sábado, 30 de maio de 2009

Eu tive um sonho

 Foi assim: então eu sonhei que estava acordada, e em uma igreja evangélica. Havia um pastor comandando tudo, e ele era muito engraçado, estimulava legal a platéia, chegou a colocar uma cadeira no meio da nave e puxar papo com dois tiozinhos, perguntando para eles se eles acreditavam que iriam presenciar ali o poder de Deus. Não lembro o que os tiozinhos responderam.

Pois bem, havia uma enorme caixa de papelão na frente do templo, no altar, do tamanho daquelas piscinas de crianças. Ele pediu que todos que tivessem óculos os levassem até lá, que ele iria orar pelas nossas deficiências visuais, que a oração iria nos curar.

Eu levei os meus óculos. Só que tomei todo o cuidado de memorizar direitinho o lugar onde os deixei, para acertar pegá-los de volta depois.

Não lembro como o sonho terminou.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Nenhuma autoridade

 Não terias sobre mim nenhuma autoridade, se do céu não lhe fosse concedida.”Do Evangelho de João

Essa frase foi dita pelo Mestre. No exato momento em que Pilatos estava tentando convencê-lo a dar uma mudadinha básica no discurso, “de repente eu posso livrar a sua cara, você vai ver, sempre tem o tal do jeitinho...”

E o Mestre, com uma cruz acenando a poucos metros dali, se sai com essa fala certeira e corajosa, minha amiga e repentista Iracema M. Régis diria “fala de cabra macho”.

Um homem saudável, e tenho certeza de que Jesus o era, poderia levar horas, talvez até mesmo dias, para morrer numa cruz. Os romanos usavam um expediente para que os pés da vítima ficassem apoiados, com isso eles ampliavam por muitas horas o tempo do suplício. Isso porque sem nenhum ponto de apoio, o desgraçado sucumbiria rapidamente por falta de ar. Mas a intenção da crucifixão era fazer o infeliz apodrecer agonizando.

Coisa que não aconteceu com Jesus, Ele morreu bem rápido, a ponto de impressionar o centurião responsável pela aplicação do flagelo, e também Pilatos.

“Não terias sobre mim nenhuma autoridade, se do céu não lhe fosse concedida...”
Mesmo sabendo que havia uma sinistra cruz no final dessa não menos sinistra audiência com Pilatos, Ele não abaixou a cabeça.

Não se intimidou.

Por isso eu o amo, respeito e o aceito como Filho de Deus e Senhor em minha vida.

Por isso eu reconheço que minha vida está inteiramente em Suas mãos.

Ninguém ou nada tem autoridade sobre a minha vida que antes não tenha passado pela autoridade Dele, mesmo que gostosamente pensem ter, mesmo que aparentemente aos olhos de todos que me vêem, pareça ser assim. Da esfera desse amor, nem a morte me separará.

E esse último parágrafo aí me sabe melhor que uma enorme trufa de chocolates misturado a licor de cerejas, recheada de pistaches e amêndoas e polvilhada com nozes raladinhas.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Com quem será?!

 Já que estamos falando em brincar, eu lembrei da brincadeira de pular corda.

Tinha duas modalidades: em uma, a menina pulava a própria corda, uma brincadeira solitária. A mais interessante, porém, era com duas meninas tocando uma grande corda. A gente falava assim mesmo – tocar a corda.

Fazíamos uma fila de meninas, e cada uma ia entrando na corda já em movimento. Até hoje acho isso muito interessante, não é fácil entrar numa corda em movimento. Depois que ela entrava, as outras iniciavam uma cantilena que dizia com quem ela se casaria, como seria a aliança, o vestido, o bolo, etc. O momento da cantilena em que a garota errasse, seria a sua sorte, por assim dizer. Escolhíamos os nomes dos garotos das redondezas, e sempre misturávamos os bacaninhas e os tontos. Então a pedida era não errar na hora que estivessem dizendo o nome dos tontos. E a cor do vestido, e o estilo da aliança, o sabor do bolo e tudo o mais seguiam o mesmo raciocínio.

Claro que a gente também forçava errar em algum momento que nos interessasse, como eu, que andava louquinha para namorar o Jaca. É, o apelido do menino era Jaca, mas ele era um gatinho, e não fazia parte da lista dos tontos.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Teste seu equilíbrio interior

Crianças, a brincadeira de girar foi suspensa até que apareça aqui uma pessoa entendida no assunto e nos dê algumas explicações. Como por exemplo: pessoas com labirintite podem brincar de girar? Na dúvida, não iremos fazer, portanto aguardem.

Mas esta você pode fazer, não é nem uma brincadeira, é só um teste, se bem que os yogues dizem que é um bom exercício. Você só precisa estar vestindo uma roupa confortável, e no começo, irá precisar estar próximo a uma parede ou outra pessoa. Para se apoiar. Depois com o tempo, não precisará mais.

A brincadeira é fazer um quatro, isso mesmo, um quatro. Mas tem a cereja. Una as mãos em prece no alto da cabeça. Aquela coisa bem yogue mesmo.

A mesma professora que me ensinou a brincar de girar, me contou que, quanto mais equilibrada interiormente for a pessoa, mais tempo ela consegue ficar nessa posição. Me disse também que ajuda a desenvolver o equilíbrio interior, aquela coisa zen.

Agora é com vocês.

Eu só fiquei uns míseros segundinhos...


segunda-feira, 25 de maio de 2009

O pianista, o estilo e eu

 João Carlos Martins foi um virtuose do piano, o maior intérprete de Johann Sebastian Bach de todos os tempos. Uma vez o ouvi contando numa entrevista que ele estava num taxi em Nova York, e o trânsito estava caótico. O taxista explicou: - é que vai acontecer um concerto, parece que há um pianista famoso que estará se apresentando logo mais, por isso o trânsito está assim. Era ele. Parar o trânsito em Nova York é coisa para poucos. É coisa para alguém como João Carlos Martins.

