sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Muito prazer


Há um programa de tevê passando por aí, em que o ator Luís Salém  interpreta o divertido Betânio, um baiano dividido. De um lado ele está sempre louco para abandonar a barulhenta e festeira Bahia, mas de outro lado ele não consegue deixar de ir à última festa do momento, e com isso então ele nunca consegue partir.

A festa em questão é sempre organizada por uma tal Dondinha, ou Ritinha, ou Cininha, que por sua vez é afilhada de Belinha, e essa é prima irmã de Kekinha e a lista é sempre grande, e sempre assim, no diminutivo e recorrendo a parentescos.

Sou filha de pai baiano e dou risada, porque as referências dadas por parentes são sempre assim. O baiano não existe isolado, ele existe sempre vinculado a um grande parentesco.

A pessoa enquanto não se casa é da mãe dela, sempre da mãe, nunca do pai. Depois de casada, passa a ser do cônjuge, e isso vale para ambos os sexos.

Se fosse lá, eu seria Betinha de Marininha. Se eu me casasse com o moço bonito de olhos bonitos (suspiros) eu seria Betinha de Moço Bonitinho. Eles usam na maioria das vezes a preposição “de”.

Se os nomes forem comuns, como João, Maria, José, então a recorrência é maior, vai até chegar num nome ou local limitante, um divisor de águas, veja este poema de João Cabral de Melo Neto:

O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias...
..........................................................
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
(Morte e Vida Severina)

Aqui em São Paulo noto que essa necessidade de fixar parentesco nas apresentações se perde um pouco, pelo menos na mocidade, alcançando a gente talvez lá pela meia idade.

As crianças, os adolescentes e os jovens recorrem uns aos outros, ou ao local onde moram, ao colégio, faculdade, academia, lugares comuns.

- O Mateus, o que anda sempre com o Thiago, da esquina lá de cima...

- A Fernanda, aquela do salão de beleza...

- Alô, aqui é o Rodrigo, da academia.

Os adultos se identificam pelo ofício, pela empresa em que trabalham e também pelos lugares comuns.

- Oi, aqui é o João, pintor. Que esteve ontem com você no bar do Antonio.

Pelo tipo físico:

- Aquela magrinha, a Joana, que trabalha no Banco.

Pelo temperamento:

- A Bete, aquela chata, esnobe, de óculos...

Também pela conduta:

- Aquela loira, gordinha, que dá bola pra tudo quanto é homem...

Escapam disso os que tem nomes diferentes, apelidos originais, personalidades fortes ou tudo isso junto. Minha mãe não precisa jamais explicar quem é ela, e eu a invejo ao telefone. Oi, aqui é a Marina! Dona de um nome pouco comum, uma bela voz e uma personalidade forte, o resultado é sempre um oi Marina!! do outro lado da linha, e isso mesmo quando ela liga para alguém que não vê há anos e anos.

Aqui no blogue eu já fui confundida por um leitor apressado como viúva de Elias, gostei tanto que não desfiz o equívoco, Bete de Elias, taí, gostei... Sim, no norte as pessoas costumam pertencer também aos seus defuntos, como você viu no poema.

Então vocês já sabem, se eu ligar para suas casas direi: Aqui é a Bete, a que faz pães, a de Elias. Creio que assim ficará fácil.

E enquanto existir o moço bonito de olhos bonitos sempre haverá a esperança de essa apresentação mudar.