amigo da criançada. Creio que ele nem ficaria zangado do fato de as meninas escreverem Kintana, ou Quimtana. O autor consagrado dos perfis de MSN...

No seu tempo ele era considerado um autor menor, um mero frasista como se dizia. Mas eis que veio a Internet que resgatou o poeta ao gosto do povo, da gente simples, da meninada, foi a vingança do poeta morto. Imagino ele lá do céu fazendo uma banana paras os críticos idiotas, fazendo valer sua famosa frase, conversando com o Pedrão:

- Então, S.Pedro, eu não tinha dito “eles passarão, eu passarinho?”...

Mas para introduzir um texto menos conhecido dele na net, vamos lá:

Filó

O negrinho Filó era um artista no pente. Naquele velho pente envolto em papel de seda, tirava tudo, de ouvido, desde a Canção do Soldado até La donna é móbile. A gente ficava escutando, com orgulho e inveja. Pois nenhum de nós conseguia tocar pente. Dava-nos cócegas e, como dizia a Gabriela, “ gente se agachava a sirri que não parava mais”. Quando ele morreu, foi logo declarando a sua qualidade para S.Pedro: “musgo!” E. S.Pedro lhe deu uma gaitinha de boca. Uma linda gaitinha de boca! E até hoje ele vive explicando que não há nada como o pente...Mas o céu é tão perfeito que na sua Filarmônica não existem instrumentos de emergência: um pente, lá, é um pente mesmo.

O nome do livro é Sapato Florido.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Flash-back ou muito mais



 Quando escrevi AQUI, creio que o meu leitor, apressado como todo blogueiro, nem notou que eu deixei um gancho de continuação. Eu tinha um belo desfecho para esta história, modéstia à parte um dos mais bacaninhas que já escrevi, e era para ser postado hoje.

Mas houve uma mudança, o acaso interferiu, e não é o acaso uma ferramenta de Deus?

Flash-back:” ...Ele (Papai do Céu) fica me devendo a alegria, mais que a alegria, o alumbramento, de abrir as portas da minha casa, mesmo que seja numa outra existência, para o Santo Reis entrar.”

Foi então que Jesus, o próprio, cansado de tentar me fazer entender que os tempos são outros, cansado de repetir para mim os ensinamentos que eu teimo em não ouvir, preferindo ficar acorrentada ao passado que não volta jamais, interferiu.

“Filha, parece que o ouço dizer – esqueça tudo aquilo. Foi pura emoção, eu sei, mas “a vida segue sempre em frente, o que se há de fazer”. Não é você que ama essa frase do poeta?”

“Eu estou descortinando um novo mundo à sua frente, dia após dia, e você insiste em não ver? Eu tenho lhe mostrado que a beleza tem se desdobrado a perder de vista, assumindo novas e maravilhosas formas, quando é que você vai abrir os olhos para perceber?”

“Não há uma palavra que vocês tanto usam, a tal “repaginar”? A vida tem se repaginado, filha, e de uma maneira fantástica, formosa, inquietante e gratuita...”

“Então olhe! Você queria abrir as portas de sua casa? E o seu computador não é uma porta aberta? Você queria ver os magos entrando em sua casa? Então veja aqui, eles estão entrando, eles estão voltando para você com novas vestes, as vestes do seu tempo, maravilhe-se com o seu tempo, foi para isso que eu o entreguei a você, para você se maravilhar com ele...”

“Você queria abrir suas portas “nessa ou noutra existência”, quando é que você vai se dar conta de que você já vive nessa outra existência, uma existência virtual, e na qual EU habito?

“Olhe...por acaso isso não é um alumbramento?!”

Desnecessário dizer que eu chorei, mas foi um choro bom, emocionado, de quem se vê ganhando exatamente o presente que não ousou pedir, e de uma forma totalmente inesperada e gratuita.

Quando eu estava enxugando as lágrimas e saindo desse êxtase todo, não é que veio um insetozinho, sabem esses bichinhos marronzinhos, parecendo casquinha de árvore? Pois é, veio um voando e não teve ele a petulância de pousar na tela do computador?

Foi a cereja do panetone, o alumbramento do alumbramento, eu iria mais longe – o toque do sagrado.

Se você não está entendendo nada do que eu disse, não está entendendo onde estão esses reis magos, vai o conselho, procure. Não estão longe, pelo contrário. Reduza a pressa e aumente a curiosidade, você não faz idéia das coisas emocionantes que a minha curiosidade já me proporcionou. Uma pista: são muito mais que três magos.

Com certeza você também irá se alumbrar.

sábado, 3 de janeiro de 2009

O Big Brother



Será que existe o dia nacional do voyerismo?

Calma, calma, calma, quando se fala em voyerismo todo mundo já pensa logo em sexo, nunca vi turma mais maliciosa que vocês meus queridos...

Só vim falar de mais um livro cabeça, o 1984, de George Orwell, o tal do Grande Irmão, acho que o Big Brother chegando aí na tevê me fez lembrar dele.

Foi um livro que levou meu pensamento radicalmente para uma outra dimensão. Até aquela data, lá pelos idos de 80 quando eu o li, tinha comigo a doce ilusão de que estava sozinha no universo, e que ninguém estava preocupado com a minha vidinha.

