domingo, 30 de novembro de 2008

Primeiro domingo do Advento



Papai do céu não deixa chover no natal amém.

Sim, eu sei, você que já me ouviu contar de orações semelhantes que eu fazia em minha infância, deverá achar que eu praticava uma fé de pronto socorro. E você terá razão. Minha mente atormentada por uma doença que naquela época eu desconhecia, nunca me permitiu fixar o pensamento em nada maior que uma frase. Mas relevem, apesar disso eu era pequena. Há muita gente grande que ainda pratica uma fé assim. E o meu pedido tinha um motivo muito especial, nosso bairro não tinha calçamento, se chovesse ficaria tudo enlameado, e seria complicado ir até a igreja com minha toalete toda branca.

Minha mãe que era a organizadora das festas em nossa igreja, cismava que todas as meninas usassem roupa branca completa no natal, e ela acabava convencendo todas as mães. Os meninos usavam camisas brancas. O meu vestido, claro, era sempre o mais bonito de todas as meninas porque, ora porque, porque minha mãe tinha enorme bom gosto, e fazia maravilhas com pouco dinheiro, faz até hoje.

Começávamos os ensaios da festa no início de outubro. Havia de tudo: peças, grupos de canto coral, solos, declamações de poesias e claro, as sempre tradicionais encenações da Anunciação e do nascimento de Jesus. A última apresentação era sempre uma peça mais elaborada, com os personagens usando roupas típicas do jeito que minha mãe imaginava que fossem, geralmente representado por moças e rapazes. Ficava bonito.

Tínhamos nos fundos da igreja um salão apropriado a esse tipo de festas, havia até um palco com cortinas vermelhas. Nos “bastidores”, ficava minha mãe sempre atenta, fazendo as vezes de ponto para as crianças que por acaso esquecessem suas falas. Em sua melhor roupa, ela era a apresentadora da festa, e o fazia com muita graça e descontração, qualidades que ela traz até hoje. Ela mesclava a apresentação alternando números de crianças pequenas e maiorzinhas, colocando também interpretações feitas por moças, geralmente poesias. Quando havia necessidade de algum intervalo para arrumação do palco, eram introduzidos os cânticos de natal, que eram entoados por todos os presentes, e que no nosso hinário evangélico eram os que iam dos números 1 ao 25, um mais lindo que o outro, são até hoje, felizmente a igreja metodista ainda os usa em suas liturgias natalinas.

Nunca soube o que era ganhar brinquedos no natal, meu presente era a roupa branca. Mas o meu presente maior sempre foi a festa, eu era incapaz de imaginar um natal que não fosse daquela maneira. Nunca esperei por peru, tender, guloseimas e panetones, creio que naquela época eu desconhecia essas viandas. Voltávamos para casa e íamos dormir, eu muito feliz trazendo o meu castiçalzinho dourado, cada criança ganhava um, juntamente com um saco de balas, eram os únicos presentes da noite.

Até meu pai se comportava bem nessa noite, ele inclusive auxiliava na preparação do palco, certa vez ele improvisou um poço de tijolos para uma peça chamada “As Belemitas”, que ficou lindo.

O ponto alto da festa era o cântico Noite de Paz que era entoado por toda a platéia juntamente com as crianças. Nós saíamos pelos fundos para o quintal da igreja, em meio ao mato naquela escuridão maravilhosa, e minha mãe com suas auxiliares iam colocando castiçais com velinhas acesas em nossas mãos. Os castiçais eram feitos de rolha e caixas de fósforos, encapados com papel dourado.

Entrávamos pelo centro do salão, e na frente nos dividíamos em duas fileiras, os meninos de um lado, as meninas de outra, e subíamos pelos degraus que nos levavam novamente ao palco. Apagavam-se as luzes, ficando só as luzes das velas, e a congregação se punha de pé, e juntos cantávamos o belo cântico de natal ao som do órgão desafinado, finalizando a festa. Aquele era o meu ponto alto, o momento que eu aguardava o ano inteiro. Meu coração estalava de emoção e felicidade.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A compota

Num daqueles filmes feitos para televisão, que a gente nunca mais irá lembrar o nome muito menos os atores, assisti a uma história de um sujeito que num acidente ficou totalmente paralítico. Só conseguia mover um pouco uma das mãos e os músculos da face. Foi então que uma assistente social veio confortá-lo, com a idéia de que ele poderia desenvolver novas atividades, como por exemplo pintar quadros com a boca, ou escrever sua biografia por ditados.

- Tenho alguns pacientes assim, ela disse.

O sujeito respondeu com um magnífico berro:

- Eu sou arquiteto! Minha vida somente fará sentido se eu puder fazer casas e edifícios como antes, não estou interessado em pintar telas, não quero escrever histórias!!!

O mínimo que aquele infeliz desejava para sua vida era a sua vida de volta como ela era, como ele sabia – e gostava de vivê-la. O mínimo que ele queria era a parte de dignidade a que tinha direito, exercendo as suas escolhas. Será que é pedir muito? Era um filme sobre eutanásia, não lembro como terminava.

- Bete, você já pensou em pintar pratinhos de porcelana? Olha, uma tia de uma prima de uma amiga de uma cunhada está ganhando um bom dinheiro fazendo fraldas geriátricas. E se você fizesse compotas? Perfumes? Panos de prato com biquinhos bordados escrito Deus é fiel?

Os conselhos chovem.

Não! Admiro muito mas muito mesmo quem sabe fazer artesanato. Geléia caseira. Vender Avon e Natura, mas não, não é minha praia, e estou muito cansada para recomeçar minha vida desta forma.

