quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O alicerce



 Falando com uma amiga ao telefone, ela me perguntou se eu pago aluguel, ao que eu respondi que não, e graças ao bom Deus. Mas nem sempre foi assim, porém eu era muito pequena e não me lembro, mas minha mãe gosta muito de contar a história que se segue, mania de família não é mesmo? essa coisa de contar historinhas. Tenho uma porção delas, espero que Deus me dê condições de contar todas para vocês.

Minha família investiu suas parcas economias na compra do lote de terras onde está a casa onde moramos hoje, e o dinheiro da prestação faltou. E estavam esgotadas todas as fontes de empréstimo. Foi então que minha mãe pensou: e se eu fosse falar com o pastor?

Naquele tempo ela freqüentava a Igreja Presbiteriana de São Caetano do Sul, para onde se dirigiu, e foi recebida no modesto gabinete do pastor. Reverendo Paulo Lício Rizzo. O pastor ouviu sua história atentamente, mas ao final teve de dizer, constrangido, que nada podia fazer, ele também não tinha dinheiro algum. O bom homem falava a verdade, naqueles tempos éramos todos tremendamente pobres.

- Se eu tivesse, querida, com certeza seria seu, disse ele triste. Mas eu posso fazer uma oração.

Então ele orou ao Pai, suplicando que iluminasse os caminhos daquela jovem – minha mãe era pouco mais que uma menina.


Minha mãe saiu dali sem o dinheiro mas com uma idéia: e se eu fosse falar com a Dra.Délia? Delia Ferraz Fávero, já lhes falei dela aqui.
Foi então que a doutora Delia arranjou o dinheiro da prestação. E fez mais: deu a minha mãe também o dinheiro necessário para os tijolos e todos os materiais de construção necessários para que fosse erguida a casa onde hoje moramos. E também arranjou um emprego para minha mãe.

Sempre que conta esta história minha mãe arremata: - Nunca devemos duvidar do poder de uma oração.

Gosto dessa história. Conforta-me saber que nas bases da casa onde moro, existe a oração de um bom homem, e a piedade de uma bondosa mulher. Bondade e misericórdia.

Que certamente me seguirão todos os dias da minha vida.

Dá uma olhada em algumas fotos que consegui tirar de nossa humilde casinha. E veja a dona da casa, minha mãe dona Marina, de costas, claro, é uma mania de família.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Os anjos comprimidos

 Elias passou por aqui novamente. Disse que estava precisando dar uma relaxada.

Ó, ó, ó, ó lá vão vocês de novo! Ô povo malicioso! Eu explico:

Elias em sua ronda pelas casas das viúvas, está sempre aprendendo coisas. Ficou sabendo que muitas delas tomam calmantes.

- Filha, é verdade que vocês se acalmam tomando umas bolinhas brancas de farinha?

- Sim, senhor profeta. Mostrei um vidrinho de remédios para ele. Chamam-se comprimidos. Nós os tomamos para acalmar a mente.

Elias olhava para aquelas pílulas desconfiado. – Antigamente, falou ele, as pessoas faziam orações, recitavam salmos, e confiavam no poder de Deus...

Vi que a explicação seria longa, então mandei que Elias se assentasse.

- Profeta, comecei eu com bastante tato, o senhor se lembra quando foi jurado de morte pela terrível rainha pagã, a Jezabel?

- Sim, como me esquecer, disse ele. Foi o momento mais terrível de minha vida...

- Então, continuei eu, lembra-se de como o senhor se refugiou no deserto, e de tão desesperado e desamparado que se sentia, assentou-se sob uma árvore e pediu a morte aos céus?

Elias concordava com a cabeça.

- Lembra-se que o senhor dormiu um longo sono, e que quando acordou havia um anjo... Elias me interrompeu: - Sim, havia um anjo por ali, e ele tinha me preparado um delicioso pão, e me deu a beber de água fresquíssima, coisa rara num deserto. Eu comi o pão ainda quente, bebi a água, e como estava imensamente esgotado, tornei a deitar. Adormeci outro longo sono, e quando acordei, o anjo tinha preparado novamente um pão e uma jarra de água pura e fresca! Como me esquecer?!...Aquilo me reanimou por quarenta dias!

