segunda-feira, 29 de junho de 2009

O anjo costureiro

 Encontro com meu amigo João na rua, e ele relembra uma situação que vivemos juntos, uma situação hilária do meu passado, e me faz rir, rir, chorar de rir.

Não, não adianta vocês me pedirem para contar, primeiro porque a explicação teria de ser muito extensa, segundo porque vocês com certeza não achariam a mesma graça que eu achei.

Sei que todos sabem do que estou falando. Há anedotas particulares. Só acham graça nela as pessoas envolvidas, até porque envolvem uma série de eventos difíceis de serem explicados.

Se eu me encontrar com meu amigo daqui a dez, vinte, trinta anos, a graça será a mesma, e nós dois iremos chorar de rir, como se o caso estivesse acabando de acontecer.

Eu tenho para mim que algum anjo desocupado anda por aí, com uma enorme agulha de costura invisível, unindo pessoas para todo o sempre pelos laços de situações engraçadas de todo tipo, só pode ser isso.

Ficar ligado para sempre a um amigo por uma lembrança hilária não pode ser coisa terrena, é realmente um assunto celestial. É um daqueles momentos em que somos sem sombra de dúvida tocados pelo Divino, o que é rir gostosamente de uma piada particular senão um estado de Graça?

Valeu João. Valeu meu querido anjo desocupado. Desocupe-se mais com assuntos desse tipo, a gente está mesmo precisando rir.

domingo, 28 de junho de 2009

O caminhãozinho de feira e eu


Quando ganhei meu bebê há vinte e poucos anos atrás, no dia em que fiquei de alta, houve uma pane geral nos telefones. E numa daquelas sequências de equívocos difícil até de explicar, ninguém apareceu para me buscar. Coisa de comédia de costumes mesmo. Depois, refazendo o fio do erro, achei até engraçado. Minha médica avisou a pessoa errada da forma errada, que também repassou a informação da forma errada, enfim, em um determinado momento, todos os envolvidos entenderam que uma outra pessoa iria me buscar. E não veio ninguém.

O complicador disso tudo, é que era uma maternidade pública. Não se deixa paciente ocupando espaço um minuto à mais do necessário: - mãe, você e seu bebê estão de alta, cadê as roupinhas dele?

Um dia antes eu tinha mandado toda a minha roupa para casa, e ficou combinado que quem viesse traria minha roupa de saída, e a roupa do bebê.

Então lá estava eu, com uma linda camisola longa combinando com o pegnoir, toda branca. E só. Meu filhote, coitadinho, lá no berçário, envolto em panos e deitado numa caminha de vidro, aguardava seu primeiro traje de passeio.

Mas nenhum telefone atendia, eu não sabia o que fazer.

Saio daqui de camisola, tomo um taxi? - Não, não deixamos o bebê sair com as roupas do hospital. Não havia o que fazer.

Mas minha amiga Lídia, em uma cidade distante dali, captou mentalmente o meu chamado, a Betinha deve estar precisando de mim, quer saber? vou direto na maternidade, ela deve estar lá. E já que estou indo - isso tudo ela me disse - vou levar este lindo vestido branco para ela sair toda bonita. Ela trouxe também a roupinha completa para a retirada do bebê, que fôra de sua filha, toda branca, incluindo um lindo xale.

- Mãe, seu marido chegou! me disse a enfermeira com aquela cara de: "finalmente"!

"Meu marido" na verdade era o marido dela, eles eram feirantes, vieram direto do trabalho, em uniformes de trabalho.

Saímos da maternidade meu bebê e eu vestindo branco, eu num lindo vestido longo rendado, ele, num lindo enxoval de tricô. Num caminhãozinho de feira.

Gosto muito desta história, e a escrevo aqui para que fique registrada nas paredes da minha memória, leia-se servidores. Ela me lembra o cuidado de Deus em minha vida que chega à perfeição do detalhe, à minúcia do capricho do serviço completo. Gosto de lembrar desse acontecimento quando estou me sentindo desorientada e desamparada, pois me traz à memória um Deus que nunca me desamparou.

E me faz lembrar também o quão importante é termos esses bons amigos, gente que está atenta à voz do Espírito Santo, que capta o nosso pensamento, e nos atende sem que tenhamos de pedir.

Se você não tem um amigo ou amiga assim, está na hora de se empenhar em ter.

Porque na vida da gente isso faz toda a diferença.
 

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O mal é o que sai da boca


"Vi homens comendo cacos de telhas, ratos misturados à massa, ao pão, e, no entanto diziam: come! tem vitaminas, ovos, leite e é tão bom. Ilusão, só ilusão."Gianfrancesco Guarnieri em Ponto de Partida.

O pão fatiado que compramos no mercado é uma casca transparente que se esmigalha na mão. O tradicional bombom está ficando menor a cada dia que passa, logo será uma bala, apenas. A caixinha de fósforos além de ter diminuído, traz fósforos que dão falha, e quem vai reclamar? Os palitos, aqueles, da moça, estão cada vez mais finos. Os sabonetes têm todos o mesmo cheiro, e assim os desodorantes que não desodorizam nada. Manteiga? Essência de leite misturada à gordura rançosa, e o próprio leite não passa de uma bebida láctea, querem enganar quem de que aquilo é leite?

Você e eu sabemos que esse tema é tão extenso, que iríamos longe com ele. Você iria me falar dos biscoitos com gosto de nada, puro açúcar, dos chocolates a cada dia mais finos e duros, e onde foram parar aquelas balas que se derretiam na boca? E os pães, no meu tempo um pão amanhecido ainda tinha gosto, sabia a farinha, não a ácidos.

Quanto lixo consumimos, quanto lixo... Me repugna ver mamães oferecendo salgadinhos de pacotes a seus filhos - massa, perfume, corante e sal. Logo penso, um coco é tão barato...e com um único coco e açúcar se faz uns trinta docinhos...

Com leite e açúcar...com amendoim e açúcar...é tão fácil...

Mas entupimos de lixo os nossos pequenos. E achamos bom.

Mas se você pensa que vim aqui falar de alimentação saudável, enganou-se, embora o tema seria bom também. Foi só um preâmbulo, porque o que quero dizer vem agora:

Quanto lixo intelectual consumimos, não é mesmo?

E nem vou perder meu tempo falando mal dos programas de tevê, ou dos noticiários, ou...ou...