Aí a pessoa me olha de alto a baixo com cara de desprezo como a dizer: - Humpf...no mínimo não está precisando, porque se estivesse...Na verdade elas dizem... para os outros. E os outros vem contar pra gente.

Eu não gosto de ficar contando minha história pra vizinhos e parentes bestas, porque não gosto de me expor, mas eu entendo e entendo muito bem o que é me trocar por qualquer preço.

Quando perdi um bom emprego, e tinha um filho pequeno num bom colégio, fui bater à porta da Tesouraria pedindo uma bolsa de estudos para ele. Era um colégio de freiras, elas até eram sensíveis, pródigas mesmo, mas tinha passado o prazo de requisições de bolsa. Então elas começaram a me enrolar, me enrolaram uma semana, duas, três...na terceira semana eu entrei na sala da tesoureira e disse:

- A senhora teria algum banheiro, corredores, vidraças para eu lavar? Eu não me importo em trabalhar pelo estudo do meu filho.

- Imagine, dona Elizabeth...não diga isso, falou toda delicada a tesoureira. Verei o que posso fazer.

Naquele mesmo dia recebi sua ligação de volta, o colégio deferiu uma bolsa de estudos de cem por cento, o que só era deferido a filhos de funcionários. Ela viu que eu estava falando sério.

Tenho muitas dessas histórias para contar, não, não venham me falar que sou uma madame. Apenas conheço meus limites.

Admiro demais essas histórias de pessoas que recomeçam vendendo limões na feira. Que compram alho na avenida Mercúrio, soltam todos os dentinhos, colocam em saquinhos plásticos e ficam num tabuleiro vendendo em qualquer esquina. Lindo!

Aplaudo em pé as senhorinhas de setenta anos que exercem prostituição na Praça da República, isso sim é que é coragem, agüentar velhos babões, isso sim é raça, força, vontade de viver.

Conheci uns rapazes que iam na serra da Cantareira buscar bromélias e samambaias, que vendiam nas calçadas, isso não é valente demais? Hoje são ricos.

Pois é, a Bete não tem forças, coragem, valentia, a Bete morreria de vergonha de ficar num tabuleiro vendendo cocada. A Bete não tem cara de pau para empurrar às amigas panos de prato com aqueles ridículos bicos de crochê. Pratinhos do senhor é meu pastor nada me faltará. Vidros de maionese com compota, aquelas tampinhas enfeitadas de rendinhas, passamanarias e lacinhos. Bijuterias com arremates tortos. Imãs de geladeira que ninguém precisa mais. Bichinhos de porcelana meu Deus, mais um, onde eu coloco esse poodle de lacinhos?

Para essas situações eu sou covarde. Sou valente sim, mas minha valentia é outra.


O aniversário da vovó

Não adianta bater
Eu não deixo você entrar
As Casas Pernambucanas é que vão
Aquecer o meu lar

Vou comprar flanelas
Lãs e cobertores eu vou comprar
Nas Casas Pernambucanas e nem vou sentir
O inverno passar.
assista aqui



Este blogue nunca foi um espaço para discutir variedades e notícias, mas eu simplesmente não posso deixar passar o aniversário das Casas Pernambucanas sem falar que...falar o quê? sei lá, que ela faz parte da minha história. Fique com esta matéria que copiei do Correio Braziliense.
O comando da Arthur Lundgren Tecidos - Casas Pernambucanas SP - é revezado entre Anita Louise Harley e Frederico Axel Lundgren. Anita, presidente da Pernambucanas, é neta de Arthur Herman Lundgren, o fundador da rede. Lundgren criou as lojas em 1908 para dar vazão à produção da CPT (Companhia Paulista de Tecidos), que comprara quatro anos antes, em Paulista (PE).Inovadora em vários aspectos, a rede tinha, na década de 1920, um Manual de Procedimentos, no qual orientava gerentes das lojas a fazer "reclames em circos e cinemas".






Porteiras de fazendas, morros, pedras e lonas de circo transformaram-se, assim, nos primeiros outdoors do país, fixando a imagem da marca na mente da consumidora de tecidos e linhas de cama, mesa e banho.Na década de 1970, um desenho animado da Pernambucanas, que tinha como protagonista o frio anunciando sua chegada, se tornou um clássico. Exibida até hoje como símbolo da criatividade nacional, a frase "Quem bate? É o frio!" tornou-se um dos maiores ícones da propaganda brasileira.Além da comunicação forte, a Casas Pernambucanas usou como estratégia abrir lojas seguindo a rede ferroviária construída na década de 1930, durante a Era do Café.






Uma das primeiras a contratar mulheres como vendedoras, a Pernambucanas também inovou ao tirar os tecidos das prateleiras e colocá-los nas mãos das consumidoras. Esteve entre as primeiras a usar carnês para crediário e cartões de financiamento próprio.Assim, entre as décadas de 1920 e 1970, as empresas da família Lundgren prosperaram e se transformaram no maior complexo têxtil da América do Sul.Segundo especialistas em varejo, trabalhar na Pernambucanas à época tinha o mesmo prestígio de ser funcionário do Banco do Brasil ou dos Correios.






A empresa chegou a ter 800 lojas espalhadas pelo país.O grupo, no entanto, não resistiu à disputa entre os herdeiros nas décadas de 1970 a 1990. Separadas, as operações de Pernambuco e do Ceará desapareceram. Os negócios no Rio foram à falência. Só a Arthur Lundgren Tecidos, de Anita, com operações em São Paulo, prosperou e hoje compete com os grandes concorrentes.





