quinta-feira, 12 de março de 2009

A tangerina roxa...FINAL

 12 - FINAL
Então chegou a hora de virmos embora, e eu temia muito a despedida, achei que teria uma nova crise de choro convulso. Sabia que não veria Rowena nunca mais, e gostaria de ter as palavras corretas de agradecimento, palavras que não me vinham.

- Se as palavras não vêm, Betinha, é porque não há necessidade delas. Você acha mesmo que Rowena precisa de palavras? Era Lidia falando. Era manhã bem cedo, e nós duas repassávamos tudo o que tínhamos vivenciado ali.

Tínhamos visto os tais seres vindos do espaço? Como os concebíamos? A resposta era não. Mas tínhamos caminhado na senda do sobrenatural, ou do invisível, ou do inexplicável? Sim, a resposta era sim.

Estávamos nisso quando a menina Liliana entrou, e disse que Rowena me chamava para a despedida.

Inexplicavelmente, eu que sou tão agitada e ansiosa, fui ao encontro dela tranquilamente.

Conversamos por quase uma hora. Divertida, Rowena relembrou minha chegada, atarantada, sem saber qual o enigma e qual a atitude a ser tomada para entrar lá dentro, eu tinha até me esquecido daquilo. Mas ela me disse que houvera uma grande torcida, da parte de todos, para que eu fizesse a coisa certa, vocês devem se lembrar que eu idealizei quase que sem querer um ato de partilha, com as frutas. Ela me disse que com aquela simples atitude eu recebera deles o Sim para ficar.

Não pude deixar de pensar que na certa deveria existir uma câmera por ali junto ao portão, e no momento exato em que pensei isso cruzei meu olhar com Rowena, que me devolveu um sorriso misterioso.

Chegava a hora do abraço. Nos levantamos, mas ela disse que tinha duas informações muitíssimo importantes.

- Você é capaz de decorar estas palavras? perguntou ela, e recitou algo num idioma desconhecido. Não era difícil, aprendi na hora. Você não irá esquecer, jamais, promete? insistiu ela. Tente relembrar de tempos em tempos, é muito importante. Se alguém, em algum momento de sua vida, vier até você e lhe disser estas palavras, refugie-se, com todos aqueles que lhe são caros, desde que os consiga convencer, neste lugar aqui - e apontou um lugar no mapa mundi, e deu-me o nome do lugar, e para satisfazer em parte a curiosidade de vocês, posso dizer que é no Uruguay.

- A segunda informação, disse ela, é a seguinte: nunca deixe, em hipótese alguma, que gravem em qualquer parte de seu corpo um código de barras. É muito importante isso, entendeu? Em hipótese alguma.

O recado está dado leitores. Mas procurem transcender. Nada é para ser levado ao pé da letra.

Chegou finalmente a hora do abraço, e eu não chorei, embora tenha sido um momento de fortíssima emoção. O abraço durou longo tempo, e eu não queria ser a primeira a separá-lo. Por mim eu estaria abraçada à ela até hoje. Mas ela o separou, finalmente.

Ela não foi comigo até a porta, ficou em pé no centro da sala. Quando eu me virei para vê-la pela última vez, notei que sua roupa era rosa e lilás, com bordados em roxo, mas quando entrei...eu...eu poderia jurar que era amarelo alaranjada...

Na viagem de volta Lidia e eu não tínhamos outro assunto. Mesmo esgotadas, não parávamos de falar. Até que finalmente desembarcamos, e chegou o nosso momento de nos separarmos. Lidia iria para sua cidade de trem, eu, que morava mais perto dali, de taxi, então eu a levei até a estação. No nosso abraço de despedida, Lidia disse: sempre lembrarei com emoção do momento de minha chegada, daquelas lindas parreiras carregadas de uvas...e entrou no trem, sem que me desse tempo de falar, como? parreiras, uvas? mas eram pés de tangerinas...

Aquele foi o último momento em que estive com Lidia, daquela viagem em diante aconteceram inúmeros fatos, muitas dificuldades e desencontros, de ambos os lados, que nos separaram até hoje. Nunca consegui dizer para ela que onde ela viu uvas roxas, eu vi tangerinas amarelas...Qual de nós estaria certa?...

De recordação eu tenho um vidro com perfume que nunca usei. Também nunca usei o vestido alaranjado, com franjas douradas e desenhos em batik. Pretendo usá-los em um momento que me seja especial, como a formatura do meu filho.

Ou talvez no lançamento da versão ampliada desta história, caso algum abençoado editor maluco numa sorte dessas que às vezes acontece passe por aqui, e resolva pagar para ver. Milagres acontecem, esta história que acabo de contar é uma prova disso.

Para
Atilio Avancini
Lídia Zózima Sampaio
Rosa Koshiba e
Rolf Gelewski - em memória