Lixo. O povo se alimenta literalmente de lixo.

Mas aqui vai a boa notícia: VOCÊ é um alimento, pense nisso!

Você já parou para pensar que sua carne presta para ser comida? Você sabe que esse fato já aconteceu, e muito, na história da humanidade, se é que ainda não acontece. E uma fera, um animal selvagem pode perfeitamente alimentar-se de você, e sentir-se ótimo. E quando você morrer, outros tantos animais se alimentarão de seu cadáver. E se brotar algum tomate sobre seu túmulo, ele crescerá lindo com seu adubo, e poderá ser tranquilamente comido por seus semelhantes.

Você é comida. Você é um alimento ambulante.

Trabalhe, portanto para ser, hoje, um alimento bom. Para que cada pessoa que chegue até você, saia alimentada. O leite não presta? jorre leite de sua fonte interior. Os biscoitos não têm gosto? coloque gosto nas suas palavras. Não, não estou convidando você a jogar o jogo do contente, sei que há momentos em que é preciso muito mais do que uma frase fofa de alegria e otimismo.

Mas eu me recuso a tomar parte dessa massa conspiratória, entre andar por aí levando más notícias - transmitindo lixo - prefiro levar uma boa nova. Sempre há, lembra do coco, tão banal e tão barato? Com um simples coco e açúcar, alimentamos e agradamos algumas crianças. O mesmo podemos fazer com nossas palavras. Alimente-se melhor, e você entendeu que não estou falando só de comida. E saia alimentando melhor pessoas à sua volta por aí.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Vai pão?


"Sem mim nada podeis fazer."Do Evangelho de São João

Essas palavras do Mestre, tornam a vida ridiculamente simples.

Quer ver?

Um dos Nomes de Jesus, é Sabedoria.

Sem a Sabedoria, você nada pode fazer.

Mas há um detalhe - a Sabedoria, é a que vem do alto:

"Pura, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento." Palavras de São Tiago

Sem essa sabedoria, você NADA poderá fazer. Poderá achar que faz, mas é engano, é ilusão, é vento.

Mas agora, queridos amiguinhos e amiguinhas, vem a parte boa da coisa, o recheio do bolo, e chega perto porque eu vou falar baixinho, os Servidores tem ouvidos. Mais! Se você ficar aí longe não irá ouvir, ô!...

Vem cá...

"Sem mim, nada podeis fazer", certo? Então deixa-me chegar aqui no seu pé de ouvido:


(- Nem você, nem os outros...)

Ráááá! Ô coisa boa! Então meu amiguinho, minha amiguinha, se você hoje colocou o pé fora da cama pensando em alguém ou em alguma coisa que pudesse lhe fazer algum mal, delicie-se com essa Palavra do Mestre. Sem Ele, esquece...!

Ninguém pode nada sem Deus...

Se na pior das hipóteses alguém conseguir tirar sua vida, não poderá levar sua alma...

Bom demais, não?

Então relaxe nas águas dessa promessa maravilhosa. Ninguém é nada sem Deus, portanto nada tema daqueles que querem lhe assustar baseados em atitudes que não vêm do Alto. Sabe o que alguém consegue sem Deus? Ilusão. Você lá é homem ou mulher de temer ilusão?

- Pim, pim, pim! a campainhááááá! Saindo pããããããão!

E a Deus seja a glória.

Da janelinha do ônibus

Eu estava num ônibus, indo para o trabalho, e como todos os outros passageiros, o meu olhar estava em ponto morto. Mas algo na calçada me atraiu, mas não foi nada de tão surpreendente assim, pelo contrário, um fato dos mais banais para aquela calçada, até porque aquela calçada era de uma maternidade. Um casal de jovens, pouco mais que duas crianças, saiam do imponente edifício, ela segurando um bebezinho que estava dando sem dúvida o seu primeiro passeio neste mundo. Um jovem casal dando seus primeiros passos como família. Acho esses momentos tão íntimos, que me envergonho de olhar, não é direito, pensei. Ninguém os viu naquele momento. Apenas eu. No mundo inteiro, apenas eu.

Eu e Deus.

Emocionam-me demais esses momentos, emociona-me demais compartilhar algo somente com Deus. São momentos em que eu me sinto inteira em Sua santa presença, sinto uma deliciosa cumplicidade com o divino tomando conta de mim, sinto-me "quase lá"...

Como em outra vez, também num ônibus, margeando uma favela. Num varal, na calçada, para quem quisesse ver, a intimidade humana representada por calças, calcinhas, sutiãs, blusas, meias e lenços panejava ao vento. Pensei, Deus! Eu não tinha o direito de estar contemplando este quadro tão íntimo da vida de pessoas que desconheço.

Quando o ônibus se afastou, eu me dei conta de que aquilo tinha sido uma uma comunhão e uma prece.

terça-feira, 23 de junho de 2009

A casa do meu pai


"Na casa de meu Pai há muitas moradas, e é por isso que eu digo que vou preparar um lugar para voces. E depois que eu for e preparar esse lugar, voltarei e os levarei comigo, para que onde eu estiver vocês estejam também."
Do Evangelho de São João.


Eu via pelas vidraças um solitário cavalo pastando nas imediações do colégio, era meu primeiro dia de aula. Eu sentia uma infinita tristeza, e sentia que meu lugar não era ali, mas onde seria? Decerto também não era em minha casa, eu nunca fora feliz em minha casa.

Aquele foi sem dúvida o primeiro momento de total infelicidade e abandono que senti. Constatei que eu não tinha espaço nenhum no planeta onde me sentisse segura, totalmente segura. Conheci, de modo contrário, o significado da palavra aconchego.

Aconchego era qualquer coisa que eu não sentia em lugar algum.

Desde aquele dia, sigo pela vida desejando esse lugar. Minha Pasárgada, minha Ítaca, meu Shangri-La. É o meu desejo insano de transportar minha almejada geografia pessoal do sonho para a realidade.

É o meu desejo de encontrar um lugar que não existe. Um espaço onde eu me sinta totalmente aconchegada. Protegida. Um lugar onde não há o confronto, o embate, o pesadelo e nem mesmo o sonho.

Onde não há lembrança do ontem nem preocupação com o hoje ou com o amanhã, onde o amanhã nem mesmo exista.