Eu pensava no pianista, porque esta última semana passei uma tarde deliciosa na Livraria Cultura, e descobri que existem livros que ensinam a fazer livros. Tanto a parte gráfica quanto o estilo. Hardware e software. Vocês sabiam que os livros são impressos numa enorme folha, que depois é várias vezes dobrada e depois cortada? Chamam a isso refilar, é interessante demais. Mas estou fugindo do assunto, afinal, o que tudo isso tem a ver com João Carlos Martins?

É que dei uma olhada nos livros que ensinam a escrever, livros que tratam do estilo. Eu me perguntei, será que ao estudar estilos, não acabamos aprendendo e repetindo o estilo dos outros? Mas será que existe um estilo puro? Alguém que nasce sabendo escrever como Mozart já nasceu sabendo compor?

Foi daí que fiquei pensando no famoso pianista. Uma pessoa entra para um conservatório ainda criança, estuda anos a fio tudo o que há para se estudar sobre a notação musical, posicionamento correto das mãos, interpretação e domínio de um instrumento. Depois ela se especializa com os mestres mais notáveis, aprende as melhores técnicas de interpretação e estilo. Mas deve haver um momento em que um músico se desprende de tudo isso, e passa a ser somente ele.

Deve haver esse momento? Ou será que um artista não é o somatório de todo o estilo que aprendeu e que apreendeu ao longo da vida? Então a minha pergunta é: será que existe um intérprete puro?

Voltemos ao próprio João Carlos Martins. Ele foi acometido de uma terrível doença, que prejudicou suas mãos para o piano. Mas o notável intérprete não desistiu, e está conseguindo tocar novamente, não com aquele virtuosismo de antigamente, ele ainda tem sérias dificuldades. Há pouco tempo o vi tocar na magnífica sala São Paulo, usando apenas a mão direita, e às vezes a esquerda, porém ele deu boa conta de um concerto. Era indiscutivelmente o grande João Carlos Martins interpretando, muito diferente se eu me sentasse àquele piano e tocasse apenas com a mão direita.

Talvez seja esse o momento onde o intérprete se vê de frente com seu estilo puro, o momento onde João Carlos Martins busca no fundo dele mesmo o estilo de João Carlos Martins. Não existe nenhuma técnica à sua disposição, creio que nenhum mestre deixou um método de estudos para pianistas pós doenças como L.E.R.

Esse método é só dele. O resultado, quero crer, é um pianista puro, um mestre revisitado e reencontrado no fundo dele mesmo, e trazido à tona à luz de sua nova realidade.

Então a minha pergunta é: será que terei de descer ao fundo de meus infernos para encontrar meu próprio estilo de escrita? Pode ser. Aprendi numa das aulas do Professor Ricieri, que um foguete para subir para cima daquela maneira fantástica, e eu precisei do pleonasmo aqui, ele joga para baixo toneladas de combustível, essa é justamente a teoria da
propulsão. Talvez cotejando meus infernos, eu consiga alçar vôo rapidamente aos céus, e aqui já não falo de estilo literário, falo de mim mesma. Peço desculpas a algum amiguinho ou amiguinha se não entenderam exatamente o que quis dizer neste parágrafo, prometo retomar o tema num outro momento.

Por ora, viva João Carlos Martins, que hoje também é maestro e impulsionador de talentos entre jovens da periferia. Viva você, homem notável, bravo, bravo!

sábado, 23 de maio de 2009

Existir e escorregar

 “Neste exato momento, ninguém, absolutamente ninguém está pensando em mim”.

Eu era meninota e num dia azarado caí um feíssimo tombo, uma escorregada feia na frente dos meninos mais velhos do colégio, no meio deles havia um que eu estava paquerando.

Desastre completo e absoluto. Foi um dos poucos momentos de minha vida onde eu desejei realmente a volta de Cristo. Ou qualquer outra mágica que me levasse dali.

À noite, não conseguia dormir, não conseguia parar de pensar no vexame.

Foi então que uma doce brisa me soprou a frase acima. E fiquei pensando no absurdo da minha posição - enquanto eu estava ali, me revolvendo na cama, todos os meninos e meninas estavam dormindo em suas casas, nenhum deles pensando mais em mim e no meu vergonhoso tombo.

Vejam como eram as coisas, nossos pais não tinham dinheiro para nos enviar a psicólogos, os meus nem pensavam nisso. Então a dona Vida, ou o Cosmos, ou a Doce Consolação, enfim, o bom Deus se encarregava pessoalmente de confortar a meninada. Pena que hoje a moçada não está ouvindo esses sopros, deve ser o excesso de barulho em suas mentes, ou outra coisa que desconheço.

A tal frase me confortou em absoluto. Esqueci o vexame e adormeci. Mas como coisa boa não se esquece não esqueci da frase, ela me serve até hoje, me serve até este exato momento em que estou aqui escrevendo.

Digo isso porque são muitas as minhas escorregadas. Ontem mesmo escorreguei feio num tomate. Anteontem, numa casca de banana. E transantonte como diriam os minerim, dei uma bela pisada de bola por aí. Os tombos são sempre feios, sempre tem alguém olhando, em muitas vezes estou de saias e nem sempre estou com minha melhor calcinha.

Por isso essa frase sempre me cai redonda. Ainda bem que não ocupo o pensamento do meu próximo por mais de quinze segundos, menos, talvez nem isso, ou nada. Ainda bem. A contar pelas minhas constantes escorregadas, é bom mesmo que eu passe esquecida, senão e a vergonha, como fica?

Esta tarde estava sentada num banco – ô mulher para gostar de banco heim? – lá pelos lados do metrô Ana Rosa. Foi quando me veio à mente a tal frase. Eu me senti deliciosamente sozinha no universo, foi então que pensei algo assim como: existir, existir de fato, é estar unicamente no pensamento de Deus.

Mas depois olhei para os lados. Ao meu lado esquerdo havia uma mocinha compenetrada lendo A mão e a luva, de Machado de Assis. À direita envelhecia um pouco mais uma discreta senhorinha japonesa, usando o sempiterno chapeuzinho branco de pano, não parece que elas são clonadas? E à minha frente estava um belo moço alto, moreno, de olhos verdes tão bonitos com as águas do Rio Bonito. Eu olhei para a mocinha, ela me olhou. Eu olhei para a senhorinha, ela me olhou. Eu olhei para o moço, ele também me olhou.