- Senhor profeta: guardadas as devidas proporções, este comprimido aqui contém um tratamento parecido com o que o senhor recebeu do anjo naquele dia. Ele nos acalma e nos ajuda a adormecer e assim repor as forças. Eu diria que todo aquele tratamento está compactado aqui, por isso mesmo o nome – comprimido. E com isso conseguimos ir tocando a vida, com suas dificuldades e sustos... Claro que não nos descuidamos de nossas orações.

Brave new world! exclamou o profeta. Pelo uso do idioma inglês, desconfiei que ele andou visitando uma certa viúva que compõe hai-kai...

Elias disse que ia pensar no assunto, e que ia fazer um teste. Disse que estava indo para Avaré, e que eu lhe desse uma ou duas, que ele ia testar numa certa viúva de lá.

- Olha, senhor profeta, se a viúva for quem eu estou pensando, o caso dela é diferente. Na verdade, ela está mesmo é precisando ver o seu filhinho plenamente restabelecido, ele já está quase bom. Estenda Sua mão sobre ele, e sobre o seu lar, que tudo por lá se ajeita sem comprimido algum. Não tive coragem de contar para ele que minha amiga também está precisando de um namorado novo...

Então Elias recolheu sua mochila – ele agora usa mochila – e fez menção de partir, não sem antes me tascar outra profecia: - Eis que as bolinhas de farinha-calmantes de sua dispensa não acabararão!

Mas quando ele já chegava perto do portão, virou-se para mim e disse, apontando para o meu peito:

Eis que dentro de você brotará uma fonte de paz interior, como aquela que eu experimentei quando falei com o Pai, na saída da caverna onde me refugiei. Nada substitui a paz autêntica que se experimenta quando se ouve o sussurro suave de Deus.

Profecia de Elias é coisa séria, eu tomo posse.

E você, Lia, trate de ir fazendo seu bolo de cenouras com cobertura de chocolate, ajeitando a casa e arrumando as crianças – Elias está passando por aí. E estas palavras são proféticas, também.

domingo, 21 de setembro de 2008

Ariel

 Então eu estava lavando minhas roupas no sábado. Gosto de aproveitar a solidão desse momento para repassar mentalmente os acontecimentos da semana. Lembrei que tinha uma pendência a acertar com Deus, um ato falho cometido lá pelo meio da semana. Comecei: - Então, Jesus, o caso é o seguinte:

Fui interrompida pelo delicado toque de dedinhos no meu ombro esquerdo. Olhei para trás e era a minha consciência. Minha consciência como eu gosta de vestir preto, mas não usa óculos e nem tinge ou corta os cabelos. Trazia uma longa trança toda branca caída delicadamente sobre o ombro direito. Enguli em seco. Nossos encontros não costumam ser nada confortáveis.

- Então você está aí, confessando seus pecadinhos?

- Sim, é que esta semana eu... Ela me interrompeu:

- Não estou nada interessada em seus ridículos pecados, disse ela. Quero que me responda uma simples perguntinha: esta semana você não escreveu lá no seu bloque, que não suporta pessoas que reincidem nas mesmas falhas, mas que estão sempre, com a maior cara de pau, pedindo desculpas?

- Veja bem, é que...

- Responda a minha pergunta: você escreveu ou não escreveu?

- Sim, respondi, esfregando freneticamente uma meia, sabendo o que viria a seguir.

- Então isso quer dizer que os mesmos erros que você abomina nos outros, você comete deslavadamente com o seu amado Mestre, aquele, de quem você vive proclamando aos quatro ventos amar de paixão? Que amor heim?