Sou amante da noite, gosto do silêncio da noite, gosto da solidão de minha casa à noite. Ligo baixinho a tevê, o rádio que leva música de concerto, escrevo, leio, faço um café, coloco um disco, cochilo, acordo, caminho descalça pela casa escura. Com isso fico um pouco mais perto do espaço seguro que sonho para mim; à noite, a sensação que tenho é de que o amanhã não existe, as ocupações do amanhã não existem, o mundo lá fora é passado, eu nunca mais terei de voltar lá. Há um reconfortante inverno em meu coração. Neva. Neva lá fora, mas eu estou aquecida e esquecida aqui.

Esses momentos são o mais perto que consigo chegar de um lugar que me faz feliz totalmente, da geografia perfeita que sonhei para mim, mas que é limitada pelos ponteiros do relógio, que se esvai ao canto da corruíra, o primeiro passarinho que canta nas redondezas, que me lembra que tenho de voltar de um lugar que nunca existiu, que não existe, não nesta vida. Não aqui.

 

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Da janelinha do ônibus II

Eu não sei desenhar, minha grande frustração.

Minha grande frustração e minha grande impotência, porque aqui dentro da minha cabeça, na minha mente, eu vejo com riqueza de detalhes os desenhos que gostaria de fazer.

Se eu soubesse desenhar, eu desenharia o tempo todo, porque o que mais vejo ao caminhar por aí são coisas desenháveis, vejo situações que estão como que pedindo para serem colocadas numa tela.

Mas eu não consigo desenhar nem uma casinha ao lado de uma arvorezinha debaixo de um solzinho.

- É porque você não tem vida interior, Elizabeth. Minha analista falando. Aquela mulher devia me odiar, ela se encarregava, sessão após sessão, em me colocar pra baixo. Isso lá é coisa que se fale a uma paciente?

Então pensei em fotografar. Só que nunca consegui comprar uma câmera decente. Tive uma, que se prestou a fotografar filhote, mas naquela época eu só pensava mesmo em fotografar filhote. E o tempo passou, e a câmera também.

Então eu me especializei em ver. Em olhar. E essa, desde então, passou a ser a minha distração e o meu consolo.

Para isso eu não preciso saber desenhar e não preciso de câmera, e a lembrança do que vejo ninguém jamais poderá tirar de mim.

"À janelinha do ônibus elétrico, esse deslizando lentamente pela Senador Queiroz, duas mulheres sentadas em caixotes descascando alho, uma moça fumando, com aparência cansada, o pé na parede, um homem levando um enorme peixe num carrinho de mão, um homem seminu descarregando um caminhão de cebolas, (as gotículas de suor rebrilham no seu dorso, entrevejo suas cuecas azuizinhas furadinhas), um garoto correndo para alcançar o ônibus, uma velha vendendo ervas numa banquinha, um comerciante abrindo seu estabelecimento...e o elétrico suavemente tirando da frente da cena aquela que daria tudo, tudo, mas tudo mesmo, para saber colocar aquela beleza num quadro."

 

Editar perfil

Se eu fosse fazer uma definição de mim mesma, daquelas de se colocar em perfil de orkut, mas se eu quisesse elaborar uma que fosse de fato sincera, acho que diria que sou o somatório das mancadas dos outros e das minhas próprias mancadas, mais essas últimas. Tudo isso aliado à uma vontade ridiculamente teimosa de ainda dar certo, de ainda encontrar o meu lugar, se é que isso existe, se é que essa frase "o meu lugar" não é mero clichê, desses que ouvimos em programas televisivos matinais, que a moça fala enquanto ensina a receita do pudim.

Talvez dissesse que minha teima ainda é encontrar meu Eu perfeito, que deve estar em algum lugar, porque eu me recuso a acreditar que o Criador me rascunhou de qualquer jeito e me jogou ao léu. Existe uma fôrma perfeita de bete em algum lugar, e o bom Deus, como naquela brincadeira que fazemos com as crianças e os ovos de páscoa, a escondeu sob alguma moita, e está torcendo para que eu a encontre. Brincadeira meio sem graça, eu diria, porque estou cansada, porque já tenho meio século de existência, porque já ando meio sem vontade de brincar.

Ou talvez deve existir um armário, o armário dos desenhos perfeitos. Lá estão os originais dos joões, marias, josés, raimundos, aparecidas e betes, e eu só queria ver, eu só queria admirar, como menina que admira a boneca na vitrine, só queria saber como é a bete original que Deus desenhou.

Talvez pedisse para a segurar no colo um pouquinho, só um pouquinho, como costumava implorar às meninas ricas com suas lindas bonecas, que minha mãe me levava a visitar. Seria bom conhecer a minha Eu que tivesse cabelos de verdade, vestidinhos bordados, bolsinha, pentinho de pentear.

Aquela Eu que Deus desenhou e criou perfeitinha, e que deve estar numa linda caixa selada em celofane, em alguma prateleira, aguardando que alguma menina a leve para brincar.

Porque eu preciso descobrir em que momento de minha vida essa criação tão mimosa e tão perfeita se transformou nesta boneca de pano e cabelos de barbante.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Jogos de culpas


Quando eu era moça, numa reunião da sociedade de jovens da minha igreja, o líder, que era conhecido entre nós como Líder da Mocidade, denunciou que existia no nosso grupo uma jovem que não estava se comportando com "o decoro exigido a uma moça cristã"! Mas não disse quem era a moça. Era qualquer uma de nós. O clima entre as moças a partir daquele dia ficou péssimo, principalmente entre as que tinham noivos e namorados. Qual de nós seria a pecadora?

O odioso de situações desse tipo, é que todas as pessoas, culpadas ou inocentes de um determinado universo, são colocadas debaixo da mesma suspeita, e pior, se uma delas se ofende pela exposição desnecessária, e se defende em público, mesmo que seja inocente, esta se coloca debaixo de suspeita duas vezes. Pela estúpida lógica reinante nesses casos a coisa funciona assim: se aquela pessoa reclamou, deve ter culpa no cartório. É sinal que a carapuça lhe serviu, por que outro motivo se irritaria?

Quem acredita num motivo tão em desuso como o de revoltar-se contra um ato de injustiça? de covardia?

