domingo, 17 de maio de 2009

O marco zero e eu

 Vocês se lembram do moço bonito por quem eu andava suspirando aqui pelos cantos deste blogue? Pensaram que o caso tinha caído no esquecimento? Não caiu não, o caso continua, de uma forma meio acanhada, mas continua. Não rolou nenhum romance, mas acabamos ficando amigos, de uma certa forma. Recebi uma mensagem dele na semana passada, se vocês tiverem algo urgente para fazer como botar o gato para fora, ou o cachorro para dentro, apagar a luz da sala ou dar uma passada no banheiro vão lá que eu espero. Nesse meio tempo vou copiando a mensagem para transcrever na íntegra aqui, eu não escondo nada dos meus queridos leitores.

Cara Bete

Estarei em São Paulo no próximo sábado. Como não sei de tuas distâncias, achei que seria bom encontrar-te no marco zero da Praça da Sé.

O que achas?

O que eu acho? Eu acho elegante demais ser tratada na segunda pessoa do singular do presente do indicativo. E então ele não sabe das minhas distâncias?... Está certo, meu querido, das minhas distâncias sei eu...

Claro que concordei, e claro também que eu decorei a mensagem. Eu a recebi numa segunda, isso significa que eu fui de segunda a sábado relembrando, cara Bete. Cara é uma palavra preciosa demais, e como eu sei que ele é coerente no uso nas palavras, tenho certeza de que essa forma de tratamento não veio apenas do hábito.

Cara Bete...

Bom, vamos aos detalhes práticos. Estar toda linda, ou o mais possível próximo disso, na Praça da Sé no sábado à tarde significava tingir as raízes brancas na sexta, com um tubo de tinta que guardo para emergências desse tipo. Lavar a blusinha preta justinha que me deixa mais magra. Levantar cedo no sábado e me aprontar muito antes da hora. Como uso óculos, faço sempre uma boa maquilagem ao redor dos olhos, mas só. Uma discretíssima camada de blush, afinal, tenho minha morenice ao meu favor. Uma também discreta e finíssima camada de batom, homens não gostam de batom, anotem isso meninas. Uma mulher deve usar batom exagerado apenas quando quer causar impressão, mas não num encontro. Ah, as balinhas de menta. Nada de perfume, afinal ele não é um namorado, melhor usar apenas um creminho perfumado suave.

E lá estava eu. Como cheguei muito antes da hora marcada, comecei a ensaiar discurso, eu tenho mania de ensaiar discurso. Anotei mentalmente para não falar do tempo, é que quando estou nervosa eu falo do tempo sem parar. Também não perguntar se ele fez boa viagem, a esse tipo de pergunta as pessoas respondem invariavelmente com um sim, voltando a deixa para nós no mesmo momento.

Já sei, vou perguntar o que ele veio fazer em São Paulo, você está louca? Homens detestam mulheres inquisidoras, deixa que isso ele fala normalmente ao longo da conversa. Melhor algo delicado assim como, veja, São Paulo se enfeitou especialmente para você, e era verdade, a tarde estava linda, nem quente demais nem fria demais, no ponto. Ou algo simples como bom te ver? Ou estava morrendo de saudades?

Cadê o moço? Ahhhh, ali, no metrô, eu reconheceria aquele passo de militar reformado a quilômetros, e aquela jaqueta jeans, então? Ele deve ter nascido com ela, se eu pudesse dava uma jaqueta nova para ele...

Já vinha de longe sorrindo, não caminhei ao seu encontro não, queria abraçar meu amigo no marco zero de São Paulo, minha emoção carece dessas liturgias. Trocar um abraço num lugar assim tão central, não parece que se está mais na mira de Deus?

O abraço. Sempre que alguém me abraça, seja homem ou mulher, eu me pergunto: quem de nós irá separar o abraço primeiro? Ele separou, mas ficou com o rosto bem pertinho do meu, com um sorriso no olhar e sem dizer nada, ainda bem que me lembrei das balinhas de menta. Me deu um selinho nos lábios.

Você quer provar um doce árabe, tem um lugarzinho ótimo aqui, eu me vi perguntando, e me dando conta de que aquela fala não constava em nenhum dos meus discursos, ou talvez constasse sim, no discurso sempiterno da mania da minha preocupação com a alimentaçao das pessoas.

Só se tiver café também ele disse, e me deu a mão para atravessarmos a rua.