terça-feira, 16 de setembro de 2008

A carta roubada ou a lupa

 


A carta roubada é um conto de Edgar Allan Poe. Conta a história do misterioso desaparecimento de uma carta, como o próprio nome sugere, e que foi desvendado por um jovem perspicaz chamado Dupin. Não vou contar a história porque não é o que tenho em mente, mas sugiro que a leia, porque é muito interessante, como tudo o mais que esse escritor produziu.

Apenas quero contar que no desenlace da história, o jovem fala de uma certa brincadeira que devia ser moda entre as crianças daquele tempo, que consistia em se acercarem de um mapa mundi, e uma delas sugeria o nome de uma localidade, para que as demais procurassem. As crianças pouco acostumadas ao jogo, dizia Dupin, escolhiam um nome bem pequenininho num cantinho do mapa. Já as mais experientes, sabiam que difícil mesmo é localizar uma palavra que ocupa grande espaço no mapa, como por exemplo: E – U – R – O – P – A, escrito em letras grandes e destacadas. Confesso que quando criança já brinquei disso com meu irmão, e eu era a criança bobinha que escolhia um nome pequenininho no mapa.

Foi baseado nessa lógica que ele encontrou a tal carta, que não estava em nenhum lugar minuciosamente oculto da casa do suposto ladrão, mas negligentemente exposta...num porta cartas! bem no nariz de toda a equipe policial, que tinha virado e revirado a casa do tal sujeito sem nada encontrar.

Estou revisitando algum tema de que já tratei aqui, talvez, mas enerva-me muito ver pessoas procurando Deus de lupa em punho, como a desastrada polícia francesa da história de Poe. Restringindo Sua majestade e presença a pregações, versículos, estrofes de hinos, frases de estímulo e de efeito. Idas a igreja e reuniões de oração. Fazem muito disso os evangélicos. Aprisionaram Deus em seus ajuntamentos religiosos, manuais de conduta, cânticos, chavões e fórmulas; duro será tirar o Deus deles dali. Duro será explicar para essas pessoas que a vastidão divina não pode jamais ser aprisionada, mesmo que a intenção seja louvável, e com certeza a de muitos é. Ou os espíritas, igualmente bem intencionados, que afirmam que Deus está no pobre que se visita, agasalha e alimenta. E assim também todas as práticas devocionais de todas as demais crenças. Todos estão certos, e todos estão errados, no meu modesto entender. Quero deixar claro que nada tenho contra práticas de cultos ou devoções de qualquer espécie, a não ser a partir do momento em que elas vedam os olhos dos praticantes a toda e qualquer manifestação divina que venha ocorrer fora dos seus círculos, e é justamente isso que ocorre o tempo todo.

Um dia contarei para vocês a história de Lidia Zózima, e o quanto essa pessoa influenciou a minha. Quando vocês entram aqui e elogiam alguma coisa que digo, na verdade é a ela que estão elogiando, e ela por sua vez diria que estão engrandecendo sim a Deus, e eu concordo. Uma vez, quando me queixava que um amigo fumava em demasia, e eu receava que aquilo pudesse comprometer seriamente sua saúde ela me disse: Bete! Tudo é sagrado. Ele está comungando com o Divino de alguma forma. Porque Deus é guerra e paz!

Aquele pensamento me assustava deveras, a mim, uma devota crente metodista, não fumante convicta e que sempre se esforçou para viver com temperança e fidelidade às regras. Demorou muito para que eu entendesse a profundidade do pensamento de minha professora de teatro, pois era essa sua profissão. Hoje vejo todos comungando à minha volta, como por exemplo a absurda bailarina da não menos absurda dança da moda, aquela, a que exibe despudoradamente seu corpo numa dança provocante e sensual. Só para dar um exemplo qualquer.

Caminhando na direção dos seus infernos, diria a Lídia, com relação à mesma dançarina que a tantos enerva, ela está de alguma forma caminhando na direção de Deus. E cada um escolhe o caminho que quiser, Jesus é Senhor de todos eles... Seriam as palavras dela, parece que até a vejo falando.

Não peço a você que concorde de primeira com tudo o que acabo de dizer, até porque eu mesma demorei anos e anos. Apenas peço que pense. Mas para pensar nisso tudo dessa forma, há que se deixar de lado as lupas.