É por isso que nesses casos de difamação generalizada, todos jogam o jogo de receber a difamação em silêncio, afinal, ninguém quer se comprometer, não fui eu mesmo, pensam alguns, então não importa, danem-se os outros, não vou defender o grupo pela ótica dos inocentes e me queimar. Ou, se fui eu, fico quieto também, e me escondo no anonimato da ofensa generalizada, e me beneficio do silêncio da massa. É sempre um jogo covarde, para a totalidade dos envolvidos.

É um jogo sem enfrentamentos, que encerra a todos debaixo de uma sórdida arapuca, tacitamente aceita, uma vez que é um jogo que já traz a regra embutida em seu bojo: para jogá-lo, basta nada fazer.

Esta modalidade de acusação é muito utilizada contra mulheres em assuntos de envolvimentos íntimos. Algo como: "alguma" funcionária do setor tal está tendo um envolvimento com o chefe.Dada a natureza delicada desse assunto, espera-se que todas do grupo alvo se comportem como todos acham que uma verdadeira dama deve se comportar - caladas e de cabeça baixa. Que sejam discretas e educadas para que não se comprometam ainda mais. Então nenhuma ousa reclamar de estar sendo alvo de uma ofensa genérica, covarde e desnecessária. Covarde porque foge do enfrentamento, e desnecessária porque lança suspeitas contra todas do grupo indiscriminadamente, numa situação vazia, que não soluciona o problema e não beneficia ninguém além do ego do acusador. Uma verdadeira dama, pensam, deve suportar tudo isso em silêncio, é o mais elegante e discreto a se fazer. E como a maioria das mulheres aceitamos esse papel por medo do excesso de exposição ou comodismo, tornamo-nos presas fáceis desse tipo de jogo calunioso.

Voltando à moça supostamente errada lá da minha igreja, a meu ver ela deveria ter sido poupada da acusação, tanto em público quanto isoladamente. Afinal, um ambiente cristão deve ser disseminador da Graça, não da des-graça.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Tem lógica?

 Você já ouviu falar de lógica e falácia? Calma, calma, não vá embora, não vim aqui para dar nenhuma aula, até porque o tema é extenso e não me sinto preparada para discorrer sobre ele.

Mas eu sugiro a você que tecle no google e leia, é muito interessante, e vai lhe ajudar no dia a dia, nos embates simples, como com o síndico do seu prédio, por exemplo. Ou seu cônjuge e até mesmo seu chefe.

Vou falar apenas de um exemplo, extremamente capcioso, e você já foi vítima dessa falácia em algum momento de sua vida (ou já vitimou alguém). É o argumentum ad hominem, e não se assuste com o latim, é fácil de entender, funciona assim:

Um indivíduo faz um discurso inatacável, um político, por exemplo. Um discurso ótimo. A oposição se reúne para contra atacar, e agora? pensam. O discurso do sujeito foi muito bom, bem amarrado em várias frentes, o que vamos fazer? Difícil de se sair dessa? Não, amiguinhos, simples demais. Se não há como atacar o discurso, ataca-se o autor do discurso. Ataca-se a pessoa.

É assim que muito político ganha eleição.

A massa, e massa infelizmente somos você e eu, esquece um detalhe simples, mas da maior importância: a verdade não carece de bocas verdadeiras. A água molha. O fogo queima. Essas verdades continuam verdades mesmo na boca da pessoa mais mentirosa do planeta.

Mas a massa, amiguinhos, a massa é burra, e não fui eu quem disse isso. A massa, ou os carneiros como dizia Orwell em sua fábula
, esquééééééce, ou nem entende esse detalhe tão simples...

Se fulano tem defeitos em sua vida pessoal, (e defeitos quem não os tem?) logo, o seu discurso não é verdadeiro, essa é a falácia. Se não me engano, houve um candidato a eleições para a presidência em um país aí cujo nome não me lembro, que perdeu as eleições assim. Parece que o seu opositor apresentou, um dia antes das eleições, a notícia de que o tal senhor tinha uma filha fora do casamento. E a puritana sociedade daquele país disse: ohhhhhhhhh! E não votou no candidato. Se ele teve uma filha fora do casamento, pensaram todos, não poderá ser um bom presidente...Não é um espanto saber que ainda há pessoas que pensam assim?

Não, calma, calma, não estou defendendo nenhum político, só usei o exemplo para dizer que uma pessoa, mesmo aparentemente errada, pode dizer e até fazer coisas certas, ouçamos, portanto o que ela tem a dizer. E se não concordarmos, ataquemos suas idéias, não o autor das mesmas. Simples assim. Mas ninguém o faz, até porque é mais fácil acusar pessoas do que debater idéias. Se for conhecido algum ponto fraco do opositor, é mais fácil ainda, cala-se a boca dele rapidinho com algum ataque pessoal, ofensa ou difamação.

E essas pessoas ainda saem da discussão se achando o máximo...

E o povo aplaude...

Achou interessante? Pesquise mais. Tem muita gente levando vantagem sobre você nas discussões não porque sabe mais, mas porque conhece mesmo que inconscientemente regrinhas desse tipo aí.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Os filhinhos da mamãe

Dizem as más linguas que Homer Simpson conseguiu realizar a fantasia sexual da grande maioria dos homens - casar com a própria mãe...

Claro que não estamos falando dos adoráveis leitores deste blogue, aqui só entram pessoas com cabeças ótimas, e isso foi profecia de Elias. Mas o que tem de filhinho casado com a mamãe por aí, ah, isso tem...vai dizer que você nunca viu? Eu já vi bastante, e a última nem faz tanto tempo. Estava com um grupinho entrando num carro para iniciar uma viagem, quando uma mulher perguntou para o marido se ele tinha lembrado de ir ao banheiro, não é meigo?

E o mais bonitinho foi ele responder que sim, só faltou dizer sim mamãe...

Será que é culpa de nós, mães? Pelo sim pelo não eu faço minha parte, eu é que não vou fornecer mais um filhinho da mamãe para o mundo. Uma frase que meu filho jamais ouviu de mim foi leve o agasalho. Acho no mínimo estranho duvidar que um adulto não saiba administrar a temperatura do próprio corpo. Se esquecer, passa frio, da próxima vez ele lembra, ora pois.

