domingo, 21 de setembro de 2008

Ariel

 Então eu estava lavando minhas roupas no sábado. Gosto de aproveitar a solidão desse momento para repassar mentalmente os acontecimentos da semana. Lembrei que tinha uma pendência a acertar com Deus, um ato falho cometido lá pelo meio da semana. Comecei: - Então, Jesus, o caso é o seguinte:

Fui interrompida pelo delicado toque de dedinhos no meu ombro esquerdo. Olhei para trás e era a minha consciência. Minha consciência como eu gosta de vestir preto, mas não usa óculos e nem tinge ou corta os cabelos. Trazia uma longa trança toda branca caída delicadamente sobre o ombro direito. Enguli em seco. Nossos encontros não costumam ser nada confortáveis.

- Então você está aí, confessando seus pecadinhos?

- Sim, é que esta semana eu... Ela me interrompeu:

- Não estou nada interessada em seus ridículos pecados, disse ela. Quero que me responda uma simples perguntinha: esta semana você não escreveu lá no seu bloque, que não suporta pessoas que reincidem nas mesmas falhas, mas que estão sempre, com a maior cara de pau, pedindo desculpas?

- Veja bem, é que...

- Responda a minha pergunta: você escreveu ou não escreveu?

- Sim, respondi, esfregando freneticamente uma meia, sabendo o que viria a seguir.

- Então isso quer dizer que os mesmos erros que você abomina nos outros, você comete deslavadamente com o seu amado Mestre, aquele, de quem você vive proclamando aos quatro ventos amar de paixão? Que amor heim?

Eu continuava esfregando a meia que já começava a desfiar. Quero que saiba, continuou ela, que você é má, cínica, desavergonhada mesmo. E hipócrita.

Se vocês pensam que minha consciência grita comigo, enganam-se. Sua voz é mansa, rouca, quase um sussurro, por isso mesmo incomoda tanto.

Ela se postou ao meu lado, encostando-se ao tanque, e falou suavemente na minha orelha direita:

- Esse seu ato de confissão, continuou ela, não é um ato de contrição, mas sim uma tentativa desavergonhada, de procurar uma parceria com Jesus, isso para o caso de suas trapaças serem descobertas. Porque falar mal de pessoas tudo bem para você, não é mesmo? O problema é ser descoberta. Porque aí como fica a imagem de meiguice, candura e bom-mocismo que você construiu para enganar os outros? Você pensa que engana quem? Além de reincidir nos mesmos erros, você tenta escondê-los, socá-los como você faz com suas roupas, numa tentativa inútil de enganar a Deus!

Minha consciência sabe que, pelas manhãs, para deixar meu quarto com aparência de organizado, eu jogo no armário cobertor, edredon, roupas sujas, bolsas e tralhas, tranco a porta e vou trabalhar.

- E ainda posa de boazinha se confessando! Ora, francamente!...

Uma lágrima quente pingou sobre minha fria mão molhada. Quis dizer qualquer coisa, mas minha consciência se foi numa bolha de sabão, deixando no ar um leve cheiro de sabão em pó e amaciante de roupas.

Terminei de pendurar minhas blusas e meias, corri ao meu quarto, tranquei a porta e sentei sobre a cama, cobrindo a cabeça com o edredon. Uma cabaninha. E foi ali, em silêncio, que pedi perdão a Jesus. Não pelos meus ridículos e reincidentes pecadinhos. Mas pela minha hipocrisia, para com Ele e para com o próximo. Pela minha dissimulação e cara de pau. E principalmente pela mania insana de ficar procurando nos outros os erros que estão lá, todos bem socadinhos, dentro de mim.