Foi então que me veio outra frase: existir é estar ao alcance do olhar do outro, também. Mesmo que seja por menos de cinco segundos.

Se é assim eu existo.

Eu existo sim.

Eu existo amém.

 

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Vira virou


Agora eu vou ensinar aqui uma brincadeira muito maluca. É preciso antes de mais nada uma boa dose de coragem. Também é preciso não ter problema cardíaco, confirmado ou suspeito.

Procure um espaço amplo onde não haja coisas em que se esbarrar, de preferência um local ao ar livre, um quintal gramado por exemplo. Eu já fiz na praia, e também numa quadra de esportes.

É basicamente brincar de girar. Crianças pequenas o fazem, e as mamães logo falam: - não faz isso menino, que faz mal.

Faz mal coisa nenhuma, mas há que se tomar um cuidado fundamental, caso contrário você pode realmente enjoar, e enjoar feio: é preciso olhar única e exclusivamente para um ponto fixo no alto, bem acima de você.

Então você abre os braços, olha fixamente para cima sem mover o olhar desse ponto, NÃO FECHE OS OLHOS, e faz do seu corpo um pião, gira, gira, gira, gira, gira...e se joga no chão.

O que vem a seguir é muito louco: você irá sentir o chão se movendo violentamente. Muito, muito, muito. Fique na mesma posição até tudo parar de rodar.

Na primeira vez que se faz, mesmo com o cuidado de olhar para cima dá um certo enjoo. Mas nas próximas você já não sente mais enjoo algum, e se sentirá hiper leve ao final.

Tenho certeza de que você achou coisa de doido. Mas quem me ensinou, uma professora de Yoga, afirma que além de deixar o corpo leve, é bom para arejar as idéias e melhorar o equilíbrio interior. Disse-me também que é coisa de certos místicos orientais chamados dervixes rodopiantes.

Eu fiz e gostei. Não é ruim não.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A minha luz pequenina

 Antigamente o bairro onde moro não tinha as ruas iluminadas, então as casas tinham a lâmpada de fora, todas tinham a sua. Como moro num vale, ao voltar para casa à noite vindo de qualquer ponto do alto, eu via lá embaixo um mar de luzinhas, e achava aquilo lindo demais.

Geralmente éramos eu e meu irmão voltando de alguma visita a parentes com minha mãe. Nossa casa estava muito longe de ser o melhor lugar do mundo, e na grande maioria dessas noites, voltar para casa era sempre inquietante. Ficava tentando imaginar se em todo aquele mar de luzinhas existiria outra menina morando numa casa tão triste como a minha. Na verdade eu não pensava exatamente assim, eu não era muito boa em articular pensamentos. Algo me dizia que eu não era exatamente uma menina feliz, mas meu pensamento não passava disso. Então eu me punha a imaginar como viveriam as meninas das outras luzinhas.

Hoje as casas não iluminam mais o caminho de quem passa. E as construções assobradadas, as fábricas e os edifícios se impondo na paisagem, levaram dos nossos olhos aquela conformação de vale. Só sabe que aqui é um vale quem nasceu aqui, ou seja, eu, e uns poucos outros.

Todos construiram altos muros, as casas se escondem umas das outras, e ninguém acende luz para mais ninguém. O que não me impede de ainda hoje ficar olhando para as casas com aquele meu olhar antigo de menina. Como vivem hoje os donos das antigas luzinhas?

Cada luzinha uma história, vou pensando quando retorno à noite para o meu bairro escuro, sempre negligenciado pela companhia de luz. E como moradora antiga, conheço alguns dramas. Ali mora dona Irene, ela tem dois filhos na prisão. Aquela outra é a casa do seu Gustavo, suas três filhas casadas voltaram para morar com ele, com seus maridos e filhos, não conseguiram arcar com os custos de aluguel. Então ele foi construindo os tais puxadinhos, a casa dele foi crescendo para os lados. E ainda os ajuda, com a sua magra aposentadoria. Ali mora a Emilia, seus pais faleceram, ela ficou só, é solteira. Tem a minha idade, mas aparenta mais. Sei essas histórias porque sei, não porque as pessoas fiquem contando.

Talvez de suas casas eles falem de mim também, e minha história deve ser aos seus olhos tão destituida de emoção quanto outra qualquer.

Gente. Gentes e suas histórias simples que não interessam de fato a ninguém, talvez nem a eles próprios. Histórias sem emoção, relatos simples de sobrevivência, nada mais. Talvez dona Irene venha a morrer sem receber de volta seus dois filhos. O seu Gustavo também pode ir embora à qualquer momento, deixando para trás apenas uma briga por questões de herança e as saudades do dinheiro da sua aposentadoria. E a Bete um dia talvez fique tão solitária como a Emilia.

Até o dia em que a minha luzinha se apague também.

 

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O meu amigo Natá

Alguma vez você já sentiu uma necessidade incrível de ter alguém que o defendesse numa questão qualquer?

Como nos nossos tempos das brigas de crianças, não era bom demais quando havia um irmão mais velho? Uma prima boa de briga? Um amigo massaranduba?

Eu tive um amigo massaranduba, ele se chamava Natanael, ou Natá.

O Natá tinha por baixo uns três metros de altura, era um belíssimo rapaz negro, muito forte. Conosco, as garotas da turma, ele era um doce. Mas ai daquele que encostasse um dedo em nós. Encostar um dedo, imaginem, ai daquele que falasse qualquer bobagem de qualquer uma de nós. Ele partia com tudo para cima da pessoa, e muitos corriam só de vê-lo chegando à distância.

Ele também aceitava encomendas. - Natá, fulano falou tal coisa assim assim de mim...

- Deixa comigo, vamos ver se comigo ele tem a mesma coragem. E lá se ia o Natá, e coitadinho do fulano...

