sábado, 31 de maio de 2008

Vozes solitárias

Um amigo de nossa família, a quem eu chamarei de Antônio, é professor primário, e a sua vida não vai pra frente. Você irá pensar que isso ocorre devido ao seu baixo salário, e eu lhe direi, também, mas não é apenas por isso. A vida de Antônio não vai pra frente, de forma alguma, porque ele ouve vozes. Esse triste fato ele só comenta com as pessoas mais chegadas, ele é nosso amigo antigo, por isso sabemos.

- Antonio, que tipo de vozes? masculinas?femininas? Vozes de todo tipo, ele responde.
- Antonio, essas vozes falam o quê? Elas falam de todo tipo de assunto.
- Destacado? Você identifica os assuntos? Às vezes sim, às vezes não. Na maioria das vezes é um burburinho de vozes.
- Isso ocorre o tempo todo? Sim, o tempo todo.
- E como você acostuma? Não acostumo, ele responde.

Isso me deixa tremendamente penalizada. Procurei nas comunidades de orkut, encontrei algum material sobre o assunto. As opiniões se dividem muito. Tirando aqueles que só estão nas comunidades por farra, encontrei os que se auto intitulam possuídos por demônios, outros que se dizem escolhidos para alguma missão divina só que não sabem qual, os que se acham loucos pura e simplesmente. Os conformados. Os que tomam calmantes.

Tal fenômeno não encontra grande ajuda da ciência. O mais perto de uma explicação científica a que cheguei foi a seguinte: todos nós ouvimos vozes e barulho o dia inteiro, vindos de todos os lados. Essas pessoas, “gravam” esses sons no cérebro, e essa gravação é reproduzida continuamente. Então essas vozes nada mais são do que a reprodução de todas vozes que o individuo tem ouvido ao longo de sua vida.

Uma explicação que não traz nenhum consolo, e muito menos alívio. Se a pessoa for a um psiquiatra, poderá receber receitas de calmantes, a pessoa um tanto mais sonolenta, terá tendências a ouvir menos as tais vozes, mas isso é um paliativo, e tem também o fato de que não se pode ficar sedado o tempo todo.

Em muitas manhãs, coitado, ele está no ponto de ônibus a caminho de um novo dia, quando precisa voltar. Não há como seguir em frente, ele diz, com aquela barulheira toda na cabeça. E mesmo voltar para o seu pobre quartinho de pensão, não traz alívio, as vozes não o deixam. Então a vida dele é essa tristeza. O único conselho que me ocorreu, foi dizer a ele que comprasse um aparelho para ouvir músicas com fone de ouvido. Ao que ele me replicou que isso só complicaria o barulho.

Eu e minha famigerada bipolaridade, amparadas que fomos por alguns artistas que assumiram ou inventaram que tinham essa doença, por achá-la bonitinha, de certa forma recebemos com isso alguma ajuda, pouca, é verdade. Mas eu já posso, pelo menos em roda de amigos íntimos, me queixar. E ainda há remédios, eu não os tomo porque não quero gastar. O Antonio, porém, vive essa doença para a qual não há remédios, de forma solitária; mesmo em nossa família, onde ele é conhecido há mais de trinta anos, ainda há quem o acuse, quem diga que esse mal é culpa dele, que deveria procurar por algum tipo de “oração forte”, ou trocar a igreja adventista, que ele freqüenta há anos, por uma de mais “poder”.

Estou contando este fato porque me lembrei dele a partir de uma visita que o meu blog recebeu do Volney. Ele me falou de pessoas ignorantes que espiritualizam as doenças. O nosso amigo evita comentar os seus sintomas, porque logo aparecerá alguém dizendo que ele está possuído por demônios ou espíritos, e que o pastor tal, ou o terreiro de umbanda tal, ou a mesa branca tal terá a solução.

Então era isso. Pão tirado do forno. Hoje eu quis chamar você para refletir sobre as pessoas que sofrem dessa doença, sem explicação, sem remédio, sem alívio, sem ninguém para compartilhar, e também para refletir sobre essa maneira leviana, que muitos têm, de tratar de um assunto que ignoram. O meu pobre amigo, além de conviver com esse mal, ainda convive com a acusação de que é culpado pela doença que tem. Triste não?

sexta-feira, 30 de maio de 2008

A faxina

Cuidado, olha a barra da calça. Chega um pouco mais pra lá. Aqui, aqui, pisa neste paninho. Sfrecht, sfrecht, sfrecht – eu esfregando o chão do blog . Cuidado, vou jogar água tchááááá. Este cheiro de detergente incomoda? espera que eu vou abrir as janelas!