Bacaninha não? Então Feliz Aniversário para as Casas Pernambucanas, cem anos não é coisa pouca.



 

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sonho meu


Vi um moço lindíssimo no vagão do metrô. Quase tão bonito quanto o meu moço bonito de olhos bonitos.

Falando em olhos, nem vi os olhos dele, porque o moço do metrô dormia.

Carregava uma elegante mochila e dormia, não poderia ser paulista, aliás, nem brasileiro. Brasileiros não dormiriam tranqüilamente assim.

Senti-me na obrigação de tomar conta de sua bagagem, na certa repleta de roupas caras e engenhocas estrangeiras, e dormindo, onde é que já se viu?

Pois é, eu sou a Bete, sim estou indo para o trabalho, pois é trabalho por aqui, eu sou...sou o que mesmo eu diria? Web Designer! Isso, muito elegante. Pior se ele for também e começar a falar sobre, aí eu...mudo de assunto! falo sobre o tempo e...de onde você é? e se ele falar em inglês?

Well, the book is on the table and I... sheeeeeeee…

Argentino? Melhor. Pués mira usted yo soy analista de sistemas…e seguiria enrolando por aí.

Mas o moço dormia.

Entrementes, uns manos trocaram um sinal, chegaram mais perto, de olho na bagagem o que faço agora?

Atchim! Num sonoro e forçado espirro acordei o moço.

Que olhou feio para mim, na certa me achando uma brasileira mal educada, que espirra e não cobre o nariz com as mãos.

“ESTAÇÃO PORTUGUESA-TIETÊ!”

O moço aprumou sua mochila e se foi, sem nunca ter ficado sabendo que eu cuidei dele e do seu soninho de moço estrangeiro de bem com a vida.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A volta do filho pródigo

Em minha infância me emocionei muito com a história onde uma jovem esposa, querendo presentear seu esposo no natal, e sem dinheiro algum, cortou os longos e lindos cabelos, e com a venda deles comprou para ele uma linda corrente de ouro para o seu relógio. Era o caso que ele tinha um belo relógio de ouro, herança de família, mas não tinha uma corrente à altura. Ocorreu que o jovem esposo querendo agradá-la e na mesma situação, vendeu o belo relógio e comprou com o dinheiro um lindo pente com três brilhantes, para os cabelos dela.

Devo ter me emocionado porque sempre achei muito lindo dar presentes, um ato de doação. De todos os trechos da bíblia, de longe o que eu mais gostava, era dos reis que traziam presentes ao menino Jesus. João Cabral de Mello Neto aproveitou a idéia, e no auto de natal “Morte e Vida Severina”, os pobres moradores do mangue trazem humildes presentes a uma criança que acaba de nascer: bolachas, caranguejos, pedaços de pano, frutas...bonito mesmo.

Adoro ver a cara de bobo que as pessoas fazem quando desatam fitinhas e desembrulham caixinhas:

- Não precisava...lá foi você gastar...

A boca fala uma coisa, os olhos falam outra. E quando damos exatamente aquilo que a pessoa queria ganhar então, é um deleite...

Todo esse preâmbulo aí nada mais foi do que o início de uma desculpa: adoraria presentear vocês, todos vocês, mas...

Sempre pensei em dar uma linda festa, mas festa daquelas onde a gente arca com os custos de transporte e hospedagem dos amigos e suas famílias, ida e volta, com direito a irem embora carregados de presentes. Festa com funcionários gabaritados para tomar conta das crianças, dos adolescentes, com acompanhantes para levar quem quiser a conhecer São Paulo ou às compras, carros à disposição de todos, festa faraônica, de uma semana no mínimo. O ponto máximo da festa seria um baile de gala, você não tem traje de gala? Eu forneceria o traje, sem problemas. Um mestre de cerimônias no final sortearia um carro, dois, três!

Bom, para isso precisaria a sorte nas loterias, eu? Imaginem...

Então vamos descer um pouco desse sonho, e para amenizar a falta de presentes, resolvi sortear entre vocês um livro: A volta do filho pródigo, de Henri J.M. Nouwen, um dos livros mais belos que já li. Você não terá a minha festa, mas terá um banquete celestial, pode acreditar. Para concorrer, tudo o que você precisa fazer é manifestar seu interesse aí nos comentários, portanto, mãos à obra. Não quero que fique nenhum de vocês de fora.

Essa será uma boa oportunidade para você, que me visita ocasionalmente, e que nunca se apresentou, se apresentar. Manifeste-se, e concorra ao livro, você irá gostar.

O sorteio vale também para os leitores que moram fora do Brasil.

Se você está entrando aqui hoje pela primeira vez, não tem importância, manifeste-se também e concorra ao livro.


Se você já tem ou já leu o livro, manifeste-se igualmente. Você poderá presentear alguém com ele.

O importante é você não ficar de fora, vamos lá, não me deixem passando vergonha!

O sorteio será no dia 21 de dezembro, por volta das sete horas da noite, e todo aquele que tiver se inscrito até o último minuto poderá concorrer.

Agora é com vocês.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Provérbios 30:34

Duas coisas me encantam e a terceira me encanta demais:

Crianças brincando de faz de conta.
Devotos em suas práticas religiosas.
Mulheres grávidas conversando sobre suas gestações.
Duas coisas me irritam e a terceira me irrita muito:

Conversa mole de bêbados.
Idosos reclamando dos novos tempos
Mulheres falando mal de uma mulher ausente.