Pois é, o tempo passou, e eu perdi o contato com aquele bom amigo, não sei mais por anda o Natá, o defensor da meninada do bairro. Ele defendia os meninos também. Era o nosso herói, o nosso tudo.

Os tempos são outros, e já não tenho mais ninguém que me defenda.

Meus pais, que são pessoas ótimas, têm idade.

Meu filho, que é a alegria e o conforto da minha viuvez, é um rapaz tímido e ainda adolescente em muitas posturas. Assustado, de se ver de repente elevado à posição de arrimo do lar.

Meu irmão é um sujeito genial, amigo mesmo. Mas debilitado mentalmente.

Não tenho mais trabalho. Não tenho marido. Não tenho posses que me permitam contratar advogados. E também não tenho amigos influentes.

E às vezes, nessas voltas loucas que a vida dá, de repente bate, nalguma ou noutra situação, uma vontade incrível de ter de novo, como na minha adolescência, um sujeito massaranduba que me defendesse. Que calasse rapidinho a boca de certos idiotas, como só um amigo massaranduba sabe fazer.

Você já sentiu algo assim? Alguém que diga: - pode deixar, eu vou lá, eu resolvo isso para você. Pode deixar que essa parada é minha. Tal pessoa falou o quê? Ah, pode deixar comigo. Vamos ver se para mim ele repete isso, vamos ver se comigo ele é macho.

Não seria bom demais?

Mas à medida que vou escrevendo, vou notando que minha queixa é infundada. Não tenho mais o Natá, mas tenho um excelente amigo, amigo não, um irmão mais velho, e um irmão que esteve aqui neste mundo justamente para defender questões de pessoas indefesas como eu. E que chegou a ponto de enfrentar uma cruz por isso. Amigo incontestável de mulheres solitárias e viúvas, Ele, o Advogado maior.

Quem precisa de um Natá?

- Pode deixar Bete, essa parada é minha. Saiba que ele mexeu foi comigo. Eu vou lá me entender com aquela pessoa por você. E você pode ter certeza de que isso não irá ficar barato.

Não é bom demais?

Há pessoas por aí que são corajosas para enfrentar viúvas. Quero ver delas a mesma coragem quando derem de frente com meu Advogado.

“...mas se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhes seria amarrar uma pedra de moinho no pescoço e se afogar nas profundezas do mar.”
Do Evangelho de São Mateus
.

 

domingo, 17 de maio de 2009

O marco zero e eu

 Vocês se lembram do moço bonito por quem eu andava suspirando aqui pelos cantos deste blogue? Pensaram que o caso tinha caído no esquecimento? Não caiu não, o caso continua, de uma forma meio acanhada, mas continua. Não rolou nenhum romance, mas acabamos ficando amigos, de uma certa forma. Recebi uma mensagem dele na semana passada, se vocês tiverem algo urgente para fazer como botar o gato para fora, ou o cachorro para dentro, apagar a luz da sala ou dar uma passada no banheiro vão lá que eu espero. Nesse meio tempo vou copiando a mensagem para transcrever na íntegra aqui, eu não escondo nada dos meus queridos leitores.

Cara Bete

Estarei em São Paulo no próximo sábado. Como não sei de tuas distâncias, achei que seria bom encontrar-te no marco zero da Praça da Sé.

O que achas?

O que eu acho? Eu acho elegante demais ser tratada na segunda pessoa do singular do presente do indicativo. E então ele não sabe das minhas distâncias?... Está certo, meu querido, das minhas distâncias sei eu...

Claro que concordei, e claro também que eu decorei a mensagem. Eu a recebi numa segunda, isso significa que eu fui de segunda a sábado relembrando, cara Bete. Cara é uma palavra preciosa demais, e como eu sei que ele é coerente no uso nas palavras, tenho certeza de que essa forma de tratamento não veio apenas do hábito.

Cara Bete...

Bom, vamos aos detalhes práticos. Estar toda linda, ou o mais possível próximo disso, na Praça da Sé no sábado à tarde significava tingir as raízes brancas na sexta, com um tubo de tinta que guardo para emergências desse tipo. Lavar a blusinha preta justinha que me deixa mais magra. Levantar cedo no sábado e me aprontar muito antes da hora. Como uso óculos, faço sempre uma boa maquilagem ao redor dos olhos, mas só. Uma discretíssima camada de blush, afinal, tenho minha morenice ao meu favor. Uma também discreta e finíssima camada de batom, homens não gostam de batom, anotem isso meninas. Uma mulher deve usar batom exagerado apenas quando quer causar impressão, mas não num encontro. Ah, as balinhas de menta. Nada de perfume, afinal ele não é um namorado, melhor usar apenas um creminho perfumado suave.

E lá estava eu. Como cheguei muito antes da hora marcada, comecei a ensaiar discurso, eu tenho mania de ensaiar discurso. Anotei mentalmente para não falar do tempo, é que quando estou nervosa eu falo do tempo sem parar. Também não perguntar se ele fez boa viagem, a esse tipo de pergunta as pessoas respondem invariavelmente com um sim, voltando a deixa para nós no mesmo momento.

Já sei, vou perguntar o que ele veio fazer em São Paulo, você está louca? Homens detestam mulheres inquisidoras, deixa que isso ele fala normalmente ao longo da conversa. Melhor algo delicado assim como, veja, São Paulo se enfeitou especialmente para você, e era verdade, a tarde estava linda, nem quente demais nem fria demais, no ponto. Ou algo simples como bom te ver? Ou estava morrendo de saudades?

Cadê o moço? Ahhhh, ali, no metrô, eu reconheceria aquele passo de militar reformado a quilômetros, e aquela jaqueta jeans, então? Ele deve ter nascido com ela, se eu pudesse dava uma jaqueta nova para ele...

Já vinha de longe sorrindo, não caminhei ao seu encontro não, queria abraçar meu amigo no marco zero de São Paulo, minha emoção carece dessas liturgias. Trocar um abraço num lugar assim tão central, não parece que se está mais na mira de Deus?