Geeeeeeeeente, isso aqui estava precisando de uma refrescada! Como é que vocês agüentaram? Alguém pode desligar essa maldita música?! Que música chata, caramba, como vocês não reclamaram? Ivan Lins já fez coisa melhor que isso! Pronto, desliguei, aconselho vocês a fazerem o mesmo, prometo que vou subir algo melhorzinho, porque isso aí ninguém merece.

Pronto! Considerem o blog lavado, escovado, encerado, espanado!

Cruzes, que choradeira! Tinha pingos e pingos de lágrimas no chão, para não falar outra coisa, eca!

Mas acabou. Viram? Vocês tiveram o exemplo ao vivo e em cores do que é a vida de um bipolar, e não foi nada premeditado não, acreditem. É assim mesmo. Chega um momento em que todo buraco é cratera, toda ladeira é montanha, todo impedimento é um conflito internacional.

Como é que eu fui envolver a Lucinha Lins nesta encrenca? Dei uma pesquisada na net, a carreira da mulher segue linda, ela mais linda e loira do que nunca, já esqueceu a vaia no estádio, partiu pra outra, imaginem só, eu tomando as dores da moça décadas depois? Gente, isso é surto, é caso de internação. Envolvi Guilherme Arantes, ressuscitei Ana C., fui atrás de lembranças do século passado, quem está ligando para o moço que consertava bolas de futebol na Praça da República? A propósito, fiquei sabendo que ele voltou para o norte, com o dinheirinho que juntou aqui, aposentou-se, está ótimo.

Mas foi bom toda a vida. Recebi e.mail, recebi poesia, recebi frases bíblicas, houve quem se abalasse de Portugal, e até da Costa do Marfim! (lindo...) para me consolar, ou seja, descobri uma porção de gente nova com quem posso contar, leia-se envolver. Veio até o Volney Faustini, um Faustini, vejam vocês!

Mas prometo que não vou fazer disso um hábito, até porque sei que a paciência de vocês tem limites. A doutora Elizabeth se aposentou? Viva a doutora Elizabeth! Esta Elizabeth aqui segue na lida, estou longe ainda de me aposentar, infelizmente, então vamos em frente, cacos reunidos do chão, casa lavada e arejada, vamos recomeçar.

Então taí. Bete, o retorno. Espero não ter de convocar vocês a qualquer momento em edição extraordinária.




quarta-feira, 28 de maio de 2008

O pão de Ana

 Deus, deixo-te. Não me serves para nada. Com essa profissão de fé ao contrário, Ana Paúcha, a Ana-Não de Agustín Gómez Arcos rompe com Deus. Ana é uma mulher de 75 anos, que perdeu o marido e dois de seus três filhos na revolução espanhola. O mais novo deles, o menino como ela o chama, ainda está vivo numa prisão, no norte da Espanha. Para romper com Deus, Ana foi ao quintal, o que me emocionou. Ela poderia tê-lo feito em qualquer aposento da casa, mas preferiu o quintal, o céu aberto...

Ana então resolve ir ao encontro desse último filho, a pé, atravessando todo seu país, seguindo a linha do trem. É uma viagem derradeira e ela sabe disso, mas isso não a impede de empreendê-la com todas as suas forças. Antes ela limpa toda a casa, e prepara um pão, e esse preparo leva um dia inteiro de trabalho.

“Pega no pacote e apalpa-o, para certificar-se de haver feito um bom nó triplo com as quatro pontas do lenço de seda. O filho a espera. O menino. Foi para ele que confeccionou o pão de amêndoas, untado de azeite, com gosto de anis e bastante açúcar (um bolo, cuidava ela), o derradeiro amassado por suas mãos de mãe”.

Foi Mário Sérgio Cortella quem me abençoou, pela tela da televisão, quando disse que o pecado contra o Espírito Santo, o tal do pecado imperdoável que os pastores tanto utilizam para aterrorizar os fiéis, é um só: deixar de ter esperança. O único algo que um crente jamais deverá fazer.

Ana-Não rompe com Deus mas não rompe com sua esperança, que outra força faria uma mulher de 75 anos atravessar todo um país, ao encontro de um filho aprisionado?