Duas coisas jamais me irritam, e a terceira não me irrita nunca:

Barulho de crianças brincando.
Cachorros latindo – sou capaz de dormir com uma matilha de cães ladrando à minha porta.
Adolescentes barulhentos. De um lado as meninas com seus risinhos afetados, seus gritinhos esganiçados, arrumando o cabelo o tempo todo. De outro os meninos com suas falas meio grossa meio finas, competindo entre eles para ver qual o mais falante, mais esperto, mais engraçado. Adoro.


 

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Aula de cursinho


Imaginem uma enorme, uma imensa, uma infinita mesa de bilhar. Aquele tapetão de feltro a perder de vista.

Imaginem uma bolinha de bilhar. Até aí fácil, não é? Agora imaginem a ausência de atrito, aquela coisa lá das aulas de física dos bons tempos.

Então essa bolinha era a Bete. A mesona era minha vidinha. A ausência de atrito, claro, era sonho.

Tudo o que eu precisava era um empurrãozinho. De leve. A ausência de atrito fazia o resto, aquela aula de inércia que nós não entendemos nada.

Eu ia ao infinito...só com um leve empurrão...

Mas a vida não é um feltro verde, eu não sou redondinha, pelo contrário, sou cheia de arestas, atrito é o que mais existe e ninguém está me dando um empurrãozinho que seja.

É por isso que eu estou aqui, encalhada feito uma foca.

CQD. Como queríamos demonstrar.


Nota da redação: encalhada = vida parada, não tem nada a ver com falta de pretendentes, ok?

 

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O belchior

 Você sabe o que é um belchior? É o dono de um bricabraque. Não ajudei muito, não é? Bricabraque é uma lojinha de coisas usadas, móveis e badulaques, um antiquário, para sermos elegantes. E belchior é o dono de um estabelecimento desse tipo.

Você já imaginava o cantor, não é mesmo? aquele de voz anasalada? que cantava umas músicas de letras compridas? que pareciam não caber na melodia? que sumiu?

Não, calma, volte. Não vou passar a falar de coisas que desapareceram, chega de saudosismos.

Por falar nisso, a latinha de fermento em pó Royal mudou de formato. Agora tem cinturinha. Todas as embalagens agora tem cinturinha, creio que esses desenhistas de embalagens nos tomam por um bando de preguiçosos, inúteis, incapazes de fazer bom uso dos nossos dedos, mas isso claro é reclamação de quem nasceu antes de 1980.

Por que será que as pessoas de mais idade relutam ante as coisas novas? Pode ser o medo de perder o chão, minha analista diria zona de conforto. Não fiquei assim, com o novo desenho de minha igrejinha?

Quando coloquei nas mãos de minha mãe o primeiro controle remoto, ela pegou aquilo toda ressabiada – quer dizer que eu não posso mais ligar o botão da tevê?! Pode, mãe, mas assim é bem mais fácil, você vai gostar. Claro que ela gostou.

Meu amigo e quase noivo Aristides Theodoro não quer nem ouvir falar em computador. De tanto eu insistir, ele acabou se matriculando num curso. Ele é inteligente, aprendeu rapidinho. Mas voltou para a máquina de escrever. E ri da cara da gente quando ouve falar em google.

- Aquilo só traz besteira, menina...

Claro. Para quem tem um acervo de 7000 livros – lidos, uma ferramenta de busca é mesmo coisa de trouxas, ele pode rir de mim o quanto quiser. Foi ele quem me disse que mais vale um prazer do que dois tostões é frase de Somerset Maugham. No original, dois cêntimos.

Mas onde estava eu mesmo?

Ah, no bricabraque.

É que eu passei ontem pela principal rua do bairro do Ipiranga, onde existia há meio século uma lojinha de sapatos com esse nome: Bricabraque – calçados finos para toda a família. Fechou.

No lugar há um salãozinho de beleza. Ambos os sexos. Fazemos todo tipo de química e escova progressiva. É o povo se alisando, ocultando suas raízes, literalmente.

Novos tempos.

Administrando sua farinha e seu azeite

 Se você é viúva recente, e chegou aqui através de alguma ferramenta de busca, peço que leia o que se segue. É um texto extenso, mas tenho certeza de que irá lhe ajudar. Eu quero chamar você para falarmos sobre as providências que devem ser tomadas logo após o óbito.

É triste o que eu vou dizer, mas verdadeiro: o mundo não pára um só instante em função de sua dor. Muitos à sua volta, principalmente credores, serão implacáveis e nada sensíveis. Funcionários de bancos e financeiras, por exemplo, são treinados a não se deixarem levar por nenhum tipo de sentimento. E é justamente no momento em que você está assim fragilizada, que aparecem as aves de rapina, e o lamentável disso é que elas se encontram muitas vezes no seio de nossas famílias, às vezes são até mesmo nossos filhos. Por isso é fundamental tomar pé o quanto antes de sua situação.

A sábia igreja católica define um prazo de sete dias para o ofício da primeira missa. Eu entendo por dedução que esse prazo é o tempo máximo que uma pessoa realmente tem para se entregar e chorar. Findo esse prazo, é hora de agir. Em uma outra hora poderemos conversar sobre a elaboração do luto, sobre a vivência do luto no contexto do dia-a-dia. Não é que o pretendo agora.

Sua primeira atitude formal deverá ser a retirada da Certidão de Óbito no cartório. Provavelmente algum parente cuidou do enterro para você, e esse parente detém essa informação. Agradecendo a essa pessoa, peça a ela todos os documentos que dizem respeito a esse último instante do falecido. Documentos da funerária, documentos do cemitério, localização do túmulo, quadra, etc. Se for um cemitério público, já verifique a data de exumação, essa já é uma primeira tarefa administrativa. Junto com esses documentos sempre vem a informação sobre em qual Cartório a Certidão está, e qual a data em que estará pronta. Provavelmente essa pessoa lhe dirá: - deixe que eu faço isso para você...