Sempre deixei claro para ele que não esperasse de mim soluções idiotas, e com isso também desmistifico a idéia de que mãe entende de previsão do tempo, quem entende de previsão do tempo é a metereologia. Bete, você acha que vai chover? Não sei não, você já perguntou para o Google?

Mas mudando de assunto, qual é a sua teoria para o penteado da Marge, tem alguma mensagem subliminar? heim? heim?

sábado, 13 de junho de 2009

Mr.Benson e eu

Mr.Benson tirou cuidadosamente os óculos, e com o mesmo cuidado o colocou no estojo, como sempre fazia. Aquele estojo lembrava a ele um mini caixão de defuntos, preto com debruado dourado, como seguramente o seu caixão seria. O interior do estojo era todo estofadinho, como ele também gostaria que fosse a sua urna mortuária. Confortável. Ele pensava no tema porque tinha, há poucos dias, se ocupado justamente de cuidar dos detalhes do seu sepultamento, junto à Thomas Cook & Son. Era só no mundo, e não queria deixar seu defunto para trás constrangendo os vizinhos como um pacote incômodo. Estava tudo previamente acertado. Mas ele gozava de boa saúde e não pensava em morrer tão cedo, aquilo tinha sido só um cuidado, como outro qualquer. Mr.Benson era um homem meticuloso.

Ele então dobrou cuidadosamente o jornal, que tinha lido de capa a capa, recolocando os cadernos na ordem exata e acertando as arestas, como fazia todos os dias, mesmo sabendo que ia tudo para o lixo.

Súbito ouviu um estalido seco vindo do jardim, e se encaminhou para as vidraças pensando ser Nefretiri, uma gata que vinha alimentando, mas que preferia muito mais os telhados de Londres do que a sua companhia, não a culpava. Deviam ser mesmo muito mais estimulantes do que sua vivenda de homem solteirão.

Mas não era a gata. Repuxando melhor a cortina de veludo verde ele viu...ele viu...ele viu...
Kekié ô, vou saber o que ele viu? Vocês estão achando que eu dou conta de escrever uma história de suspense, não dou conta não meus bons amiguinhos. E ambientada em Londres ainda por cima?! Thomas Cook & Son, essa é boa... essa eu aprendi com Somerset Maugham, mas duvido que essa centenária casa inglesa, que nem mais inglesa é, se ocupe hoje de assuntos mortuários.

Então ficamos assim, não sei o que Mr.Benson viu. Se algo me ocorrer eu volto, e vocês vão me desculpando o mal jeito. Pensando bem quem tem de me desculpar é o Benson, já que eu vou deixá-lo junto à janela passando frio, o pobre.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O tartufo e eu

 Eu toda vida achei, como você também deve achar, que trufa era aquele enorme bombom cremoso mega recheado. Até que comecei a namorar um italiano. Trufa é a palavra francesa, ele me disse, italianos chamam de tartufo. Que nada mais é do que um fungo ou cogumelo, que dá dentro da terra e se assemelha a uma batata. E tem um perfume e um sabor que nem querendo muito eu consigo descrever, só você provando.

Ele trouxe da Itália para que eu provasse, você rala aquela maravilha e coloca sobre uma salada, um filé ou mesmo uma massa. E ele me disse que um filé com trufas é cinco vezes mais caro que o mesmo filé sem trufas. Namorar estrangeiro tem disso, a gente aprende coisas.

Falando ainda em culinária, ele nunca me deixava chegar perto do fogão, você não sabe fazer nada, deixa que eu faço. Então fiquei sabendo que esses pratos italianos escorrendo molho e queijo é coisa de brasileiros. Ele me apresentou a uma culinária honesta, com massas sim, mas delicadas, e a magníficos pratos de carnes e insalatas, onde o forte são as ervas perfumadas, tínhamos um canteiro com uma variedade delas, o mangericão reinava absoluto. Ele falava basilicão.

Nós não fomos exatamente namorados, você sabe como é, não sabe? Mas digamos que nossas escovas de dentes se conheceram intimamente.

Aprendi a entender italiano também, mas não a falar. Ele me apresentou a música italiana, e me envergonhei ao descobrir que de música italiana eu só conhecia aquelas velhas canções de churrascarias, muito diferentes de sua música atual. Foi ele quem me ensinou também que o nome próprio PaÔla nunca existiu. Adorei, tive uma colega esnobe na faculdade que deu esse nome à filha, se achando o máximo, isso nunca existiu na Itália, ele me dise. Falamos Páola. Assim como a tal da muzzarela de búfala, aprenda essa você, na Itália muzzarela de búfala é redundância, não existe outro tipo de muzzarela.

Morávamos num simpático apartamento, ele conseguiu encontrar no bairro do Ipiranga um cantinho que reproduzia a sua Itália, e isso ele me provou com fotos, e não é que era mesmo? Era um apartamentinho lindo num edifício de três andares, todo branco, portas e janelas azuis, com simpáticas sacadas, numa linda rua arborizada, com belíssima vista para o Museu do Ipiranga, coisa de sonho. De nossa sacada, ficávamos tomando cervejinha e tocando violão nas noites quentes e depois, bem, depois, tudo de bom.

E durante. Com um italiano, é sempre tudo de bom.

Mas um dia ele foi embora, essa parte da história deixemos para lá. Mas quem disse que ele se foi, ele deixou seu sorriso e sua beleza por aqui. Sua inteligência, sua criatividade, sua persistência mediterrânea. E suas chatices também. Seu pavio curto. Seu repentes de mal humor. Sua forma teatral, visceral, de viver a vida.

Ele dorme no quarto ao lado, tem vinte e dois anos, puro sangue siciliano. Ficou aqui, ficou comigo, ficou para sempre comigo, lembrança viva de que eu fui amada por um italiano. Muito bem amada, meus bons amiguinhos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

A corda e eu

 Eu estava com um grupinho de meninos e meninas brincando em um lago barrento, isso em alguma cidade do interior de São Paulo cujo nome não me lembro. Os garotos tinham achado uma corda, e a penduraram em galhos que atravessavam todo o alto do lago, e estavam brincando de Tarzan, inclusive com o grito característico. Quando o pêndulo da curva chegava no meio do lago, eles se soltavam da corda e caíam gostosamente, tchuááá...

E eu acompanhava da margem, dividida entre o medo e a vontade de arriscar.