Eu continuava esfregando a meia que já começava a desfiar. Quero que saiba, continuou ela, que você é má, cínica, desavergonhada mesmo. E hipócrita.

Se vocês pensam que minha consciência grita comigo, enganam-se. Sua voz é mansa, rouca, quase um sussurro, por isso mesmo incomoda tanto.

Ela se postou ao meu lado, encostando-se ao tanque, e falou suavemente na minha orelha direita:

- Esse seu ato de confissão, continuou ela, não é um ato de contrição, mas sim uma tentativa desavergonhada, de procurar uma parceria com Jesus, isso para o caso de suas trapaças serem descobertas. Porque falar mal de pessoas tudo bem para você, não é mesmo? O problema é ser descoberta. Porque aí como fica a imagem de meiguice, candura e bom-mocismo que você construiu para enganar os outros? Você pensa que engana quem? Além de reincidir nos mesmos erros, você tenta escondê-los, socá-los como você faz com suas roupas, numa tentativa inútil de enganar a Deus!

Minha consciência sabe que, pelas manhãs, para deixar meu quarto com aparência de organizado, eu jogo no armário cobertor, edredon, roupas sujas, bolsas e tralhas, tranco a porta e vou trabalhar.

- E ainda posa de boazinha se confessando! Ora, francamente!...

Uma lágrima quente pingou sobre minha fria mão molhada. Quis dizer qualquer coisa, mas minha consciência se foi numa bolha de sabão, deixando no ar um leve cheiro de sabão em pó e amaciante de roupas.

Terminei de pendurar minhas blusas e meias, corri ao meu quarto, tranquei a porta e sentei sobre a cama, cobrindo a cabeça com o edredon. Uma cabaninha. E foi ali, em silêncio, que pedi perdão a Jesus. Não pelos meus ridículos e reincidentes pecadinhos. Mas pela minha hipocrisia, para com Ele e para com o próximo. Pela minha dissimulação e cara de pau. E principalmente pela mania insana de ficar procurando nos outros os erros que estão lá, todos bem socadinhos, dentro de mim.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Desculpe então

 Quando eu era bem pequenininha, assisti a um desenho na tevê, e infelizmente não lembro o nome para dar o crédito. Era um garotinho mal educado que usava óculos. Ele tirava os óculos e saia atacando e batendo em todos seus coleguinhas. Aí quando os molequinhos vinham revidar, ele colocava os óculos. Os molequinhos saiam fulos de raiva, porque não podiam agredir alguém usando óculos.

Essa tem sido a nova moda praticada entre crentes. Sim, porque o pessoal que não está nas igrejas, o povo da vidona aqui de fora, pelo menos não comete o ato de cara de pau de nos ofender a torto e a direito e vir depois pedir desculpas. Mas o povo “cristão”, ah...com esse é bem diferente.

Certa mocinha assumiu publicamente um compromisso comigo na igreja, em uma época, e eu fiquei aguardando. Passaram uma semana, duas, três, quatro. Foi então que eu emiti minha consternação, por ela simplesmente ter esquecido o compromisso assumido comigo. Então ela me passou um e.mail, todo em maiúsculas: EU SOU HUMANA! EU SOU FALHA! EU SOU PASSÍVEL DE ERROS!!! SÓ DEUS É PERFEITO!! (Deus em negrito) VOCÊ NÃO ESTÁ SABENDO EXERCITAR O PERDÃO!!! E por aí afora.

Ou seja, fui vítima duas vezes. A situação se inverteu: se eu não perdoasse, passaria a ser eu a agressora.

Eu ficaria aqui contando vários casos desse tipo, mas acho que você já “pescou” o tipo. São aqueles que fazem do dever de perdoar, assumido pelos cristãos, um confortável biombo para acobertar sua falta de vergonha na cara, de palavra, de responsabilidade, e também sua língua solta: Eu falei tal coisa contra você, mas eu sou humano, e o Senhor manda perdoar! Se você não me perdoa, você não está sendo um bom cristão...

