quarta-feira, 6 de maio de 2009

A minha oração

Quando eu era adolescente e não existia, claro, Internet, as mensagens, aquelas que o povo hoje adora circular através de power point, circulavam de mão em mão. Nós as meninas tínhamos os tais caderninhos de mensagens fofas, já falei deles aqui. E havia dentre elas uma que falava algo como “obrigado Senhor por meus braços que trabalham quando há tantos mutilados”, alguma bobagem desse tipo.

Naquele tempo meu pensamento estava longe de ser formado, e eu também não era boa em verbalizar opiniões. Algo no texto me incomodava, isso bem lá no fundo, mas eu não sabia ao certo o porquê, e a coisa ficou assim. Não pensei mais no assunto

Quando jovem, em estudos bíblicos e reuniões com outros jovens cristãos, e em contato com nossos orientadores, o tema foi retomado, e logo vimos que a oração cristã tinha de ter um rumo inclusivo, ao contrário daquela, que nos colocava como melhores que os desfavorecidos. Que uma oração do tipo obrigado Senhor porque eu tenho alimento, longe de confortar, deveria nos envergonhar.

Passei a fazer orações do tipo Senhor tenha misericórdia dos famintos, ao invés de apenas agradecer pela refeição, isso no tempo em que eu fazia orações regularmente.

Mas o tempo foi passando e eu me perguntava: Orar Deus tenha misericórdia não é uma frase absurda, pedir para que Deus seja algo que Ele essencialmente é, e isso eu suplicando ou não? Senhor, seja o Senhor mesmo. Meio desnecessário, não?

O tempo passou.

O tempo passou e eu virei mãe, e mães fazem preces pelos filhos, acredito que em qualquer religião, em qualquer lugar do planeta, e eu não era diferente. Senhor, guarde o meu filho.

Mas e os outros filhos?

Eu ficava deitada à noite, nas primeiras vezes em que meu menino se aventurou para fora dos meus meridianos, tentando captar todo e qualquer barulhinho da rua, e pensando que naquela imensa escuridão, na imensa cidade, em algum lugar estava meu filho passeando e se divertindo. E pedia, Senhor Jesus, traga meu filho são e salvo para casa.

Quando ouvia o maravilhoso som do portão se abrindo, murmurava Graças a Deus. Mas não conseguia deixar de pensar que algum filho ou filha em algum lugar, não voltaria. Alguma mãe, naquele momento mesmo em que eu agradecia, estava recebendo um filho morto para velar. Nenhuma dessas mulheres era em nada diferente de mim, e esse pensamento me assustava, me assusta até este exato momento em que aqui escrevo.

Orar me assusta.

Quando oro, ainda hoje, Senhor traz meu filho de volta para casa, num apêndice, num segundo fôlego, no momento hipócrita da oração por assim dizer, acrescento, como para fazer bonito para Deus: e os outros jovens que estão por aí, pela noite, também. Digo que é um momento hipócrita porque sei que Deus sabe que na minha oração, o foco mesmo é o meu filho.

Mas sei que mesmo assim, algum deles jamais voltará. Penso que mesmo que todas as mães de todos os jovens nesse mesmo momento estejam orando comigo, talvez, mesmo assim, algum deles jamais irá voltar. E como todas as mães perante Deus são iguais, esse filho pode ser o meu.

Orar me assusta.Evoca a precariedade dos meus sentimentos ante a precariedade da minha existência.
Então às vezes oro Senhor tenha misericórdia de mim que ainda não entendi o que é uma oração, que não sei orar, e que muitas vezes preciso abdicar de meu intelecto, para apenas e tão somente orar.

Porque na tibieza de minha fé ainda preciso suplicar que tenha misericórdia de mim. Ainda preciso, misericórdia, Senhor.