Mas esse, amiga, é o seu momento de se afirmar como administradora de sua vida. Agradeça e diga não. Esse é último documento de seu esposo, esse assunto só diz respeito a você e a mais ninguém. Vá ao Cartório. Retire o documento. Lá mesmo já providencie várias cópias. Começará aí a sua maratona.

Compre numa papelaria algumas pastas de papelão com elástico, e vá colando etiquetas. A primeira pasta então será destinada ao óbito, e documentos pessoais do falecido. Compre também um caderno universitário. Falarei adiante sobre isso.

Faça um inventário dos documentos encontrados nas coisas do falecido. Aí você já poderá abrir uma pasta destinada a documentos de propriedade: escrituras, contratos de compra e venda, certificado de propriedade de veículo, por exemplo. Abra uma outra destinada a Bancos, coloque lá tudo o que encontrar de extratos e papéis bancários. E uma outra destinada a dívidas, lá coloque boletos bancários ou carnês que encontrar.

Se seu esposo mantinha conta individual, e nunca lhe comunicou a senha, é fundamental descobrir. Procure nos guardados dele, as pessoas sempre anotam em algum lugar. NÃO AVISE BANCOS NESSE MOMENTO. Os funcionários de bancos só trabalham pelo manual. Se você comunicar o óbito, eles bloquearão o saldo existente, que então somente poderá ser movimentado com ordem judicial. Se o seu esposo mantinha apenas um pequeno saldo relativo às contas e despesas do mês, esse dinheiro poderá ser sacado tranqüilamente mediante cartão eletrônico.

Passemos agora à moradia e demais bens. É necessário realizar um inventário. Para isso oriente-se com pessoas de confiança que indiquem um advogado. Mas sempre vale dizer que um inventário pode ser realizado em qualquer tempo, porém, o que aumenta com o passar desse mesmo tempo é o imposto causa mortis. Se você não puder cuidar disso imediatamente, tenha sempre em mente essa preocupação, não se esqueça dela. Sem o inventário, será impossível dispor dos bens, principalmente imóveis.

Já que falamos em imóvel, essa situação precisa ser avaliada com rapidez. A casa é própria? Então está enquadrada na questão acima. Era financiada? É necessário procurar imediatamente o agente financeiro. É hora de começar a usar o caderno universitário que eu falei. Sempre com ele em mãos, procure o agente responsável pelo financiamento da casa. Na frente do funcionário, anote seu nome e sobrenome. Pergunte sobre como fica a situação do empréstimo com a morte do seu esposo. Os contratos possuem cláusulas específicas para essa situação, creio até que a dívida ou parte dela são quitadas com o falecimento de um dos cônjuges. Mas informe-se com exatidão sobre essas cláusulas, anote, pergunte, não tenha vergonha de perguntar quantas vezes preciso for. Esse é um momento em que será bom alguém consigo, se não tiver um filho ou neto que lhe acompanhe, procure ir acompanhada de uma amiga de confiança. A seguir tome todas as medidas necessárias conforme a instrução do funcionário do agente financeiro, que normalmente é um Banco.

Se a casa é alugada, e você não tem mais condições de arcar com o aluguel, com a cópia do contrato em mãos, que você já terá encontrado, mais o seu caderno, vá a imobiliária e tente negociar a multa por quebra de contrato.

Chegamos às demais dívidas. Saiba que, com a morte de uma pessoa, não cessam as suas dívidas. Os herdeiros herdam o patrimônio e as dívidas do falecido. E você é responsável por todas as dívidas do seu esposo. Se você não tiver meios próprios de quitá-las, é hora de negociar. Sempre com o caderno em mãos, vá pessoalmente, por exemplo, à financeira onde ele comprou o carro. Negocie, pergunte da possibilidade de devolver o carro. O valor de um carro não é bastante para cobrir a dívida, mas é uma forma de amortização. Tente uma renegociação, anote tudo o que o funcionário for lhe falando. Não aceite nenhum tipo de renegociação verbal, exija provas documentais de tudo o que está sendo acordado. Uma outra solução é encontrar alguém que queira assumir a dívida, mas faça isso de forma documentada. Nem pense em deixar o carnê nas mãos de um amigo para ele ir pagando e lá na frente veremos como fica. Ele pode simplesmente não pagar, afinal o nome envolvido não é o dele. E lá na frente você terá um problema ainda maior. Leve-o até a loja, e providencie a transferência da dívida da maneira correta. A loja saberá lhe orientar, mas nunca é demais dizer: anote tudo. Uma coisa importante: para formalizar qualquer negociação que diga respeito a um bem, como um carro, você precisará de uma autorização judicial. Nos tribunais de pequenas causas, é fácil conseguir uma autorização para movimentar conta corrente de pequena monta e venda de poucos bens.