Foi então que meu amigo Serginho me disse: - Betinha, não pense você que os meninos não têm medo, a gente têm medo sim. Mas a diferença entre os meninos e as meninas é que a gente vai mesmo com medo. Veja bem, o único desafio que você terá de enfrentar, é se pendurar na corda. Porque ao chegar no meio do lago, se você não se soltar, você se esborracha naquelas pedras ali, está vendo? Então você solta a corda, não há o que fazer.

E não é que ele tinha razão? Peguei a corda. Gritei meu esganiçado grito de Tarzan, no meu caso de Jane. E claro que soltei a corda, tchuáááá...

Bom demais...

Bacaninha essa chave que ele me deu sobre meninos e meninas, vocês não acham?

Foi esse mesmo moleque que fez de mim uma corintiana, Betinha, pra que time você torce?

- Ah, Serginho, sei lá, eu acho que não sou nada...

- Betinha, se você não é nada então você é corintiana...E me levou ao bebedouro no corredor do colégio e me batizou ali mesmo: eu te batizo corintiana. O ano era 1973.

Soube recentemente que meu amiguinho hoje é gente grande numa multinacional na China, grande Serginho, me batizou duas vezes, experiências desse tipo dificilmente a gente esquece.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Café com Elias ou, o meu teclado com defeito

 Elias passou por aqui. Se você é leitor ou leitora recente e desconhece as visitas de Elias em minha casa, leia aqui, aqui e aqui. Elias está sempre dando suas assessorias em casas de viúvas, foi exatamente assim que nasceu este blogue, o que você pode conferir aqui.

Ele chegou e já foi tirando o lap top da mochila, mochila, lap top, vocês estão vendo não estão, que descolado é o meu profeta? E ele nunca dispensa meu café.

- Filha, andei recomendando você para umas viúvas, uma, na floresta atlântica, e outra, lá para os lados da zona sul de São Paulo, elas procuraram por você?

- Sim, senhor profeta, eu disse servindo café com biscoitinhos, se bem que a amiga da mata atlântica não é viuva, mas é simpatizante da nossa causa. Ela fez este banner aqui para o meu blogue, veja que lindinho...

Nem precisei mostrar, Elias já estava com meu blogue aberto na tela. Ele gostou muito, ficou transado, ele disse.

Transado, falou assim mesmo, não é um gato o meu profeta? Com todo respeito, claro.

- Quanto à outra viúva, a da zona sul, fui até sua casa, e ela dividiu prodigamente sua farinha e seu azeite comigo, venha ver - e o levei ao meu pequeno atelier de trabalho. - É espantoso, profeta, ela tem essas peças para bijuterias há anos, criou seus três filhos fazendo colares e ainda tem peças, e para dividir. Não acabam...

- Elias apenas sorriu...

- Me conta mais, filha, como vão as coisas por aqui? Então eu fui dando a ele a conta de minhas atividades, contei de alguns relacionamentos falidos recentemente, falei também de meu trabalho e de algumas coisas que estou precisando para dar continuidade, ele anotou tudo no lap top e me disse que aguardasse notícias suas. Queixei-me inclusive do teclado do meu PC, que está quebrado.

- Ainda não comprei outro, profeta, porque aprendi a ser mais lenta. De repente sempre aparece alguém que nos ajuda numa solução melhor.

Elias me pediu para ver o teclado, quais teclas estão quebradas, filha? Aqui, senhor profeta, as letras "a" e "o".

Meu profeta me olhou bem nos olhos, um olhar profundo e significativo.

- Você se deu conta, filha, de que são os artigos fundamentais nos relacionamentos? O masculino e o feminino? Sabe, filha, Deus nos manda mensagens de várias formas, porém, quando insistimos em não ouvi-las, Ele em algumas vezes intervém com algum tipo de impedimento ou bloqueio.

- Repense seus relacionamentos, ele disse. Principalmente reveja os equívocos e os ruídos. E pratique mais o silêncio. O seu teclado está pedindo para você parar de teclar nele a torto e a direito... Use mais o lap top que eu lhe dei, salve na pen drive, e só então repasse. (Elias me trouxe um lap top há uns três meses, acabei não contando a vocês) Esse processo, embora aparentemente trabalhoso, agrega um tempo necessário para reflexão, para a autocrítica: - preciso mesmo dizer isso? pergunte-se. Você com isso verá que grande parte de nossas conversas na internet são desnecessárias e podem ser evitadas. De toda palavra fútil proferida, daremos conta a Deus.

Entenderam como são as visitas de Elias? Aprendam com isso, profeta que é profeta de verdade, sempre abençoa tudo por onde passa, com soluções de todo tipo. Desconfie de quem se diz profeta do Senhor e não tem nada a oferecer.

- E quanto aos relacionamentos falidos, filha, deixe o tempo passar. Quem sabe eles não renascem num outro momento, numa amplitude maior, mais verdadeira? Se eram de Deus, renascerão. Se não, não há nada a fazer.

O resto, vocês já sabem, Elias deu boa conta do meu café, dos meus biscoitinhos, recolheu seu lap top, e se dispôs a partir, não sem antes me tascar uma profecia:

- Eis que bons e novos relacionamentos em sua vida jamais acabararão!

Vocês que estão aqui me lendo são a prova disso. E os que ainda virão a ler, também.

domingo, 7 de junho de 2009

A abóbora e eu

Já andei contando por aqui historinhas da minha avó  Luísa, mas conforme já prometido, ainda não contei nenhuma de suas maldades, vovó rogava pragas delivery. Estou criando coragem, acho feio falar coisas feias de quem já partiu, mas ainda conto.

Mas então vou contar alguma de suas maldades domésticas, mais amenas do que as suas pragas, pois vocês podem acreditar, as pragas de vovó eram feias.

Vovó tinha por hábito nos acusar no atacado. Quando algum de nós fazia algo errado, todos levávamos a culpa, foi assim no caso da abóbora.

Eu entrei no quintal de vovó e topei com ela, era uma abóbora linda e imensa. Meu único pecado foi elogiar, vovó, que linda que está a abóbora, não? Fiquei por lá um pouquinho e voltei para minha casa. Pouco tempo depois vovó aparece, em lágrimas. Foi o caso que alguém entrou no quintal e cortou a abóbora, e a deixou lá, cortada junto ao pé. Maldade mesmo. Quem fez isso? Não sei, provavelmente o cramulhão, o demo, o tinhoso, o diogo, o tristonho, o mefisto, o sarnento, aquele que não quer ver ninguem feliz, aquele que veio para roubar, matar e destruir - o príncipe das trevas.

