quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Loucura real

Quando você vem aqui ler minhas coisas, quero que fique claro que são escritas pela ótica de uma viúva padeira, que realmente utiliza restinhos de ingredientes para fazer sua massa, ou seja, não sou especialista em nada. Ciência é o que você não encontrará aqui.

Isto posto, quero que venha comigo e me ajude neste pensamento, meu pão de hoje.

O nosso cérebro possui informações sobre todo o nosso entorno, armazenadas desde o nosso nascimento. Qualquer evento ou objeto alvo de nossa atenção, receberá do cérebro imediatamente um OK, por assim dizer, algo como: sim, isso procede.

Se eu ofereço a você um objeto, você somente o pegará de minha mão se o seu cérebro der uma autorização. O disco rígido do seu cérebro processa a informação visual, e bate com a que ele tem armazenada e responde, sim, você conhece isso. E esse processo, claro, se dá num átimo de tempo, menos que isso, um nanotempo, nem sei se essa palavra existe.

Acredito que mesmo o cérebro de uma pessoa desinformada em questões de ciência, traz os conceitos de animal, vegetal ou mineral. Se oferecermos a uma pessoa um objeto que o seu cérebro não consiga encaixar numa dessas três categorias ela nem o toca!

Creio que se fôssemos expostos a esses monstros de filmes de Spielberg, cairíamos fulminados de susto. Nosso sistema nervoso não está preparado para ver uma imagem que o cérebro não identifica.

Aconteceu comigo: eu voltava de ônibus para casa, à janelinha, lá fora era crepúsculo, aquele lusco-fusco onde as figuras são difusas; o ônibus estava sobre um viaduto. Ao lado, naquela passarela destinada a pedestres, rapidamente vi um ser rastejante, como uma imensa centopéia escura, e o que seriam as patas daquele bicho se agitavam de forma desigual. Meu coração deu um pulo de susto. Creio que meu cérebro ficou procurando em seus registros o que era aquilo, e não batia com nenhuma informação armazenada. Tudo isso, claro, se passou num rápido espaço de tempo, menos de três segundos, eu diria. Até que forçando a vista, vi que era uma fila de meninas uniformizadas em trajes escuros, que levantavam e abaixavam os braços. Então meu cérebro se conformou com a imagem, e tudo se encaixou.

Também aconteceu no metrô. Havia no vagão que eu ocupava um rapaz portando uma prancha de surfe. Prancha de surfe no metrô não é imagem comum a cérebros paulistas. Meu cérebro talvez cansado do dia de trabalho ficou parado numa espécie de hiato de tempo pensando: o quê é isso? Até que finalmente tudo se encaixou, meu cérebro reconheceu o objeto, a sensação é de puro alívio. Tudo se dá num tempo incrivelmente rápido, mas é uma sensação ótima. Fico imaginando o que aconteceria se uma pessoa não conseguisse reconhecer um objeto ou situação, creio que seria algo de enlouquecer um ser humano.

Se você quiser me entender melhor, pense naquela sensação incômoda que é não lembrar um nome, uma palavra, um fato. A mente fica vazia, não fica?

Você me acompanhou até aqui? Então pense na seguinte situação: uma criança pequena, que ainda não tem conceito nenhum de sexualidade, sendo exposta a esse tipo de situação. Vendo ou vivenciando algo que seu cérebro não reconhece. Recebendo uma informação destacada de todo o seu contexto sensorial. Sem a maturidade necessária para apreender o que está sendo vivenciado ou visto.

Não seria de enlouquecer? Sim, e eu diria mais: um enlouquecimento pior do que o enlouquecimento do adulto, porque o adulto, recebendo uma informação descontextualizada, em algum lugar dentro de si sabe disso. A criança não tem nem o referencial para saber que está vendo algo anacrônico. É uma loucura vazia, que a acompanhará para sempre, irrecuperavelmente.