Agora é hora de ir ao Banco. Se a conta era conjunta, você não terá maiores problemas. Você tem legalidade para saber de toda a situação de sua conta. Se era individual, leve uma cópia autenticada da certidão de óbito, e uma carta, mesmo de próprio punho, solicitando ao gerente informações gerais sobre a movimentação. Faça uma cópia, peça a ele que carimbe e assine a cópia. Digo isso porque o gerente poderá lhe dar a resposta clássica: eu irei ver...Então você entrega a carta e impõe limites. 24 horas, pode ser? Pergunte na carta se a conta possuía:

Limite de cheque especial, e se estava utilizado ou não
Empréstimos vinculados à conta
Cartões de crédito
Investimentos
Seguros

Se a conta for individual e tiver investimentos, eles somente poderão ser levantados mediante o alvará de que falei acima, que você terá de providenciar. Procure sempre uma boa negociação para cobrir eventuais saldos negativos de cheque especial, empréstimos e faturas de cartões de crédito. E vá fazendo seu caderno funcionar, anote tudo na frente do gerente. Não havendo dívidas, diga ao gerente que irá acompanhar a conta por algum tempo para ver se não há cheques pendentes. Passado esse tempo, com o pagamento de todos os cheques pré-datados, volte com uma outra carta solicitando o encerramento definitivo da conta.

Finalmente, procure a Seguridade Social para solicitar a pensão a que tem direito.

Estas instruções estão muito longe de esgotar o assunto. Tomei como base uma pessoa da classe trabalhadora, que recebe seus vencimentos na própria conta, ou que deposita para ir suprindo as despesas do dia-a-dia, que possui de seu apenas a casa em que mora, tem um ou dois carros, enfim, uma pessoa de vida simples como eu. Claro que existem inúmeros desdobramentos, e quanto maior for o patrimônio deixado, mais intrincadas deverão ser as medidas a serem tomadas. Quando os bens envolvidos forem imóveis, é necessário iniciar o quanto antes a abertura do inventário.

No final de cada dia, repasse o seu caderno, comece cada dia sempre anotando a data no alto da página. E reveja todo o passo a passo daquele dia, e já resolva o próximo passo a ser dado. Rememorize os locais onde você foi, tenha anotado os endereços, telefones, nomes de quem lhe atendeu, e já se programe para o dia seguinte. Funciona bem melhor do que agenda.

Finalmente, não aceite pressão, nem mesmo de seus parentes, nem mesmo de filhos. Não assine nada, não se desfaça de nada, não tome decisões debaixo de nenhum tipo de pressão, se for o caso levante-se e diga aos familiares que você precisa ficar só para pensar. Se for um contato telefônico faça o mesmo, anote o número e diga que liga de volta. Deixe bem claro que você está no comando de sua vida, e que as decisões virão de dentro para fora, ou seja, virão a partir de você. Não admita que ninguém tome decisões por você, ou que lhe pressione.

E continue a me visitar. Tenho a honra de receber aqui visitas de pessoas descoladas, inteligentes e sensíveis, você verá também que as viúvas daqui, e mesmo as que não são viúvas, sabem levar a vida com bom humor, descontração, coragem e fé, principalmente fé. Isso irá lhe fazer enorme bem.



 

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Eu tive um cliente chinês

Tive nos meus tempos de gerente de banco um cliente chinês que se apresentava como Lúcio, até o dia em que descobri que seu verdadeiro nome era Kuo. Aí eu espalhei a notícia para a rapaziada, e ele virou nossa vítima.

Pela pronúncia natural da língua portuguesa – ou pela nossa má vontade – era impossível falar K-u-o. Então por aí vocês já podem imaginar o teor das brincadeiras.

Era só ele adentrar no recinto que a gozação começava:

- Pessoal, passem o Kuo para a frente. Rápido, pessoal, o Kuo é apressado. Gente, não esqueçam de conferir direitinho as coisas do Kuo.

Ele ria, e falava: não pessoal, não, é Lúcio. Mas não ligava, e a brincadeira corria solta.

 Tremendamente pródigo, ele sempre deixava pago para nós uma rodada de cerveja. Uma vez ele nos mandou ir ao Bar da Bolsa, que tinha esse nome por ficar no prédio da Bolsa de Cereais. Disse que fôssemos lá e bebêssemos a vontade, que ele iria mais tarde acertar a conta. Mas ele demorava, e as gozações só aumentavam:

- Puxa, o Kuo deu pra trás...

- Isso que deu confiar no Kuo da Bete.

E desce cerveja, e drinkes e comestíveis, entre muitas gargalhadas. A conta começava a ficar perigosamente alta. Mas eis que chega o Kuo, estivera trabalhando até aquela hora.

Sempre sorrindo, pagou a vultosa conta. Nessa hora ele virou Lúcio! Garçon, este é o Lúcio! O Kuo? O Kuo ficou pra trás... ele ria, ria gostosamente.

O Kuo tinha profundas rugas na face, eu creio que de tanto rir. Nunca o vi mal humorado, sempre trabalhando, conferindo mercadorias, empilhando caixas, atendendo fregueses, ele era atacadista de bolsas, cintos e carteiras. Trabalhava muito e sorria muito.

Só reclamava quanto ao nome, mas sem parar de rir:

- Não, não, pessoal, é Lúcio!...


A nossa agência era pegada com o estabelecimento dele, e funcionava para ele e seus empregados como um anexo. Era comum seus empregados a até esposa e filhos virem buscar dinheiro com a gente:

- Patrão mandou pegar cem cruzados. Era o nome do dinheiro na época...

- Cinqüenta, rapidinho...

- Me dá dinheiro para o lanche? Eram os filhos.

- Precisa dinheiro para a feira. A esposa, para nós os piadistas, a mulher do Kuo.

No final do dia, sempre sorrindo, ele vinha fazer um cheque para acertar a pendência. Isso quando o saque não era feito a descoberto: pagávamos por conta dos depósitos que ele faria no final do dia.

Mas às vezes o Kuo demorava.

Todo dia, na hora do fechamento, era certo ouvir alguém perguntar: Kuo já veio? Às vezes alguém era escalado, sempre na piada, “para ir atrás do Kuo”.