O abraço. Sempre que alguém me abraça, seja homem ou mulher, eu me pergunto: quem de nós irá separar o abraço primeiro? Ele separou, mas ficou com o rosto bem pertinho do meu, com um sorriso no olhar e sem dizer nada, ainda bem que me lembrei das balinhas de menta. Me deu um selinho nos lábios.

Você quer provar um doce árabe, tem um lugarzinho ótimo aqui, eu me vi perguntando, e me dando conta de que aquela fala não constava em nenhum dos meus discursos, ou talvez constasse sim, no discurso sempiterno da mania da minha preocupação com a alimentaçao das pessoas.

Só se tiver café também ele disse, e me deu a mão para atravessarmos a rua.


 

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O apito da fábrica de tecidos e eu

 Eu me preocupo de ficar contando historinhas do meu passado, e vocês saírem pensando que só o meu passado foi emocionante, ou seja, a verdade.

Mas fazer o quê, eu não tinha muito juízo, e é preciso uma boa pitada de falta de juízo para a vida ter mais emoção, e falta de juízo eu tinha em excesso, deu para entender a frase? Excesso de falta de juízo não me parece uma construção frasística muito boa, mas não quero consertar não, prossigamos. Até porque gostei da “construção frasística”, gente, frasística, que coisa mais esnobe, resta saber se essa palavra existe, mas eu estou fugindo do assunto, pior, nem comecei.

O assunto é um namorado mala que eu tive, namorado não, ficante. Imaginem uma mala de papelão sem alça em dia de chuva, era ele. Ele era cliente de uma agência bancária em que eu trabalhava, e como ele pertencia a uma tradicional família paulistana, eu estava investindo para ver se cavava alguma indicação para algum futuro cliente, gerentes de banco faziam esses sacrifícios, não sei se hoje ainda fazem.

Creio que fazem, mas não devem chamar mais de sacrificio, chamam de formação de Networking, o que para mim é a mesma coisa. Continuemos.

O sujeito era um mala, uma rodoviária. Herdeiro de uma tecelagem, o mauricinho não tinha outro assunto. Ele também estava importando seda, era outro de seus emocionantes assuntos. Uma companhia fascinante, como vocês podem ver...

Naquele tempo eu tinha mania de botecos, boteco mesmo, eu gostava de frequentar bar de bêbados, achava chique estacionar o carro bem na frente de um boteco, descer do carro lindamente vestida, chegar no balcão e pedir uma cerveja, eu achava aquilo um charme. Acompanhada, claro. E o acompanhante da vez era o mala. Não posso falar o nome dele, é um nome conhecido aqui em São Paulo e eu não quero encrencas para o meu lado.

Além da mania de botecos eu andava estudando música. Aproveitando que o sujeito não parava de falar em tecidos, e aproveitando que eu estava meio de pileque, me veio a idéia de tirar uma com a cara dele:

- Fulano, está me vindo à mente a idéia de uns versos, me dá um papel... tecidos, tecidos...Peguei um guardanapo e fingi que estava tirando uma idéia brilhante da cabeça:

Tecidos...ouvidos, isso, ouvidos, já sei, o apito da fábrica de tecidos...

Quando o apito
da fabrica de tecidos
vem ...tocar nos meus ouvidos?
Não! vem ferir os meus ouvidos, ferir é mais poético
eu me lembro de voce...

O babaca delirava!

E eu enchi de novo meu copo de cerveja, comi mais uns amendoins, e mandei ver na composição da linda melodia de Noel Rosa. Letra e musica, serviço completo. Eu “recebia” a canção como uma espírita psicografando uma mensagem do além. Devo ter pulado alguns versos ou mudado alguma coisa, do fundo da minha animação alcoólica.

- Puxa! Uma canção que tem a ver com a nossa atividade produtiva! Gente, eu não estou inventando, ele falou assim mesmo, nossa atividade produtiva... - Uma letra que fala do apito das nossas fábricas! Papai vai adorar. Você não quer vir comigo e cantar essa música para papai? Tem também minhas tias que chegaram do Líbano...

Ai meu São Noel dos bêbados pafúncios! Pedi mais uma cerveja.

Mas naquela altura da concentração etílica presente no meu sangue, eu já tinha cruzado a perigosa linha da sanidade. Fomos. Era uma imponente mansão no bairro de Higienópolis. Aquelas virtuosas paredes decerto jamais tinham visto uma pessoa tão cara de pau e tão bêbada.

E foi assim que Noel Rosa foi plagiado e massacrado, deve ter se virado no túmulo, o pobre.

Ah, gente, vamos combinar, quem não conhece essa maravilha de letra e música merece mesmo ser feito de idiota.

É desnecessário dizer que eles ficaram encantados. O meu amigo traduzia para as tias enquanto eu cantava, tinha um piano na casa, eu tasquei uns acordes de do mi sol e fa la do ridículos com a mão esquerda, pisei fundo no pedal, assassinei também com a mão direita, fiz pose de artista, e dei péssima conta da boa mentira.

Quando terminei, uma das velhotas tirou um broche antiquado da gola do vestido e colocou na minha mão.

O que não faz uma boa cachaça.

Felizmente fui transferida daquela agência, não vi o sujeito nunca mais, e todo pecado tem o seu castigo, não consegui dele nenhuma indicação.

O broche esteve comigo até bem pouco tempo, acabou virando comida na mesa numa manada de vacas magras que me visitou por ai. Castigo também, claro, de Papai do Céu. Mais do que merecido.

Fique com a
Maria Rita, que faz a coisa certa. Perdão, Noel.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Junte-se a esta Comunidade

Adorei ver as meninas se emocionando com o Chico, gostei de vê-las suspirando e deitando versos nos comentários.

Suspirar faz bem...

Acho que papai do céu ficou com pena da mulher brasileira, sufocada debaixo de um machismo transcontinental e pensou assim: vou jogar um anjo lá, que entenda a alma feminina como ninguém.

E nos mandou essa maravilha de olhos verdes aí.

Ô maravilha...Jesus da glória...

