terça-feira, 9 de setembro de 2008

Funiculi, Funiculà

A bela repórter de longos cabelos lisos exibia uma matéria que só eu já vi umas cinqüenta vezes: numa região rural da Itália, uma típica família - a nona, a mamma, o pacote todo - reunidos para um almoço de domingo, com aquelas comidas que todo mundo já sabe. Eu gostaria de ser produtora desses programas de variedades só para dar sugestões novas para essa moçada, é incrível a falta de imaginação desse povo, ou o medo de inovar, quem sabe, é, acho que é isso mesmo, o medo de arriscar. Mas lá estava eu, passando (perdendo?) tempo em frente da tevê, enquanto a moça de cabelos lisos se esforçava para aparentar naturalidade, exibindo toda aquela comezaína:

- Nooooossa, massa feita em casa? Vejam gente, típico macarrão da mamma...E a farinha é da Região!

- Geeeeeeeente, olha esse caldeirão de molho!! E exibia um enorme caldeirão borbulhante, até a tampa, de puro molho de tomates. Tomates da plantação!

- Veeeeeeeejam, vinho obtido de uvas da própria plantação! E esse cordeiro com ervas, também, é daqui mesmo! continuava encantada a jornalista brasileira, como se estivesse dando uma matéria jamais vista por olhos brasileiros.

E a Bete, já começando a se enervar com aquela bobajada, estava era calculando quanto sairia um almoço daqueles aqui no Brasil, e concluiu que seria algo mais ou menos como o seu salário do mês. De dezembro, claro, junto com as férias e o décimo terceiro.

Foi então que meu filho interrompeu meus cálculos, com a seguinte petição:

- Bete, vi lá no armário uma latinha de atum, você não que fazer um macarrão para mim? não há nada para jantar...

Mãe levanta, mãe vai até o armário, mãe pega de lá os seguintes ingredientes, a saber: meio pacote de macarrão industrializado, feito sabe Deus como e com que ingredientes. Um pacotinho de molho pronto, seguramente feito de tomates velhos, sei disso de primeira mão, já conheci funcionários de fábrica de molho de tomates. E uma latinha de atum que não daria ao atum quando vivo motivo nenhum de se orgulhar, e essa frase não é minha não, é de Dickens, adaptada.

E enquanto transformava esse misturado de conservantes e corantes em algo comestível, falava com o Paizinho:

- Ô Deus! Eu me sinto péssima de só poder oferecer ao meu filho essa mistureba artificial. Como eu gostaria, Paizinho, que ele provasse o tal cordeiro criado em casa, com ervas, algo assim, cheiroso, saboroso, mas hoje...é só isso mesmo... Então para amenizar coloquei no molho uns raminhos de coentro e cebolinhas que encontrei já meio murchos na geladeira, e um fio de azeite. Tinha azeite. Enfim, levei o pratinho para ele.

Voltei para lavar a louça pensando na ironia daquilo tudo – a região exibida na reportagem era justamente a do pai do meu filho, aquele, o cafajeste, o que largou a gente aqui. Frosinone. Talvez, a poucos quilômetros dali, enquanto a afetada jornalista rodava a matéria, a família coisa e tal estava também reunida em volta de uma mesa semelhante, comendo uma comida semelhante, e talvez cantando uma cançoneta boba semelhante àquela que o povo cantava para fechar a matéria. Tudo o que o meu filho também teria direito de usufruir se...

- Bete! Tem mais?

Uia! E não é que ele gostou?

É...um dia talvez eu deva iniciar uma plantaçãozinha de tomates, nem que seja numa caixinha no quintal, pensei, enquanto levava mais para ele.


E talvez eu deva também, qualquer dia desses, tomar um avião. Ir até Frosinone ou o raio que o parta, olhar bem para a cara do Domenico e dizer: olha aqui seu... bem...o discurso completo eu ainda não sei, ou talvez saiba os palavrões, mas estes prefiro não publicar aqui.