Ao longo da viagem, Ana se depara com a morte em várias facetas. Vê morrer uma cachorra, que tinha sido sua companhia num pedaço da jornada. Lava defuntos. Envolve-se com artistas de circo decadentes. Vê morrer um cego, que também foi sua companhia noutro trecho. Cercada de miséria e morte por todos os lados, Ana caminha, levando sempre o pão consigo: um pão de amêndoas, untado de azeite, com gosto de anis e bastante açúcar (um bolo, dizia ela), fortemente embrulhado e amarrado ao corpo, sob a roupa.

Após longa e cansativa viagem, Ana Paúcha chega ao seu destino, e pergunta pelo filho. Morreu, responde distraidamente o carcereiro. Onde está enterrado senhor? pergunta Ana, engolindo em seco. O carcereiro faz um gesto que significa por aí, em qualquer lugar. Ana agradece e se retira. Ela é educada apenas em respeito à memória do filho morto.

Nos fundos da prisão, cercada de lixo, já sentindo a morte chegando a gelar-lhes as pernas, entre lágrimas de dor e revolta, Ana come aquele pão, a saber: um pão de amêndoas, untado de azeite, com gosto de anis e bastante açúcar (um bolo, ela diria), àquela altura seco e embolorado. Com aquele gosto de morte na boca, Ana realiza sua comunhão definitiva, e sentindo aos poucos o entorpecimento tomar conta do seu ser, tomba para sempre ali.

A quem me perguntou o nome da poeta, agora eu respondo: É Ana, também. Ana Cristina César, ou Ana C. como os amigos a chamavam, saltou para fora da vida no dia 29 de outubro de 1983. Perdeu a esperança, desistiu de ser, deixando para trás uma coleção de belíssimas poesias, e saudades. De um certo modo, ela foi também uma espécie de Ana-Não.





segunda-feira, 26 de maio de 2008

Que fim levaram todas as flores? *






À Elizabeth Klasina Hagenius

Quem sumiu com os cartazes dos cinemas? Eram cartazes pintados à mão, verdadeira arte popular e anônima, muito comuns nos cinemas da Avenida São João. E que fim levaram os cinemas da Avenida São João? acho que devemos perguntar isso ao bispo.

Quem levou o último caminhão com a carroceria de madeira, pintada com arabescos? Deve ter sido o mesmo que levou o papel grosso com que eram feitos os sacos de açúcar União, costurados por um sistema que se abria a um simples puxão. Adorava fazer aquilo. Mas quem os levou, deve ter sido o mesmo sujeito que levou os sacos de papel dos Supermercados Pão de Açúcar, que já está tentando faz tempo levar também os Supermercados Pão de Açúcar.

Que fim levou o sujeito que consertava bolas de futebol na praça da República? Uma sacola de couro era todo o seu estabelecimento, e seu local de comércio, um degrauzinho qualquer. À sua frente, sempre uma fila de rapazinhos. E ele com aquelas agulhas grandonas, dava o show.

Que fim levou o Dá Licença? Um minúsculo corredor que vendia sanduíches de calabresa e sucos? Era impossível acreditar que um estabelecimento tão minúsculo pudesse ser tão freqüentado.

Deve ter sido o mesmo sujeito que levou o coreano que vendia pizzas em fatias no Parque Dom Pedro. A gente chegava e falava moço me dá uma...e já estava com ela na mão, eles a serviam com um papelzinho, engordurava as mãos, ela tombava, era quentíssima, a gente ia caminhando e tentando equilibrá-la, à caminho do colégio. Custava uma unidade monetária, não me perguntem qual.

O sujeito que levou o coreano levou também as pastelarias, verdadeiras maravilhas e verdadeiras moradias de baratas. Essas eu concordo que tenham ido embora, aquilo não dava não, eram um acinte à saúde pública. Mas os pastéis e as esfihas eram tudo de bom. Havia também o caldo de cana, o que me fez formular minha primeira frase sentenciosa: sexo é igual caldo de cana, é nojento, mas a gente gosta. É uma frase grosseira, eu sei, mas eu era jovem, me perdoem. Ainda acho caldo de cana uma maravilha, embora não o tome mais. Realmente é muito duvidoso. Pra falar a verdade, sexo também.

Pensando bem, o caldo de cana não levaram embora, o que levaram, foi o meu sabor sem crítica...