- Veja! disse vovó à minha mãe, veja o que as crianças fizeram, veja o que vocês fizeram, cortaram minha abóbora do pé, ainda não era tempo, vocês são crianças más!

Você já passou pela sensação de ser acusado de algo que nunca fez, e que sequer lhe passou pela cabeça fazer? Logo eu, que amava as plantas da minha avó?

- Quem, vó, eu? Vó, eu jamais...

Foi a minha bobagem, caros amiguinhos e amiguinhas... Naquele tempo eu ainda era bobinha, devia ter ficado quieta debaixo do anonimato da acusação, aquela coisa que todo mundo faz, ainda mais que pesava contra mim o fato de eu ter justamente naquela manhã elogiado a maldita. Aquilo me colocava imediatamente no banco dos réus. E como eu me defendi, só fiz atrair ainda mais a acusação, essa falta de lógica muito comum a acusadores: - foi você sim, só pode ter sido, além de má você é menina, e meninas não prestam!

Meninas não prestam. Cresci ouvindo vovó falando isso. Depois quando a gente cresce e gasta fortunas em terapias, alguns amigos falam nooooossa, que bobeira, gastar dinheiro em terapias...

Como eu não era muito boa em me defender, aliás não sou até hoje, fiz a única coisa que sabia fazer, e que sei fazer até hoje muito bem quando sou acusada injustamente de algo: abri o maior bocão. E com isso, só piorei as coisas. Minha mãe querendo amenizar, achou que era choro de remorso. Vovó, ruim que só a peste, achou que meu choro era medo de apanhar. Não passou pela cabeça de nenhuma das duas que o meu choro era de tristeza pela injustiça daquela acusação. Para mim, muito pior do que ser acusada de ter cortado a abóbora, era a idéia de que passasse pela cabeça da vovó que eu era capaz de cortar a abóbora. Mas como explicar isso no calor de uma acusação absurda, ainda mais quando se é criança na frente de dois adultos?

Não teve jeito, em menos de dez minutos eu estava acusada, julgada e condenada. E até hoje, acreditem vocês, quando alguém lembra a história da abóbora, todos olham para mim dando risada.

Mas aquilo só serviu para me deixar malandra. Pensei com meus botões: - já que de qualquer maneira vovó sempre me acusa, porque então não fazer artes? E foi assim que roubei a tesourinha de unhas dela, uma gracinha, tortinha, eu morria de vontades de ter aquela tesourinha, e eu bem que tinha tentado obtê-la de forma honesta, dá essa tesourinha pra mim vó? não, você não merece, você é má! Ok, vovó querida, a senhora tem razão, eu sou mesmo má, pensei...e a roubei. E como estava roubando, roubei também um lindo ovo de madeira que ela usava para costurar meias. Quando ela veio em casa dar conta do sumiço, eu fiz minha cara de paisagem, cara de nem ligo, cara de não é comigo, cara de não estou nem aí...vovó chorou, praguejou, disse novamente que eu não prestava, e foi embora, mas sem a sua tesourinha, que aliás está comigo até hoje, a tesourinha e o ovo de madeira, dos quais eu gosto muito.

Viram os efeitos da falta de Graça? Pecado. Entendi com vovó o ditado popular "ter fama e não rolar na cama". Levar a culpa e não pecar não tem nenhuma graça, foi a conclusão a que cheguei, e foi graças às acusações da vovó que passei a pensar assim.

Mas já que estou falando em falta de Graça, a acusação de cortar a abóbora de vovó, essa eu nunca perdoei. Afinal, sou menina má, não sou, vó?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Relacionamentos

 Falei em expurgar lixo de gavetas, e me lembrei de lixos mentais, aqueles conceitos velhos e ultrapassados que insistimos em carregar, e pior, até nos orgulhamos deles. Um pastor amigo meu falava em demônios de estimação, eu gostava muito dessa frase.

Carregamos determinadas manias que elas mesmas já estão cansadas de nós, estão pedindo aposentadoria. Querem ouvir uma? É uma frase que ouço demais à minha volta, e o curioso é que as pessoas a utilizam somente quando algo dá errado:

- Eu olho para as pessoas a partir de mim, se eu não faço determinadas coisas, penso que ninguém as fará...

Tipo: eu sou bom em guardar segredos, logo, penso que todos à minha volta também serão...

Perigoso...

Esse pensamento é tão equivocado, mas tão equivocado, que me parece até desnecessário falar dele, mas vamos lá:

As pessoas, e isso inclui você e eu, sempre terão seu momento de vacilo; sempre se pode, em algum momento, praticar algum ato irrefletido. Sempre estamos sujeitos a dar uma ou outra escorregada em assuntos que requerem sigilo, ética, coleguismo, só para citar alguns exemplos. Se você e eu escorregamos, o que o leva a pensar que o seu amigo não escorrega?

E todos, sem exceção, somos imprevisíveis.

Deixar um pensamento ingênuo como esse em stand by, sossegadinho em sua mente é perigo à vista.

Se você dirige veículos, e se dirige veículos no Brasil, sabe que a nossa preocupação maior ao volante é com o outro. Temos de dirigir com um olho no peixe da nossa própria direção, e o outro olho no gato do motorista do lado direito. Do lado esquerdo. Da frente. De trás. Da transversal. Ter foco na nossa direção e ao mesmo tempo na bobagem que o outro motorista poderá fazer. Dirigir nas capitais brasileiras é um exercício que nos ensina muito sobre relacionamentos.

Porque a coisa é bem assim.

Gosto do exemplo de acessos em Bankfone. Há Bancos que exigem várias senhas, além de um tolkien, um dispositivo portátil de senhas. Uma simples verificação de saldos pede uma senha. Uma transação de até um certo valor pede uma outra senha. Transações mais elaboradas pedem um número acessado pelo tolkien. Em outras, mais relevantes, o funcionário pede a confirmação de dados pessoais. E finalmente, há transações que só podem ser feitas pelo correntista pessoalmente na agência.