E ele vinha, sempre rindo, nunca conferindo nada, nunca desconfiando, acertando a pendência na quantia que a gente apresentava, e ainda arrematando:

- Se vocês tiverem diferença, falem comigo.

Não é raro bancários terem diferenças no caixa, e ele nos socorreu em algumas vezes, sem nem querer ouvir muito a explicação.

- Esse sujeito age assim porque está ilegal no país, para comprar os serviços de vocês! Eram os gerentes invejosos. Invejosos e desonestos, adorariam ter a confiança de um cliente assim para poderem enganá-lo à vontade. Mas eu e nenhum dos meus rapazes jamais o enganamos. Nossas contas com ele eram exatas.

Eu muitas vezes trocava dólares para ele, isso porque na outra ponta, eu tinha clientes que se interessavam em adquiri-los ao câmbio negro. Era muito comum naqueles tempos os gerentes de banco prestarem serviços dessa natureza. Quando eu voltava com a moeda brasileira, ele nunca perguntava qual tinha sido a cotação, qual era o montante e muito menos conferia. Sempre rindo, enfiava o dinheiro no bolso, não sem antes dar alguma coisa pra mim:

- Compra blusa bonita, ele dizia. Eu na verdade dividia com a rapaziada, aumentando ainda mais a inveja dos que ficavam fora do esquema. Ele confiava apenas em mim e nos rapazes Caixas.



Essa história não tem final feliz, ele morreu. Foi dar um jeito como eletricista, aconteceu o desastre, eu de minha mesa ouvi o barulho da explosão. Quando cheguei, ele já estava sendo colocado num carro, eu o vi de longe, já morto.

Com sua morte, ficou uma pendência em sua conta.

Os pessimistas, os maldosos, os invejosos de plantão, não poderiam deixar de passar a ocasião de fazer uma piadinha de humor negro: O Kuo deixou a Bete na mão. Para falar a verdade, as piadinhas foram mais pesadas, mas fiquemos só com esta.

Eu, porém, mantive a calma. Não fui procurar sua esposa sobre o assunto, não teria coragem de abordá-la com questões de dinheiro numa hora dessas. Eu sabia que corria riscos desde o início, e os riscos então seriam meus, não se pode ganhar sempre. Ignorando a zombaria dos colegas, permaneci serena.


Dentro de poucos dias, o pai dele chegou da China. Um empregado veio me chamar.

Entrei no estabelecimento, e levei as mãos ao coração, achei que ele entenderia minha expressão de dor. O idoso compreendeu, e imitou meu gesto.

Em seguida, o homem tirou do bolso uma carteira recheada de dólares, colocou em minhas mãos e disse:

- How much?

Fiquei entre emocionada e assustada com tanta confiança vinda de um estrangeiro. Teria o pai ouvido nossa história lá na distante China? Abri a carteira e pincei de lá as notas que correspondiam à pendência. Repeti o gesto da entrada, e saí. Nunca mais o vi.

- Você pegou pouco, sua boba. Um invejoso.

- Eu teria enchido a mão de dólares. Outro invejoso.

Tenho certeza de que vocês teriam feito isso, seus sanguessugas, imbecis, panacas. Mas com esse pensamento aproveitador, oportunista, velhaco, vocês nunca teriam caído na confiança do meu amigo Kuo.

- Lúcio, pessoal, Lúcio.


 

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Supercalifragilis-Ticexpialidocious

 Já andei me queixando aqui (o que mais faço) sobre algumas dificuldades estranhas com meus lados direito e esquerdo. Vocês que estão comigo há mais tempo já sabem que sintomas estranhos comigo é muito normal. Na época recebi de vocês uma série de bons conselhos e de todos tomei boa nota.

Sem desmerecer os demais, o mais encantador de todos, e que não foi via blogue, foi numa situação outra, veio de um amigo que disse: Bete, não se preocupe com o lado direito nem com o lado esquerdo, aliás, não se preocupe com lado nenhum, tire os pés do chão, voe!

Embora pareça um conselho subjetivo, não é tão absurdo assim. Existem situações, muitas situações eu diria, onde o melhor que se tem a fazer é procurar subir acima da razão e da emoção, ficar pairando feito uma pena, olhando lá do alto, como a olhar o circo pegando fogo lá em baixo, literalmente. Resolvi começar.

Mas veio o primeiro embate, diria que a primeira prova de fogo.

Em um dos filmes Os Caça Fantasmas, quase no final, era liberado no ar um poder terrível, que materializava qualquer coisa em que se pensasse. Então a ordem era não pensar em nada. E os heróis faziam todo esforço para não pensar em nada. Mas um deles não conseguiu, e pensou e por conseguinte materializou um enorme, um gigantesco monstrengo feito de puro marshmallow, que veio pra cima deles.

Já num outro filme, o Mary Poppins, a babá levava as crianças para tomar chá numa mesa que flutuava junto ao teto. E para conseguir ficar flutuando, a ordem era não parar de dar risada. O sujeito que parava de rir ou ficava mal humorado, puft, ia ao chão.

Por quê será que eu sei o nome da cobra, sei o antídoto, mas continuo deixando o veneno correr?

Foram exatos doze dias de puro pânico. Materializando um gigantesco monstrengo que só fazia crescer.

Se eu canalizasse toda essa criatividade para imaginar coisas terríveis que podem me acontecer, para um livro de mistério ou suspense, deixaria a velhota inglesa com inveja de mim no túmulo.

Mas tudo bem, vou acreditar que esses doze dias foram a minha versão dos
doze trabalhos de Hércules. Necessários, para expurgar uma série de pesados demônios, ou sei lá o nome que levam esses bichos.

