sábado, 25 de outubro de 2008

Com açúcar, com afeto

 Vovó Maria Luíza  era ruim que só a peste!

Essa frase está na boca de todos nós os seus descendentes. Vovó faleceu aos noventa e quatro anos, morreu de velhice, dormiu e não acordou mais. Morreu em santa paz.

Quanto à frase acima, não se assuste com ela. Vovó Maria Luiza saiu deste mundo aquecida pelo nosso amor e pelos nossos cuidados. Eu a amava muito, mas não modifico a frase:

Ela era ruim que só a peste.

Eu poderia contar muitas de suas ruindades, mas acho melhor contar que ela guardava em si um estranho paradoxo: na mesma facilidade com que amaldiçoava uma pessoa, a outras abençoava. E tanto suas bênçãos como suas maldições se cumpriam, e com rapidez espantosa. Eu já presenciei uma de suas maldições se cumprir em coisa de poucos meses. Para abreviar a história, direi que um certo sujeito que se atravessou no seu caminho morreu totalmente paralítico. E isso saiu de sua boca.

Então não vou perder tempo falando de suas ruindades, pularei essa parte e irei direto para sua parte boa: as bênçãos, as orações, até porque essas histórias as pessoas gostam mais de ouvir, principalmente os crentes. Vamos a história, e saiba que é apenas uma de uma série, tenho uma porção de histórias incríveis como essa para contar de minha avó:

Foi em Jaú, interior de São Paulo. Havia uma crise no fornecimento de açúcar, isso foi há muito tempo atrás. Essa história chegou a mim contada pelos parentes, eu não era nem projeto. Açúcar havia, mas os usineiros estavam estocando o produto para alcançar um preço melhor, ou deixando de produzir, não sei bem, porque o que sei é que açúcar estocado muito tempo vira pedra. Não entendo bem essa parte. O que sei é que minha avó e outras mulheres do povoado já estavam usando balas para adoçar o café das crianças.

Então vovó resolveu enfrentar o problema com sua especialidade número um: joelhos no chão. Aqui um parêntese: cresci ouvindo vovó falar de seus joelhos no chão, ela fazia a gente passar a mão nos seus joelhos, para constatar que ali existiam calos. Calos de oração! E o engraçado disso tudo é que ela tinha calos no joelho mesmo.

Então ela fez uma oração. Eu posso imaginar que foi uma oração bem rápida, minha avó era uma mulher prática, e não ia ficar gastando muito tempo num assunto que afinal Deus conhecia melhor que ela. E ela tinha a roça para cultivar, casa para arrumar, filhos para cuidar, deve ter sido uma oração bem sumária.

Terminada a oração ela disse ao meu avô : - vá a rua, que Deus está mandando açúcar para nós. E era assim mesmo que ela falava quando acabava de fazer uma oração.

Vovô pegou seu chapéu de palha e saiu. Como não fazia idéia do lugar em que Deus iria agir, ficou andando a esmo. Passou um caminhão.

Meu avô não sabia, mas vocês que estão lendo saberão antes dele: o caminhão vinha abarrotado de açúcar. Talvez os usineiros estivessem fazendo uma de suas retiradas estratégicas do produto. O caminhão vinha com sua carga escondida por lonas, fortemente amarradas. O que vovô contava, é que numa curva malfeita, num sulco da estrada de terra, isso ele não se lembrava muito bem, o caminhão deu uma tombada feia, quase se desequilibrou, mas enfim se aprumou e seguiu seu destino.

Mas nessa virada deixou cair sacas e sacas de açúcar.

Vovô voltou correndo e avisou a todos. O açúcar era bastante para toda a população daquele pequeno povoado. Todos vieram com suas vasilhas. Tinha açúcar para todo mundo.

Vovó Maria Luísa conta que encheu várias vasilhas e panelas com açúcar, o bastante para enfrentar toda aquela crise de abastecimento.

Isso de panelas cheias através de milagres é coisa antiga na minha história, não é mesmo?

Era Elias, já ensaiando os passos para chegar até mim.