Um tempo eu respondia e.mails desse tipo, hoje desisti. Gente cretina não sabe ler. Gente cretina são os tais dos analfabetos funcionais. Lêem, mas não conseguem contextualizar o que está ali escrito. Se você passar um e.mail de resposta contendo digamos, umas quinze linhas, gente cretina capta só uma linha, e responde refutando apenas aquela única linha. E em maiúsculas, claro, gente cretina adora escrever em maiúsculas, isso porque eles mesmos não acreditam no poder de convencimento daquilo que escrevem.

Para gente cretina é preciso fazer um desenho, com solzinho, estrelinha, luinha, casinha e palmeirinha. Mas fazer do lado deles. Porque se você mandar o desenho pelo correio eles já não entendem.

Porque a resposta inteligente nessas situações seria: Fulano, tudo bem, eu até permito que você venha me ofender. Eu permito que você diga a meu respeito o que você quiser. Eu admito que você falhe. Mas não admito que você venha me pedir desculpas. Veja bem, CRETINO (em maiúsculas): não significa que não estou perdoando. Significa que NÃO admito que você me ofenda a torto e a direito e na seqüência venha se desculpar. Saia à francesa. Já me ofendeu? OK, agora me deixe em paz!

Nunca que um imbecil entenderia esse discurso. Ele sairia dizendo: É... a Bete NÃO aceitou minhas desculpas...

Como explicar para esse cretino que praticar deliberadamente uma ofensa, e na seqüência vir postular o perdão – prática que faz parte fundamental de nossa vivência cristã é uma maneira absurda de colocar o agredido frente a uma situação na qual ele não tem escolha? E que portanto usar e abusar desse tipo de atitude é abjeto?

Para entender isso ele precisaria ser inteligente. Como os leitores deste blogue, por exemplo.

Então mais certo estava o meu pai, eu vou contar, tenha só mais um pouquinho de paciência que a historinha é rápida: meu pai almoçava sempre num restaurante de Avenida São João. Havia por lá um sujeito que não tinha uma das pernas, e usava uma prótese tosca, uma perna de pau. E o infeliz se divertia em estender a perna de pau – que tinha a mesma aparência das cadeiras – para fazer as pessoas tropeçarem. Ninguém fazia nada contra o sujeito respeitando sua deficiência. Meu pai assistia a isso sempre quieto, porque não era com ele. Até que num dia o desgraçado estendeu a perna de pau no caminho do meu pai. Meu pai pegou o sujeito pelos colarinhos, e aplicou um soco bem no meio da cara do palhaço, jogando-o ao chão. Quando isso aconteceu, todos no bar aplaudiram! E o dono do bar falou ao meu pai: - todo mundo aqui tinha vontade de fazer isso, mas ninguém tinha coragem.

Não sou adepta da violência como solução, mas que essa historinha é boa lá isso é.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A carta roubada ou a lupa

 


A carta roubada é um conto de Edgar Allan Poe. Conta a história do misterioso desaparecimento de uma carta, como o próprio nome sugere, e que foi desvendado por um jovem perspicaz chamado Dupin. Não vou contar a história porque não é o que tenho em mente, mas sugiro que a leia, porque é muito interessante, como tudo o mais que esse escritor produziu.

Apenas quero contar que no desenlace da história, o jovem fala de uma certa brincadeira que devia ser moda entre as crianças daquele tempo, que consistia em se acercarem de um mapa mundi, e uma delas sugeria o nome de uma localidade, para que as demais procurassem. As crianças pouco acostumadas ao jogo, dizia Dupin, escolhiam um nome bem pequenininho num cantinho do mapa. Já as mais experientes, sabiam que difícil mesmo é localizar uma palavra que ocupa grande espaço no mapa, como por exemplo: E – U – R – O – P – A, escrito em letras grandes e destacadas. Confesso que quando criança já brinquei disso com meu irmão, e eu era a criança bobinha que escolhia um nome pequenininho no mapa.

