segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

De nihilo nihil - final

Antes de mais nada, vamos a uma errata, que por sua vez deriva de erro, errans, erratum, algumas variações mas todas significando erro, e que para nós é uma admissão de um erro: Carmina Burana não é uma ópera cênica, é uma cantata cênica, e para quem quiser ouvi-la é de autoria de Carl Orff.

Continuemos. Falava eu das aulas de latim do professor Henrique Muraschco. Eu dizia para a Neli nos comentários que ele foi um dos poucos sábios que eu conheci pessoalmente, e não somente porque falava com fluência línguas mortas e ativas, até porque isso não é sabedoria, é erudição. Ele era sábio entre outras coisas porque sabia conduzir a nossa compreensão de modo a nos libertar de conceitos ou pré conceitos, ele nos ampliava o pensamento, e eu vou tentar explicar.

Dei muita risada quando ele disse que quando ouvimos a palavra salame, imediatamente recorremos àquele chouriço cilíndrico e alongado, mas nada impede que se faça um salame quadrado. Salame nada mais é do que um preparado que contém bastante sal. Como também a salada.

Achei interessante porque esse pensar libertava um cordão em minha mente, um fio invisível, que até então ligava a linguagem ao sensório, e o resultado embora inquietante, era fantástico, era como uma mola propulsora que dava vastidão ao curso dos pensamentos, e torno a dizer: não sei se me entendem.

Foi ele também quem me disse que nas regiões gélidas, como a Sibéria, o leite é vendido congelado. As pessoas pegam aquele produto espetado em palitos, como um sorvete, e o levam para casa. Isso para mim foi genial, olhar para o leite por uma nova ótica, constatar que há um novo jeito, uma outra forma de abordagem, e sempre recorro a essa imagem quando noto que meu pensamento começa a ficar por demais pequeno, ou quando não sei como abordar uma determinada situação.

Mas estou novamente me alongando e não contando a experiência que prometi, vamos a ela.

Eu estava traduzindo um texto que falava sobre o rio Reno, rio é flumen, vem daí fluvial, fluminense. E estava embatucada. Infelizmente não tenho o texto comigo, mas lá dizia que o tal rio era latissimo et altissimo. Latissimo é muito largo, até aí tudo bem. Mas um rio alto?

- Professor, não consigo conceber um rio alto. Por mais que eu tente minha mente não consegue alcançar essa definição, falta algo...

- É porque você está olhando da margem, Bete. Desça até o fundo do rio e olhe para cima, aí entenderá.

Eu gostaria de ter as palavras certas para explicar o alcance que minha compreensão apreendeu nesse momento. Foi como se eu passasse para o outro lado do espelho. Sempre ouvi que toda verdade possui dois lados, mas tudo que minha mente conseguia visualizar era algo como cara e coroa, frente e verso, direito e esquerdo. Nunca tinha parado para pensar que fundo era alto ao contrário, embora seja tão óbvio que uma criança conclui isso.

Foi então que eu entendi que um conceito para ser considerado sábio precisa ser assim, tremendamente simples, infantil mesmo.

Foi a partir daí que eu aprendi a magnitude da palavra vastidão, se é que isso é possível e com perdão da redundância. E me tornei, ou tenho tentado me tornar mais humilde ante novos conceitos, novas explicações, opiniões, idéias, enfim, passei a ouvir e analisar mais, passei a trocar de posições, a ir ao fundo do rio.

Agora vou decepcioná-los – não, não aprendi latim. Aprendi a navegar um pouco no latim, mas só, até porque não era mesmo meu interesse. Não contei às pessoas na época, mas conto a vocês: ao chegar perto de uma língua antiga eu queria chegar mais perto das idéias primeiras, mais perto de onde tudo começou, da essência, portanto mais perto de Deus. As pessoas naquela época jamais entenderiam esse pensamento, mas eu tenho certeza absoluta de que vocês sim.