Creio ser necessário irmos liberando como que senhas mentalmente às pessoas à nossa volta. Quanto maior a gravidade da informação, maior deverá ser o cuidado envolvido na liberação dela, eu gosto de chamar a isso de confiança controlada. E as senhas são as peneiras da (des)confiança.

Não sei se já lhe aconteceu de ganhar um inimigo do nada, caindo de para-quedas sobre você, uma pessoa que ainda ontem se dizia amiga e que de repente não é mais. Isso acontece muito em ambientes de trabalho, onde as pessoas frequentemente reorganizam suas escolhas a partir de novas circunstâncias. Aí é hora em que colocamos a mão na cabeça, putz! Fulano sabe de mim muito mais do que deveria...

Mas aí a Inês é morta e enterrada. Você já forneceu àquela pessoa, gratuitamente, vasta munição contra você, porque os nossos desabafos e confidências nada mais são do que isso.

- Ah, mas você está dizendo que eu devo sair por aí desconfiando das pessoas?

Isso não é desconfiança, caros amiguinhos e amiguinhas. É prudência.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A bolsa e eu


O que está em cima é como o que está embaixo
O que está embaixo é como o que está em cima
Para juntos fazerem o milagre de uma só coisa
Da Tábua de Esmeralda

Assim na terra como no céuDa oração do pai nosso

Foi na virada do século. Após sucessivos desempregos, a situação das minhas contas estava caótica e eu estava no meu Banco tentando encontrar uma tampa para fechar o ralo, antes que minha vida financeira fosse para o esgoto de vez. Quem me atendia era uma mocinha nervosa e mal humorada, como eu também estaria no lugar dela, se tivesse a mim como cliente. Foi então que ela me pediu um dado, não me lembro qual, acho que um número de contrato, o qual eu trazia anotado não sei onde. Procurei nas agendas, duas, não estavam, passei para a cadernetinha, também não, será que está nos compartimentos da carteira? ou dentro da bolsinha de moedas ou...tirei tudo o que havia na bolsa e fui amontoando aquela bagunça toda sobre a mesa da moça, agora com mais motivos para ficar nervosa. Enfim achei. Um telefone tocou a certa distância, a mocinha se levantou para atender, e aqui um parêntesis.

Tenho atenção periférica, coisa de ex-funcionária de banco. Em qualquer ambiente em que estiver, mesmo conversando com alguém, sempre presto atenção em tudo à minha volta, não só em imagens como sons. Nunca baixo a guarda. Por isso eu notava, enquanto era atendida, uma senhora por ali, vestida em trajes de funcionária de limpeza, e senti que ela estava prestando atenção à conversa. Ela me parecia muito atenta, e estava limpando demais o que já estava limpo. Fecho o parêntesis.

Continuemos. A mocinha se levantou para atender ao telefone e eu reuni minha tralha, mas senti que aquela mulher queria me dizer algo, e eu não me enganei. Ela foi chegando cada vez mais perto de mim, e limpando um computador já limpo, e sem olhar para mim disse:

"Como que você vai colocar sua vida em ordem, "fia", se nem a sua bolsa você consegue arrumar?"

Era uma senhora bem idosa, mulata, de cabelos brancos nas têmporas, lindos olhos pretos. Eu sorri para ela e disse: a senhora tem toda a razão, e muito obrigada. E ela também sorriu e se afastou, foi só.

Mas eu voltei para casa e esvaziei o conteúdo da bolsa na cama, e vou poupá-los não detalhando o excesso de bagunça que ela continha. Era só tralha, muita tralha. Foi ali que eu decidi que daquele dia em diante eu teria uma bolsa organizada, que conteria sempre os mesmos itens básicos, e que em todo final de dia eu a reorganizaria. Faço isso até hoje.

E resolvi colocar o sábio conselho em prática. Se eu quero ordem na minha vida como um todo, pensei, vou começar colocando ordem nas coisas à minha volta, vou fazer aquilo que está ao meu alcance fazer. Levei semanas, mas esvaziei gavetas, caixas e armários, doei quilos de roupas e coisas, e criei vários mecanismos de organização, tanto de contas como de tarefas. Elaborei uma planilha de gastos que uso até hoje, abandonei as agendas, passei a usar um caderno universitário, onde começo todo o dia escrevendo no alto a data e o dia da semana, e uso canetas azul para assuntos pessoais, vermelha para assuntos profissionais e às vezes marcador de texto para destacar algo. Reviso o caderno no final do dia e anoto o que vou fazer no dia seguinte. Agendas convencionais comigo não funcionam, minha letra é enorme e espaçosa. Por segurança, trabalho em paralelo com a agenda do computador, mas prefiro muito mais o meu caderno, até porquê caderno não dá pau.

E aquilo me contagiou de maneira muito produtiva. Até hoje, se encontro um botão no chão de casa, ao invés de me livrar dele colocando num vasinho qualquer, saio com ele na mão atrás da caixinha de guardar botões. E faço isso com clipes, tampinhas de caneta e toda essa miríade de coisinhas que fazem parte do nosso mundo.

Colocando as coisas à minha volta no seu lugar certo, penso, quem sabe um dia eu não encontre o meu lugar certo também.

O que aconteceu foi que após um tempo nem tão longo, minha vida financeira estava totalmente organizada. E sou feliz em dizer que até hoje, mesmo desempregada e com pouquíssimo dinheiro, ainda assim tenho as contas da casa em ordem. As moças dos supermercados sempre riem de mim, quando me vêem colocar aqueles papeluchos de máquina registradora dentro de uma caixinha de plástico, tampá-la cuidadosamente e colocar na bolsa. Papeizinhos de compras e de bancos voando pelos meus bolsos, bolsa e carteiras, nunca mais.

É pena que não perguntei o nome da sábia senhora, isso foi num bairro muito distante de onde moro, nunca mais a vi. Mas fiquei devendo a ela essa pérola: se você quer determinada solução em sua vida, comece praticando de algum ponto, mesmo que de forma simbólica, comece de onde está mais fácil começar. Na maioria das vezes não está na nossa mão assim tão facilmente a organização da vida financeira, então, comece organizando gavetas.

E essa lógica me vale, por analogia, para todas as demais situações. Fazer no mundo físico aquilo que quero ver acontecer no mundo das idéias, para mim é uma boa forma de colocar a vida no andamento.

Por conta desse processo todo senti que até a minha mente ficou mais organizada.