Foi baseado nessa lógica que ele encontrou a tal carta, que não estava em nenhum lugar minuciosamente oculto da casa do suposto ladrão, mas negligentemente exposta...num porta cartas! bem no nariz de toda a equipe policial, que tinha virado e revirado a casa do tal sujeito sem nada encontrar.

Estou revisitando algum tema de que já tratei aqui, talvez, mas enerva-me muito ver pessoas procurando Deus de lupa em punho, como a desastrada polícia francesa da história de Poe. Restringindo Sua majestade e presença a pregações, versículos, estrofes de hinos, frases de estímulo e de efeito. Idas a igreja e reuniões de oração. Fazem muito disso os evangélicos. Aprisionaram Deus em seus ajuntamentos religiosos, manuais de conduta, cânticos, chavões e fórmulas; duro será tirar o Deus deles dali. Duro será explicar para essas pessoas que a vastidão divina não pode jamais ser aprisionada, mesmo que a intenção seja louvável, e com certeza a de muitos é. Ou os espíritas, igualmente bem intencionados, que afirmam que Deus está no pobre que se visita, agasalha e alimenta. E assim também todas as práticas devocionais de todas as demais crenças. Todos estão certos, e todos estão errados, no meu modesto entender. Quero deixar claro que nada tenho contra práticas de cultos ou devoções de qualquer espécie, a não ser a partir do momento em que elas vedam os olhos dos praticantes a toda e qualquer manifestação divina que venha ocorrer fora dos seus círculos, e é justamente isso que ocorre o tempo todo.

Um dia contarei para vocês a história de Lidia Zózima, e o quanto essa pessoa influenciou a minha. Quando vocês entram aqui e elogiam alguma coisa que digo, na verdade é a ela que estão elogiando, e ela por sua vez diria que estão engrandecendo sim a Deus, e eu concordo. Uma vez, quando me queixava que um amigo fumava em demasia, e eu receava que aquilo pudesse comprometer seriamente sua saúde ela me disse: Bete! Tudo é sagrado. Ele está comungando com o Divino de alguma forma. Porque Deus é guerra e paz!

Aquele pensamento me assustava deveras, a mim, uma devota crente metodista, não fumante convicta e que sempre se esforçou para viver com temperança e fidelidade às regras. Demorou muito para que eu entendesse a profundidade do pensamento de minha professora de teatro, pois era essa sua profissão. Hoje vejo todos comungando à minha volta, como por exemplo a absurda bailarina da não menos absurda dança da moda, aquela, a que exibe despudoradamente seu corpo numa dança provocante e sensual. Só para dar um exemplo qualquer.

Caminhando na direção dos seus infernos, diria a Lídia, com relação à mesma dançarina que a tantos enerva, ela está de alguma forma caminhando na direção de Deus. E cada um escolhe o caminho que quiser, Jesus é Senhor de todos eles... Seriam as palavras dela, parece que até a vejo falando.

Não peço a você que concorde de primeira com tudo o que acabo de dizer, até porque eu mesma demorei anos e anos. Apenas peço que pense. Mas para pensar nisso tudo dessa forma, há que se deixar de lado as lupas.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Funiculi, Funiculà

A bela repórter de longos cabelos lisos exibia uma matéria que só eu já vi umas cinqüenta vezes: numa região rural da Itália, uma típica família - a nona, a mamma, o pacote todo - reunidos para um almoço de domingo, com aquelas comidas que todo mundo já sabe. Eu gostaria de ser produtora desses programas de variedades só para dar sugestões novas para essa moçada, é incrível a falta de imaginação desse povo, ou o medo de inovar, quem sabe, é, acho que é isso mesmo, o medo de arriscar. Mas lá estava eu, passando (perdendo?) tempo em frente da tevê, enquanto a moça de cabelos lisos se esforçava para aparentar naturalidade, exibindo toda aquela comezaína:

- Nooooossa, massa feita em casa? Vejam gente, típico macarrão da mamma...E a farinha é da Região!

