quarta-feira, 30 de julho de 2008

A sopa de pedra





 
Chega de comida em forno microondas, já que Elias sumiu, precisamos apelar. Vou dar uma receita para vocês, de sopa de pedra.

Chame os amigos. Leve todos para a cozinha. Lá você já terá preparado um enorme panelão fervente de água e sal, com uma pedra bem bonita no fundo. Você precisa garantir para eles que dará certo, que você já fez, que a pedra amolece.

Das duas uma: ou seus amigos vão achar que você não está bem da cabeça, ou vão aderir à brincadeira. Ou ambos. Uma coisa, porém é certa: começarão a chover palpites.

- Esta sopa não está pedindo um macarrãozinho do tipo ave-maria? Você tem?

Sim, macarrãozinho você tem. Você tem também umas cebolas e uns tomates...

- Ia bem umas cenouras, você tem, deixa que eu corto... - já diz alguém colocando mãos à obra. Você dá as cenouras e também uns chuchus.

- Eu descasco as batatas!

- Batatas não tem, você diz.

- Não tem importância, lá em casa tem bastante. Benhê! Dá um pulinho lá em casa e traz umas batatas? Lá se vai o Benhê.

- Eu vou aqui do lado em casa buscar umas mandioquinhas, adoro mandioquinhas na sopa....- desaparece alguém.

- Ei, porquê você está tirando a casca do chuchu? A casca tem vitaminas. Pessoal, o que vocês acham, chuchu com casca ou sem casca? Eleição entre a mulherada, chuchu sem casca vence. É mais elegante.

- Gente, essa sopa está pedindo calquinor, você tem calquinor? Calquinor é caldo de carne Knorr, devo essa a Adélia Prado. Sim, “calquinor” você tem.

- Puxa, porque eu não lembrei – diz a esposa do Benhê. Lá em casa tem mais de um quilo de asinhas de frango...

- Deixa, que eu queria mesmo ir lá em casa buscar uma linguicinha, passo lá a tempo de pegar o Benhê saindo, essa fala é do Txutxuko, a esposa dele na verdade já tinha dado umas cutucadas nele pra ele ir buscá-las.

Nesse meio tempo alguém achou que a sopa estava a pedir uns bons pedaços de carne de músculo, para dar reforço e sabor, e já ia saindo comprar, quando você diz: carne de músculo eu tenho!

Chegam as mandioquinhas, a Txutxuka já ia colocando todas de uma vez no panelão. Não! diz uma casada mais experiente, a mandioquinha cozinha rápido, ela irá desaparecer na sopa. Ah, mas fica gostoso, diz a Txutxuka. Início de discussão. Discussão saudável, mas você precisa moderar:

- Vamos fazer assim: metade entra agora, para incorporar o caldo, e a outra metade entra no final, para quem gostar de comer a mandioquinha. Todos concordam.

Alguém sugere que a sopa está pedindo ervas: coentro, salsa, cebolinha, e você já vai logo falando que ervas você não tem.

Mas o que não falta na sua reunião é esposa para escalar marido. Momô! diz uma esposa com voz melosa, dá um pulinho lá ...

- Já sei, já sei, já entendi, pega a chave do carro e dirige-se para a porta o Momô.

Enquanto isso a esposa do Benhê está ao celular, tentando saber se ele foi alcançado pelo Txutxuko a tempo de ficar sabendo que era para trazer as asinhas de frango. Só caixa postal, irrita-se ela. Ai esse Benhê viu!

Mas os dois chegam, trouxeram tudo, Benhê ainda ganha um beijinho por ter visto lá uma latinha de milho cozido e uns pedacinhos de bacon e trazido também.

Entram as batatas – atrasadas. E o Txutxuko e o Benhê já iam colocando as asinhas de frango e a lingüiça direto na panela: - Nãããããããão! – gritaria da mulherada.

- Primeiro precisa fritar um pouquinho para pegar cor e gostinho Benhê! fala dando um beijinho nele a esposinha. Uai, pra quê? Porque sim, dêeer! responde a esposinha. Mas ele concorda, e já está fritando as carnes trazidas no bacon que ELE lembrou de trazer, o que faz questão de deixar bem claro.

A esposa do Momô se irrita ao celular. Não, Momô, a caixinha cor de rosa tem sopinha do nenê, é a caixinha azul, embaixo, embaixo, você não está vendo uma caixinha azul? Matinhos? Não, Momô, não é matinho, é o coentro, traz a também a salsinha e a cebolinha! Momô! como não sabe a diferença, traz tudo junto, não importa, traz tudo!

A essa altura você já terá aberto uma garrafa de vinho, e estará distribuindo fatias de pão italiano, e todos estão molhando seus bocados na sopa, em volta do fogão, aquela bagunça. Chegam as ervas. A sopa está quase pronta.


- Gente, essa sopa está pedindo folhas, você tem couve? Nãããão, couve não, essa fala foi dos homens. Mas como as mulheres sempre vencem, alguém já está saindo atrás de repolho. Por conta de uma pequena discussão chegaram no consenso do repolho ao invés da couve, que ia mesmo amargar o gosto.

Enfim, após todo abre e fecha de portas, entra e sai de maridos, campainha que toca, celular que apita, cachorro que escapa, ufa! parece que entraram todos os ingredientes.

Algum detalhista, provavelmente um homem, dirá que a sopa está pedindo um fio de azeite. Outro detalhista, seguramente uma mulher, dirá que “sopa sem queijinho ralado e pão torradinho picadinho não é sopa”. Ela já ia escalando o Kuti Kuti pra ir buscar, mas você intervém, e diz afinando a voz:

- Queijinho raladinho e pãozinho torradinho eu tenho! Aplausos e vaias ao mesmo tempo.

Então você joga a pedra fora e serve a sopa. Viu, como a pedra amoleceu?

Nada de sopeiras, é panelão no centro da mesa mesmo. E cada um se serve.

- CADA UM SE SERVE!!! São os homens, implicando com o Kuti Kuti, que está sendo servido pela gentil esposinha.

- Ah, gente, é carinho, vocês precisam entender, explica a esposinha dando um beijo de biquinho em Kuti Kuti. Esqueci de dizer que eles são recém casados.

- A gente veio aqui pra comer ou pra conversar?!?

- Hummmmmmm.......Booooommmmm.....

São nesses momentos que a gente entende o porquê de a celebração máxima da fé cristã ser justamente uma ceia...