Então vamos continuar suspirando, vamos dar uma de jovens e brincar de orkut. Vá colocando aí sua canção, seu “momento Chico”, e se quiser explicar o motivo, também pode. Aqui pode tudo.

E se os meninos quiserem participar, claro que podem também. Devem.

Vou começar:

Ele vai me possuindo
Não me possuindo
Num canto qualquer
É como as águas fluindo
Fluindo até o fim
É bem assim que ele me quer
Meu namorado
Meu namorado
Minha morada
É onde for morar você

Ele vai me iluminando
Não me iluminando
Um atalho sequer
Sei que ele vai me guiando
Guiando de mansinho
Pro caminho que eu quiser
Meu namorado
Meu namorado
Minha morada é onde for morar você

Vejo meu bem com seus olhos
E é com meus olhos
Que meu bem
Me vê

Ahhhh...Que coisa boa... Essa é pra você tá? e você sabe que é com você que eu estou falando...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A minha oração

Quando eu era adolescente e não existia, claro, Internet, as mensagens, aquelas que o povo hoje adora circular através de power point, circulavam de mão em mão. Nós as meninas tínhamos os tais caderninhos de mensagens fofas, já falei deles aqui. E havia dentre elas uma que falava algo como “obrigado Senhor por meus braços que trabalham quando há tantos mutilados”, alguma bobagem desse tipo.

Naquele tempo meu pensamento estava longe de ser formado, e eu também não era boa em verbalizar opiniões. Algo no texto me incomodava, isso bem lá no fundo, mas eu não sabia ao certo o porquê, e a coisa ficou assim. Não pensei mais no assunto

Quando jovem, em estudos bíblicos e reuniões com outros jovens cristãos, e em contato com nossos orientadores, o tema foi retomado, e logo vimos que a oração cristã tinha de ter um rumo inclusivo, ao contrário daquela, que nos colocava como melhores que os desfavorecidos. Que uma oração do tipo obrigado Senhor porque eu tenho alimento, longe de confortar, deveria nos envergonhar.

Passei a fazer orações do tipo Senhor tenha misericórdia dos famintos, ao invés de apenas agradecer pela refeição, isso no tempo em que eu fazia orações regularmente.

Mas o tempo foi passando e eu me perguntava: Orar Deus tenha misericórdia não é uma frase absurda, pedir para que Deus seja algo que Ele essencialmente é, e isso eu suplicando ou não? Senhor, seja o Senhor mesmo. Meio desnecessário, não?

O tempo passou.

O tempo passou e eu virei mãe, e mães fazem preces pelos filhos, acredito que em qualquer religião, em qualquer lugar do planeta, e eu não era diferente. Senhor, guarde o meu filho.

Mas e os outros filhos?

Eu ficava deitada à noite, nas primeiras vezes em que meu menino se aventurou para fora dos meus meridianos, tentando captar todo e qualquer barulhinho da rua, e pensando que naquela imensa escuridão, na imensa cidade, em algum lugar estava meu filho passeando e se divertindo. E pedia, Senhor Jesus, traga meu filho são e salvo para casa.

Quando ouvia o maravilhoso som do portão se abrindo, murmurava Graças a Deus. Mas não conseguia deixar de pensar que algum filho ou filha em algum lugar, não voltaria. Alguma mãe, naquele momento mesmo em que eu agradecia, estava recebendo um filho morto para velar. Nenhuma dessas mulheres era em nada diferente de mim, e esse pensamento me assustava, me assusta até este exato momento em que aqui escrevo.

Orar me assusta.

Quando oro, ainda hoje, Senhor traz meu filho de volta para casa, num apêndice, num segundo fôlego, no momento hipócrita da oração por assim dizer, acrescento, como para fazer bonito para Deus: e os outros jovens que estão por aí, pela noite, também. Digo que é um momento hipócrita porque sei que Deus sabe que na minha oração, o foco mesmo é o meu filho.

Mas sei que mesmo assim, algum deles jamais voltará. Penso que mesmo que todas as mães de todos os jovens nesse mesmo momento estejam orando comigo, talvez, mesmo assim, algum deles jamais irá voltar. E como todas as mães perante Deus são iguais, esse filho pode ser o meu.

Orar me assusta.Evoca a precariedade dos meus sentimentos ante a precariedade da minha existência.
Então às vezes oro Senhor tenha misericórdia de mim que ainda não entendi o que é uma oração, que não sei orar, e que muitas vezes preciso abdicar de meu intelecto, para apenas e tão somente orar.

Porque na tibieza de minha fé ainda preciso suplicar que tenha misericórdia de mim. Ainda preciso, misericórdia, Senhor.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Conversa fora


No outono meus cabelos sempre caem, eu acho romântico, mas ao mesmo tempo me dá um nó na garganta...

A natureza me avisando de mim...meio que me lembrando...

Bobeira minha, sei sim. Às vezes eu penso que a mulher está mais perto da natureza do que o homem, por conta de seus processos biológicos, acho que é isso que me deixa entre humilde e emocionada.

Se eu costumo correr riscos?

Correr riscos...

Correr riscos...

Ah, sei lá. Já sei! Eu nunca quebro os ovos em separado, para de rir, PARA!!!

Sou apegada, mas é um apego diferente. É um apego ritualizado. Apego místico...

Não sei explicar, vou tentar. Se leio um livro, já vou logo passando ele pra outra pessoa, a isso não sou apegada. Discos nem compro, comprar música? Já fiz muito disso, hoje com a Internet...

Mas sou apegada ao número do meu telefone, não troco de jeito nenhum...

Porque é muito meu...Contém a minha energia, para de rir!!!! Assim não dá, você não me leva a sério! Não é papo de esotérico não, é que me ligo mesmo nesses detalhes...

Um monte de sapatos, eu? imagina....Dois, um preto e um marrom. Também tenho um tênis. Roupas também, só tenho as simples que uso no dia a dia, tudo o que tenho cabe numa mala, sabe, que nem mocinha de novela quando vai embora de casa levando uma malinha? Aquela caixa lá? Ah, vou explicar, eu reuni uma porção de roupas de lã, são bem velhas, mas eu lavei e guardei. Para o caso de um dia ter de sair às pressas do Brasil para um país mais frio PARA DE RIR!!!