- Geeeeeeeente, olha esse caldeirão de molho!! E exibia um enorme caldeirão borbulhante, até a tampa, de puro molho de tomates. Tomates da plantação!

- Veeeeeeeejam, vinho obtido de uvas da própria plantação! E esse cordeiro com ervas, também, é daqui mesmo! continuava encantada a jornalista brasileira, como se estivesse dando uma matéria jamais vista por olhos brasileiros.

E a Bete, já começando a se enervar com aquela bobajada, estava era calculando quanto sairia um almoço daqueles aqui no Brasil, e concluiu que seria algo mais ou menos como o seu salário do mês. De dezembro, claro, junto com as férias e o décimo terceiro.

Foi então que meu filho interrompeu meus cálculos, com a seguinte petição:

- Bete, vi lá no armário uma latinha de atum, você não que fazer um macarrão para mim? não há nada para jantar...

Mãe levanta, mãe vai até o armário, mãe pega de lá os seguintes ingredientes, a saber: meio pacote de macarrão industrializado, feito sabe Deus como e com que ingredientes. Um pacotinho de molho pronto, seguramente feito de tomates velhos, sei disso de primeira mão, já conheci funcionários de fábrica de molho de tomates. E uma latinha de atum que não daria ao atum quando vivo motivo nenhum de se orgulhar, e essa frase não é minha não, é de Dickens, adaptada.

E enquanto transformava esse misturado de conservantes e corantes em algo comestível, falava com o Paizinho:

- Ô Deus! Eu me sinto péssima de só poder oferecer ao meu filho essa mistureba artificial. Como eu gostaria, Paizinho, que ele provasse o tal cordeiro criado em casa, com ervas, algo assim, cheiroso, saboroso, mas hoje...é só isso mesmo... Então para amenizar coloquei no molho uns raminhos de coentro e cebolinhas que encontrei já meio murchos na geladeira, e um fio de azeite. Tinha azeite. Enfim, levei o pratinho para ele.

Voltei para lavar a louça pensando na ironia daquilo tudo – a região exibida na reportagem era justamente a do pai do meu filho, aquele, o cafajeste, o que largou a gente aqui. Frosinone. Talvez, a poucos quilômetros dali, enquanto a afetada jornalista rodava a matéria, a família coisa e tal estava também reunida em volta de uma mesa semelhante, comendo uma comida semelhante, e talvez cantando uma cançoneta boba semelhante àquela que o povo cantava para fechar a matéria. Tudo o que o meu filho também teria direito de usufruir se...

- Bete! Tem mais?

Uia! E não é que ele gostou?

É...um dia talvez eu deva iniciar uma plantaçãozinha de tomates, nem que seja numa caixinha no quintal, pensei, enquanto levava mais para ele.


E talvez eu deva também, qualquer dia desses, tomar um avião. Ir até Frosinone ou o raio que o parta, olhar bem para a cara do Domenico e dizer: olha aqui seu... bem...o discurso completo eu ainda não sei, ou talvez saiba os palavrões, mas estes prefiro não publicar aqui.

sábado, 6 de setembro de 2008

Vinde a mim os pesquisadores

 Se você teclar farinha e azeite no Google você virá para mim, creio que já disse isso. Está aí uma dica para você que me visita vez ou outra, não me tem em seus favoritos – e para quê o teria, não é mesmo – mas que esquece como digitar o título deste blogue no navegador. Confesso que até eu não acerto. Digite farinha e azeite, juntos, que você me acha. Esse foi um presente de papai do céu para mim. Aconteceu sem eu planejar, até porque se eu tivesse planejado não teria dado certo.

