sábado, 9 de agosto de 2008

A espiriteira


A Alice do país do pensamento me lembrou dos tempos em que faltava gás, na minha infância. Minha mãe não se apertava: ela pegava uma tabuinha, fixava três ou quatro pregos, e ali encaixava uma latinha com querosene. E assim preparava as nossas refeições.

Ela chamava a isso de espiriteira.

Então o pão de hoje será de espiriteira. Vocês estão sentindo a queda do nível? forno – forno microondas – espiriteira... Só falta eu vir de garrafa térmica, e é só uma questão de tempo...

Mas vamos à historinha: Há alguns anos atrás houve uma crise no abastecimento de gás engarrafado, faltou gás por toda parte. Eu trabalhava num Banco, e junto com muitos funcionários, levava refeições de casa, as tais marmitas.

Com a falta do gás, nenhum dos funcionários se abalou, era uma moçada muito animada e extrovertida, e cada um se virou a seu modo. Os rapazes passaram a levar as marmitas para aquecer nos bares das redondezas. As moças passaram a trazer de casa refeições que pudessem ser comidas frias: batatas, cenouras, ovos cozidos, saladas enfim. Os mais tranqüilos se viraram com sanduíches.

Eu fiz a minha espiriteira, e com ela fritei deliciosos ovos com presunto e queijo.

Houve um sujeito, porém, que se abalou. Um moço que fazia serviços de segurança, alto, forte, bonito. Ele pediu para usar o meu telefone, eu permiti, e ele começou uma conversa assim com seu superior:

- Vocês precisam me transferir daqui! Aqui não existe gás para esquentar minha marmita, e eu estou sofrendo muito. Um detalhe: chorava. Um marmanjão, forte, bonito, chorando porque não tinha onde esquentar sua comida.

Todos paramos e ficamos olhando para ele. Ninguém disse nada, mas creio que todos pensamos a mesma coisa: que babaca!

Ele conseguiu sua transferência. E dali a poucos dias, o abastecimento de gás foi normalizado. E o babaca foi esquecido, que era o que ele merecia mesmo.

Então é isso. A minha sopinha instantânea está pronta. Enquanto eu coloco queijo ralado e pedacinhos de presunto picado, você fica com a letra de Guilherme Arantes:

Somos tão fatalmente cativos
De dinheiro, padrões e medidas
Que esquecemos de ser criativos
Quando estão em jogo nossas vidas