 

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Só a bailarina que não tem

Um blogue nada mais é do que um diário virtual.

Não falei nenhuma novidade, você deve ter pensado.

Um blogue é um tipo de Big Brother internáutico.

Creio que você também sabe isso. Uns mais, outro menos, mas todos são vitrines.

Eu vim aqui para me colocar numa vitrine. Você veio aqui para espiar. Espiando minhas idéias, dá para ter alguma noção de como eu estou. Se posto uma poesia romântica, você deduz que estou suspirando por algum amor, e de fato você está certo, creio que é mais ou menos por aí, mesmo que eu não assuma.

Se escrevo um desabafo sobre um assunto qualquer, digamos, o desemprego, você irá concluir que eu devo estar irritadésima com algum embate frente a assuntos dessa natureza.

Creio que você já entendeu, vou prosseguir.

Na vida em família, estamos expostos de forma autêntica. Os que moram comigo me vêem não só de banho tomado, arrumadinha e bonitinha pronta para sair, como também de mal hálito, cabelo espetado, arrastando chinelas, e com minhas roupas eternamente pretas, que adoro, quase sempre manchadas de farinha e respingadas de óleo. Normal.

Na minha casa eu sou eu.

Creio que na sua você também.

Quando você vem aqui para me espiar, creio que você também vem aqui para se espiar, eu pelo menos faço isso em blogues alheios. Gosto de me ver nos outros. É aquela necessidade maluca que temos de sair por aí autenticando nossos pensamentos, e os blogues se prestam a isso também. Muito mais do que formar opiniões, os blogues corroboram as nossas, e é por isso que escolhemos para visitar aqueles que mais ou menos tem o nosso jeitão.

Só que as nossas opiniões se é que as temos, ou falando por mim, que não creio ter tantas assim, são dinâmicas. Hoje acordo de uma noite bem dormida, meus hormônios estão correndo pelo lado correto, aquele dente parou de picar, olho no espelho e meu cabelo está macio, então, pá, sai um texto macio também.

(Vocês não são capazes de acreditar o quanto a beleza do meu cabelo influi no meu bem estar, ou vice versa....)

Amanhã eu acordo de uma noite péssima, e já contei aqui como são minhas noites péssimas, a cachorra arranhou a porta no momento exato em que eu passava pelo sono, acordei com uma enorme dor de cabeça, entrei no site do Banco  e entrei em pânico e o meu cabelo está uma vassoura de piaçava.

Texto mal humorado e péssimo.

Mas eu posto meus textos péssimos também. Eu os respeito, tanto quanto respeito aqueles que na minha vaidade sinto que estão otimistas e bons. Porque o meu texto pessimista também fala de mim, e não sei não se não fala muito mais do que os outros.

Com isso eu sei que estou me expondo à beça. Seria muito menos arriscado e bem mais confortável, ou educado, ou gracioso, falar apenas de coisas lindas, e receber de todos os mais altos elogios. Mas essa não seria eu. E eu optei, neste blogue, por falar de mim como eu sou.

Só peço a você de quando entrar aqui lembrar-se disso – que eu estou deixando você entrar em minha casa, e minha casa é às vezes (?) meio bagunçada, então, como costumamos dizer para as visitas, não repare. Se você me achou deprimida hoje, volte amanhã, quem sabe eu não esteja melhor. Ou se me achou mal humorada, ou desesperançada, ou irritada, ou, ou, ou...de repente tudo isso passa, e no dia seguinte estarei ótima.

Ou não.

Mas essa sou eu, esses somos nós, eu pelo menos não conheço ninguém que esteja feliz e de bem com a vida o tempo todo, pleno de certezas e respostas, e desconfio muito de quem se apresenta sempre assim. Sempre desconfiei de pessoas que têm respostas demais.

Isso não quer dizer que não agradeça as palavras de carinho e estímulo que vocês na melhor das boas intenções ocasionalmente deixam aqui, elas são ótimas e me fazem muito bem. Mesmo. Mas não me levem tão a sério, e nem se preocupem comigo tanto assim.

Um exemplo disso tudo o que estou dizendo é a foto abaixo. Noto que esta foto, que não sei se já lhes disse foi tirada para ser assim mesmo, que foi ensaiada para ser um retrato do mote deste blogue (compare com a foto de cima), por muitas vezes incomoda: – você está muito triste nesta foto, dizem...Sei também que não falam por mal. Além de quererem o meu bem (obrigada), é mais confortável mesmo ver todo mundo bem à nossa volta, evita de olharmos para nosso próprio mal estar; se é para autenticar idéias, melhor autenticar as boas, não é mesmo? Não tenha dúvidas de que todos acham que a nossa foto mais agradável é a Nós-Bonitinhos. A Nós-Contentinhos. A Nós-De-Bem-Com-A-Vida.

E o pior é que eu também acho. Principalmente porque quando estou feliz e de bem com a vida meu cabelo fica ótimo.

Mas...

Me lembra a música “Ciranda da Bailarina”, “uma calcinha meio velha quem não tem?...”



 

domingo, 3 de maio de 2009

Ó abre alas, que eu quero passar

 É verdade que a história de Chapeuzinho Vermelho narra um rito de passagem? Da menina virando mulher? A garotinha de vermelho, simbolizando a primeira menstruação? Caminhando inocente na floresta, o lobão na espreita, aquela cena toda...será?

Pelo sim pelo não, o fato é que sobram nos contos de fadas cenas narrando rituais de todo tipo envolvendo mulheres novas!

Raiva!

Quanto a nós...A mulher idosa é a ilustre preterida dos contos de fadas...

Pode ir tirando esse sorrisinho sarcástico da cara. Já sei, já sei: as bruxas más. Está certo, você ganhou.