Só para nos situarmos mais uma vez, este sítio conta a história de uma mulher que sobrevive com muito pouco, e esse pouco você chama do que quiser: dinheiro, diplomas, sobrenome importante, amigos influentes, cargo, posição, família numerosa, enfim – pouco. Pouco de tudo. E com esse pouco, essa mulher consegue ir acrescentando dia após dia em sua vidinha, com um tanto de esperanças, outro de preocupações, outro tanto de tristezas, alguma alegria de cá, um monte de incertezas de lá, entremeado de dívidas e dúvidas, e se esforçando para manter o bom humor acima disso tudo. E a gente vai levando, como dizia o Tom Jobim.

Sei que não precisaria falar disso para você, meu amiguinho e amiguinha constantes. Vocês de tão adoráveis que são, já se prestaram até a perder tempo compondo comigo um poema do blogueiro doido, está logo abaixo, para nos envergonharmos juntos. E já apareceram também uma ou duas malucas oferecendo até ajuda material, de verdade.

Não. Não falo a vocês. Mas aos caçadores de estudos bíblicos, que chegam até aqui procurando coisas como: qual o nome da viúva de Sarepta? Qual a importância do azeite e da farinha na visão do antigo testamento? Qual o significado do azeite na bíblia? O que significa a escassez da farinha na bíblia? E outras besteiras assim.

Para esses, eu digo duas coisas, e a primeira é que lugar de pesquisar com consistência é uma boa e velha biblioteca. Há que se pegar um livro com as mãos, sentir o livro, ler o conhecimento que foi deitado ali do começo ao fim, acompanhar o pensamento do autor, analisar, ponderar, para poder concordar ou não. Google é lugar de satisfazer curiosidades banais, como por exemplo encontrar o blogue da Bete.

A segunda é o seguinte: se você está realmente interessado em estudos, este blogue conta, dia a dia, um estudo sobre a vida de uma mulher que administra a carência e a escassez, nada diferente do que todos os membros de sua igreja juntos, aos domingos, todos bonitinhos e com os dentes bem escovadinhos. Porque neste brasilzão, todos administramos a falta de tudo. Somos todos carentes e inadimplentes, devemos desde o alimento que colocamos na mesa – comprado no cartão de crédito, os que temos sorte (ou azar) de tê-lo, até o carro reluzente que ostentamos na garagem, alienado até a volta de Cristo. Devemos o aluguel ou a hipoteca, devemos o colégio dos filhos, à academia, ao dentista, devemos sempre ao Banco, devemos soluções aos nossos filhos, ao nosso empregador, devemos respostas à sociedade, devemos, devemos, devemos. E isso para não falar daqueles que de tão miseráveis já não devem nada, porque já nem existem...

Se você, pastor ou obreiro, que está percorrendo furiosamente a net, no afã de achar alguma mensagem, algum algo, para levar aos seus fiéis, leve a sua própria história. Que não deve ser nada diferente da minha. E ouça as histórias deles, iguais também. A bíblia nada mais conta do que as histórias de homens e mulheres, então porque não deixar a bíblia um pouco de lado, e ouvir as histórias das pessoas um pouco, só para variar?

Eu acredito que a bíblia ainda não está escrita, quem autorizou quem a fechar o livro e jogar fora as chaves? A nossa história ainda está sendo contada, e eu estou fazendo a minha parte. E sei que ao contar a minha história, estou contado a de muita gente. Tem dias em que entro aqui chorando, me lamentando. Noutros, com raiva, reclamando de tudo. E tem dias que até conto alguma historinha que sei que irá emocionar alguém. E noutros, convido os blogueiros doidos a escrever comigo. Ou seja – a nossa história. Nossa história é assim, cheia de altos e baixos e dependências mútuas. Sou uma viúva a espera de Elias, assim como sou uma brasileira à espera de um bom presidente, uma trabalhadora à espera de um bom emprego, ou uma mãe à espera de ver o filho passar no vestibular para uma universidade pública. Ou até uma desesperada à espera de ganhar na loteria, na maioria das vezes.

E você, não?


Caçadores de estudos bíblicos, que têm ficado aqui zero segundos: o lugar de vocês é aqui sim, muito mais do que vocês pensam.