quinta-feira, 9 de julho de 2009

Vinde vê-lo passar

 Nada como uma boa historinha da vovó Maria Luíza, nada como uma boa trança de pão doce, para restituir o bom-mocismo do meu blogue, que confesso anda meio abalado. As histórias da vovó têm duas vantagens, a primeira é que sempre vêm com final feliz. A segunda é que são de baixo orçamento.

Então como o orçamento é baixo, vamos pegar aqui uma choupana, um casebre rude, este está bom. Chão de terra batida, vocês sabem o que é chão de terra batida?

Aqui na cozinha vamos colocar uma mesa de madeira tosca, um pequeno armário para louças e mantimentos, poucos mantimentos. Sobre a mesa vamos colocar uma toalha axadrezada, talvez um pouco desbotada, mas limpa. Coloquemos sobre a mesa uma bilha com água, e uma canequinha. No canto um enegrecido fogão à lenha, e na parede, pendurado, um lampião à querosene. Se na parede vocês quiserem colocar um quadrinho onde se lê Deus é Amor, também podem.

Em volta da vovó vamos colocar seis crianças, ou melhor, cinco, porque uma delas, uma menina, está doente na cama no quarto ao lado, e é com esse cenário pronto que a nossa história começa.

Não havia mais remédio caseiro ou mezinha que resolvesse, a menina estava com febre altíssima, e dinheiro vocês já sabem que não existe em histórias de baixo orçamento. Então vovó lançou mão de sua especialidade número um: oração. Feita a oração, e não havendo nada mesmo a fazer, ela foi para a cozinha preparar a refeição para as demais crianças. Enquanto trabalhava, começou a cantar um hino.

Há ainda alguém esperando
Para Jesus encontrar?
Venha, não mais se demore
Cristo vai hoje passar
Ei-lo de mãos estendidas
Cheio de Graça sem par
Oh! que ventura inaudita
Cristo vai hoje passar.

Quem passou foi um pastor presbiteriano, que entrou na casa atraído pelo canto. Naquele tempo os crentes eram em pouco número, então eles gostavam de se conhecer.

- Dá licença, bom dia, que bom, não sabia que existiam crentes por essas bandas...

O homem entrou e vovó o recebeu no cenário que nós montamos, creio que a conversa foi breve. Naqueles tempos, não era costume os homens se demorarem numa casa onde o esposo não estava, vovô estava na roça.

- Dona Maria Luíza, reúna as suas crianças, antes de ir embora gostaria de orar por elas.

Vovó reuniu as cinco crianças, nada dizendo sobre a menina acamada, e aqui uma explicação: minha avó jamais se queixava. Fosse qual fosse a sua dificuldade, ela nunca falava dela a estranhos. Minha mãe herdou essa qualidade, e eu, como vocês já estão cansados de saber, não.

Mas terminada a oração o bom homem insistiu: - Fora essas crianças não há nenhuma outra?

Cristo vai hoje passar
Passar, passar...
E vem de amor transbordando
Todos a si convidando
O Mestre vai hoje passar
Oh, sim, Ele vai passar!

Só então vovó falou da menina doente, e o conduziu ao quarto. O pastor entrou, viu a menina, e saiu sem dizer nada.

Ele voltou dali a quarenta minutos em um carro, e levou a menina para a Santa Casa de Misericórdia a tempo de ela receber os cuidados necessários. Era febre amarela, ela seguramente teria morrido.

E tudo por conta de um cântico.

A menina que se recuperou, cresceu e se tornou uma linda e delicada moça, uma maravilhosa mulher, era minha tia Amélia, já falei muito dela para vocês aqui. Ela foi uma mulher abençoada, que encantou a todos por onde passou, falou de Jesus para muitas crianças, ajudou muitas pessoas, inclusive e muito a mim.

Inclusive e muito a mim.

Não é de hoje que Elias ronda em torno de nossa história.