Esse é realmente o papel que nos cabe. A bruxa. A sogra. A esposa rabugenta. Quando muito, são condescendentes em nos atribuir o papel da vovó na cadeira de balanço rodeada de netinhos chatos, deitando sabedorias, vide Dona Benta.

Estou fora! Primeiro porque não tenho a mínima paciência para crianças. Sabedorias, elas não vão querer ouvir, e eu nem sei se tenho alguma em estoque. E quanto à cadeira de balanço não preciso nem falar o que penso, não é? E parem de rir!

Nada de cadeira de balanço, nada de tricô. E netinhos, quando os tiver, que venham me visitar apenas naquelas datas chatas. Eu estou treinando meu filho desde já, mas nem é preciso, ele sabe que sou tremendamente sem paciência e tremendamente anti-social, as namoradas dele nem perdem tempo puxando assunto comigo, devem ter sido avisadas.

Acho que o que os contos de fada não previam, é que nós seríamos umas vovós muito charmosas e sem paciência nenhuma pra esses estereótipos aí. Somos cinquentonas ótimas. Eu pelo menos sei que sou.

Mas alguém precisa falar isso para os homens. Que preferem as novinhas porque isso os rejuvenesce, e essa fala não é minha não, é de Simone de Beuvoir. Aquela, que de tão maravilhosa, nem o marido agüentou. Eram casados, mas moravam em casas separadas. OK, OK, agora estou eu sendo sarcástica. E preconceituosa. Foi a opção de vida deles e eu não tenho nada que ficar criticando. Melhor é um Jean Paul Sartre na casa ao lado do que Jean Paul Sartre em lugar nenhum, como aliás é o meu caso.

Mas estou fugindo do assunto. E qual era o assunto mesmo?

Não sei, acho que a minha inveja. Estava lendo a vida da maestrina Chiquinha Gonzaga. E não é que ela, aos cinqüenta e dois anos, teve um namorado de dezesseis aninhos? Para evitar escândalos, ela o apresentava como filho. Viveram juntos até sua morte. Aos oitenta e oito anos.

GRRRRRRRRRR!!!!


sábado, 2 de maio de 2009

O inferno de tia Olivia

 Minha tia Olívia que mora na Glória tinha umas brincadeiras que eu gostava muito. Ela tinha o hábito de nos chamar para fora à noite, no imenso quintal de sua casa, para brincarmos de dar asas à imaginação. Ela nos estimulava a conversar sobre crendices e lendas, bruxarias, demônios, acho que ela gostava desse tema e queria conversar disso com alguém, e como não havia ninguém disposto a esse assunto numa família de crentes, sobrávamos nós.

Eu adorava quando ela nos pedia pra falarmos sobre como pensávamos que seria o inferno.

O gostoso dessa conversa, é que ela não tinha nenhum tipo de cunho religioso, nada de preocupações com pecado e castigo essa bobajada toda. Ela tratava aquilo como histórias que o povo conta, lendas, nada mais.

Eu adorava.

O curioso da brincadeira, pelo menos vejo isso agora, é que nós nunca recorremos às imagens estereotipadas do inferno, como caldeirões ferventes ou demônios espetando os desgraçados com tridentes em brasa.

Minha prima Noemi gostava de dizer que para ela o inferno ficava no fundo do poço, estimulada talvez pela idéia do poço que havia no quintal, do qual ela tinha um certo medo. Ela dizia que havia um outro poço no fundo daquele poço, e que o inferno então seria lá.

A Maria Lúcia dizia que no inferno as pessoas teriam escamas, como os peixes. Interessante não? Por quais meandros será que lhe veio essa idéia?

O  meu irmão, que desde pequeno foi muito apegado à comida, dizia que no inferno os condenados só comeriam chuchu.

Eu via no meu inferno as pessoas grudadas no chão, plantadas feito árvores. E com buracos no lugar dos olhos.

Olha a imaginação da meninada.

Então vamos resumir: o inferno era um lugar no fundo do fundo do poço, habitado por pessoas recobertas de escamas, sem olhos, plantadas no chão feito árvores, e comendo chuchu eternamente.

Lasciate ogni speranza voi ch'entrate.



sexta-feira, 1 de maio de 2009

Noite acelerada


Acontece em algumas madrugadas de o meu pensamento correr acelerado de A a Z, isso significa que eu começo em abóbora e passo para aquele livro e vou para aquela receita e volto para a roupa que eu preciso aprontar amanhã, e como é mesmo o nome daquela música, e não gostei do capítulo da novela e escute aqui seu cretino fique você sabendo que...

Uma filial do Google se instala em minha cabeça. E como tudo ainda pode piorar, uma música qualquer fica me martelando ao fundo. Ontem era olha olha olha a água mineral, água mineral, água mineral, e só de escrever aqui parece que pego a maldita timbalada de novo.

No meio disso tudo eu vou intercalando Jesus tem misericórdia de mim, segurando a vontade doida de atirar com a cabeça na parede, pensam que não?

A misericórdia se manifesta na forma do remédio, que sempre me espera paciente à minha cabeceira, cinco gotas, dez, quinze, dependendo do tamanho do meu desespero. Se eu o tivesse tomado corretamente e na hora certa, nada disso teria acontecido, o caso é que eu sempre esqueço.

O sono que vem é bom, sem sonhos, mas bom. Mas o motivo de eu evitar o remédio vem agora: o terrível é o despertar, parece que estou costurada à cama. O relógio chama, o telefone toca, a campainha grita, a cachorra late, minha mãe bate portas e panelas como indiretas para me chamar à ordem, ignorando santamente minha noite de cão, e a desastrada intervenção do calmante que salvou meu restinho de madrugada e estragou meu começo de manhã... E eu, não consigo me libertar do colchão.

Mas só a título de curiosidade para vocês, a maioria dos textos que já postei aqui foram articulados nessas terríveis noites de mente acelerada.

E as grandes bobagens que já cometi ao longo desta minha vida bipolar foram articuladas nessas mesmas noites também. Se você que está aí lendo foi vítima de um ou de outro, ou de ambos, aceite minhas desculpas. Bipolar que se preza vive pedindo desculpas.