Mas dentro de minha bolsa já havia um cartãozinho de plástico, naquele tempo se chamava Credicard. A semente do Grande Irmão estava plantada em minha vida e, claro, existiam outras, muitas outras, finamente amarradas me controlando.

Hoje sou serva do maior dos controladores, Mr.Google. E consegui infiltrar até a farinha e o azeite de Elias nessa roubada. Tecle farinha e azeite juntos no Google e verá do que estou falando, aliás, estou macha. Entrou na busca antes de mim um comerciante de azeites, quem ele pensa que é para roubar o MEU lugar? Deixa Elias saber disso.

Mas voltando ao livro, não o tenho mais comigo para esnobar um trecho cabeça. Mas gosto muito de um momento onde o personagem central Winston, recebe sigilosamente um bilhete das mãos de uma moça, Julia. O coração dele bate acelerado, ele pensa em mil coisas, será uma ordem de suicídio? O aviso de uma denúncia anônima? Uma convocação para uma reunião clandestina? Ele se tranca no banheiro, correndo risco mesmo lá, porque todos os banheiros eram vigiados por teletelas, como vemos no Big Brother. Então disfarçando muito, fazendo cara de tranqüilo para não dar na vista, ele abre o bilhete com os dedos trêmulos, que contém apenas a seguinte frase: Eu te amo.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Você tem medo de quê?




 Gostei da brincadeira de esnob...de mostrar os livros cabeça que a gente tem, o blogueiro é antes de tudo um esnobe e eu não fico nem um pouquinho fora disso.

Vou falar de um livro que me dá o maior medão, só não me desfiz dele junto com os outros por medo mesmo, porque nem de ler tenho coragem.

Adoro essas comunidades de orkut em que a meninada fala de medos, como é que eu criei um filho e não me liguei nisso? Faz pouco tempo que fiquei sabendo que o meu filhote tinha, tem até hoje, o maior medo daquelas figurinhas de pessoas felizes no novo céu e na nova terra dos testemunhas de jeová. E conversando com a Wanessa, não é que ela tem também? Aí eu fui olhar, e não é que as malditas das figurinhas são terríveis mesmo? Sinistras...

Eu tenho medo de sonhar com escadas rolantes, sonho com umas medonhas, que não têm fim. Medo também de sonhar com elevador, um mais apavorante que o outro, inclusive alguns elevadores nos meus sonhos não deslizam na vertical, mas na horizontal. Medão.

Na vida real tenho medo das estátuas abandonadas, fico imaginando elas andando de noite pela cidade, esverdeadas, cobertas de pombo e caca de pombo, uiii! Imagino que algumas vestem uma casaca preta por cima pra caminhar pelas avenidas, darkão!

Tenho medo de casa com luz acesa do lado de fora à noite. Pavor. E tenho um medo inexplicável por galpões de fábrica, aliás, tenho medo de qualquer construção com pé direito alto, mas os galpões, as fábricas, aqueles depósitos medonhos que tem nas margens do rio Tamanduateí, eu não passo por ali de noite nem pra salvar a mãe. Falando em Tamanduateí, tenho medo dele também.

Só por curiosidade eu aconselho que você dê uma olhada nos medos da meninada, é muito divertido e curioso, os mais interessantes que eu achei foram medo de foto 3 X 4, e medo da Gina dos Palitos, esse eu também tenho. Medo de palhaço é o mais comum entre a garotada, seguidos de perto pelo palhaço e a bailarina que vinham numa kombi branca roubar crianças. No meu tempo era a loira do banheiro. Meu filho tem medo do palhaço Bozo.

Ah, o livro? E o Aleph, de Jorge Luis Borges. Difícil escolher um trecho mais apavorante, fico com este aqui:

“Nas horas desertas da noite ainda posso caminhar pelas ruas. A aurora costuma surpreender-me num banco da Praça Garay, pensando (procurando pensar) naquela passagem de Asrar Nama, onde se diz que Zahir é a sombra da Rosa e a rasgadura do Véu. Vinculo essa opinião a esta notícia: para perder-se em Deus, os sufis repetem seu próprio nome ou os noventa e nove nomes divinos até que eles já nada querem dizer. Eu desejo percorrer esse caminho. Talvez acabe por gastar o Zahir à força de pensar e repensar nele, talvez por detrás da moeda esteja Deus.”

Não tive coragem de me desfazer do Aleph, morria de medo de ele voltar para mim, um amigo me contou que vendeu um livro num sebo e o livro voltou para ele pelas mãos de uma namorada, ai que medo disso me acontecer, então pensei, se esse livro volta para as minhas mãos estou irremediavelmente perdida, melhor deixar ele aqui. Se você não está entendendo muito do que estou falando, eu aconselho você a lê-lo, principalmente “O Zahir”, o conto mais assustador que já li.

E o livro repousa bem quietinho debaixo de A noite escura, de São João da Cruz. Dizem que ele, o Borges, não gosta de ficar debaixo de qualquer livro, então procurei em vão algum outro cuja companhia o agradasse. Receio não ter encontrado nada em meu modesto acervo. Então deixei o Aleph debaixo do santo frade carmelita amém.