É preciso ser leve para voar.

Então vamos lá novamente, soltando as amarras mais uma vez, o vento se faz bom, o céu está um brigadeiro e eu vou experimentar voar novamente.

Qualquer coisa vocês estão aí para me amparar. Ou o vento, ou as risadas. Podem rir. Eu não sou mesmo para ser levada a sério.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Elias eletrônico

de: profeta@elias.com

para:
viuvasdeelias@bete.com.br


Peço desculpas pela prolongada ausência. Estive mantendo o foco em necessidades emergenciais de viúvas em outras Praças.

Vamos pré-agendar uma reunião para esta sexta feira; se houver algum impedimento faço novo contato.

Com o restante de azeite e farinha que tens, faça-me um pão pequeno, para minha chegada. Quanto ao mais, cuidarei de tudo pessoalmente.

Abraços Fraternos


Elias
Profeta


 

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Farinha protegida


Você conhece a Bunge?

Pronto, lá vai a Bete de novo pagar pau, dessa vez para uma poderosa multinacional, era só o que faltava...

Mas você não respondeu a minha pergunta: você já ouviu falar da Bunge?

Digamos que a Bunge e eu estamos no mesmo ramo de negócios. É uma empresa do setor alimentício, e suas marcas mais conhecidas do público são as farinhas, óleos, as margarinas e as maioneses, que você com certeza já deve ter consumido.

Se tivéssemos uma imensa régua, uma régua quilométrica, poderíamos dizer que a Bete está numa ponta e a Bunge na outra, ambas lidamos com farinha e azeite, como vocês já estão cansados de saber.

Ninguém se mete a besta com a Bunge.

Se um produtor de óleo resolver lançar uma nova marca no mercado, ele não vai ser maluco de utilizar para nome comercial uma das marcas da Bunge.

E é aí que caem todas as distâncias entre a Bunge e a Bete.

Já cansei de contar para vocês quem é o patrono deste blogue: Elias. Já contei aqui muitas experiências que mostram que minha vida está sempre no limite entre o natural e o sobrenatural. Que vivo pela fé. Mas todos vocês, meus amiguinhos e amiguinhas, inteligentes e sensíveis como são, sabem que essa historinha de Elias é uma parábola, um jeito de brincar sobre as dificuldades da vida.

O fato de eu me apresentar aqui como uma viúva à espera de Elias, não significa que eu fique olhando para o céu, a espera de um milagre, nem que eu transfira minhas responsabilidades a algum ser superior.

Meu relógio me chama bem cedinho pelas manhãs. E eu trabalho muito. Além disso pesquiso muito, me informo muito. E possuo diploma universitário tirado num tempo em que diploma universitário era diploma universitário, além de vários cursos de extensão. Conheço meus direitos e conheço Leis.

Viúva? Sim. Carente de recursos? Sim. Mas descolada e à frente do meu tempo. Não é não meninas?

Minha farinha e meu azeite estão muito bem administrados, inclusive com registro de nascimento e certidão de batismo.

Quando contei isso a Elias, ele abaixou os olhos e disse: Lamentável mundo novo! Mas concordou comigo. E ainda tascou uma profecia: eis que sua farinha e seu azeite não se roubararão.

Elias está de olho. E eu também.

domingo, 2 de novembro de 2008

O sorvete e os passarinhos

 - Bete, Jesus é nosso cúmplice.

O
Volney me brindou com essa frase há um tempo atrás. Achei a frase tão gostosa quanto um Melona, vocês já tomaram? aquele incrível sorvete quadrado de melão?

Achei tão bom que não consegui ficar onde estava, tive de sair, procurar a companhia de alguém que me entendesse, alguém com quem eu pudesse compartilhá-la.

Achei os passarinhos. Os barulhentos passarinhos numa fila de coqueiros ali perto. E as ruidosas maritacas, os bem-te-vis, os tizius e o sabiá laranjeira demonstraram estar de pleno acordo comigo. Um bem-te-vi foi mais longe: bem-te-vi que você é novata nessas coisas de reino dos céus, a gente já sabia disso há muito tempo.

Essa frase complementa uma outra, que recebi de um seminarista, hoje pastor metodista, o Luciano: - Bete, somos conspiradores. E o momento máximo de nossa conspiração é a mesa da eucaristia. Só não saí para procurar os passarinhos porque era noite.

Conspiração não lembra trapaça, tramóia? Aí aparece alguém e coloca essa palavra num contexto do bem, o resultado é novamente um sorvete de melão.

Eh! Cambada de conspiradores do bem. Jesus é nosso cúmplice. Está bom pra vocês?

Como se não bastasse (e basta) neste blogue ainda temos uma cereja: caminhamos na senda deixada por Elias, o profeta do fogo.

Nada! nos separará.

À Volney Faustini

sábado, 1 de novembro de 2008

Os brigadeiros e o moço de olhos bonitos

 Algumas coisas que posso fazer com meu tempo livre.

1) Fazer uma travessa de brigadeiros e comê-los todos
2) Ler (e entender) pelo menos um conto do “Homem que calculava”
3) Aprender uma palavra nova por dia – em inglês
4) Cortar franjinhas no meu cabelo
5) Pintar as unhas dos pés de verde e das mãos de amarelo
6) Passar um trote bem engraçado ao telefone
7) Escrever uma carta de amor ridícula para o moço de olhos bonitos
8) Enviar a carta
9) (Levar a carta pessoalmente?)
10) (Ir pessoalmente sem a carta?)
11) (Será que ele gosta de brigadeiros?)