Ainda não levaram os elevadores de gaiola, belezas do século dezenove, que enfeitam alguns prédios antigos. Eles nos dão aquela deliciosa sensação de que os pavimentos estão passando por nós, e não o contrário. E não é tudo relativo? Falando em prédios, também não levaram certas assinaturas, sutilíssimas, nas paredes de edifícios antigos do Centro, gosto de procurar por elas. Nunca encontrei ninguém para me explicar como elas foram feitas, tampouco como se chamam.

Também não levaram o sujeito que conserta panelas e amola facas, e o seu tradicional apito, mas eu acho que a hora dele já deve estar chegando, juntamente com o sujeito que vende uma coisa estranha chamada biju, que nunca comi, ao lado do churrasco grego que não como nem morta. Claro, morta não como mesmo.

Só não levaram o ovo de madeira que vovó Maria Luiza usava para costurar meias, porque eu guardei. Mas não consegui impedir de levarem a vovó Maria Luíza. E o litro de leite Paulista, com a vaquinha e a menininha, também não levaram, porque meu irmão guardou. Somos uma família de saudosistas.

Mas vamos parar por aqui com essa conversa saudosista porque a fila anda, um dia me levarão também.

*Letra de João Ricardo, do Grupo Secos e Molhados.

sábado, 24 de maio de 2008

Farinha real

Mentirinha é o nome de uma fritura feita com massa de pastéis, quando não há recheio para os pastéis. Corta-se a massa em tiras, e frita-se. Pode-se colocar por cima um pouco de queijo ralado. Apenas para sermos didáticos: queijo ralado para quem não sabe, é uma coisa inventada para pobres, com as sobras de queijo deixadas pelos ricos. Quem já entrou num depósito de sucata de queijos, e conheceu os habitantes de quatro patas daquele lugar, não terá muita vontade de continuar a consumi-los. Eu continuo, embora tenha entrado em um depósito desses, lá na Rua da Cantareira, próximo ao Mercado Municipal, já esqueceram que contei que sou curiosa? E vi as tais ratazanas, vi gatos também, a coisa era meio empatada. Mas aqui em casa o que os olhos não vêem o coração não sente, no caso o estômago, e eu já estou fugindo do assunto no primeiro parágrafo. Voltemos. Falava eu das mentirinhas.

Aqui em casa somos especialistas em aproveitar sobras de comida. O lema de nossa cozinha é: o bife de ontem é o picadinho de hoje que será o croquete de amanhã. Daí as mentirinhas, que sempre aparecem na nossa mesa nas tardes de sábado, junto com Guaraná Antártica, e é muito gostoso, embora claro, seja engano de estômago de cozinha de gente pobre. Mentirinhas.

Estou abaixo da reserva de minhas forças. Gostaria de tirar a cabeça do pescoço por cinco minutos e guardá-la numa caixinha. Cinco minutos. Tenho um google na cabeça, que não pára, que não pára, que não pára. Não freqüento a doutora desde agosto do ano passado, na minha insanidade, esse dinheirinho poupado serviria para quitar contas. Tudo bem, as contas foram quitadas, mas e agora? Capitulei. Alô, queria marcar uma consulta com a doutora Elizabeth? A doutora Elizabeth se aposentou. Foi tão de sopetão, que eu apenas disse ah, obrigada...e desliguei.

Mas meu coração entrou em picos altos. E agora? Como? O que eu faço? Eu não ia na doutora mas sabia que ela estava lá, e isso já me reconfortava.

Passado um tempo minha inteligência se apresentou. Se ela se aposentou, ela precisa passar minhas fichas a alguém, mesmo que esse alguém seja um desgraçado de um psiquiatra desinfeliz lá do posto de saúde cinza. Então segunda feira irei lá, argumentar, e só a idéia de ter de ir a algum lugar mendigar sobras, me leva à náusea desde já. Mentirinhas com queijo de rato.

Ela levou quinze minutos de vaias e xingamentos, não, agora estou falando de Lucinha Lins. Precisou o Guilherme Arantes intervir, entrar no palco, ficar ao lado dela. A moça, que tinha uma bela voz cristalina, não agradou ao público com sua magnífica Purpurina. Dali pra frente pouco se ouviu falar de Lucinha Lins como cantora, creio que essa experiência a marcou profundamente, e não seria pra menos, um maracanazinho de vaias.

A sala dela tinha uma parede inteira forrada de quebra cabeças, agora estou falando da doutora. Lindo. Tinha a Mona Lisa, enorme. Tinha Veneza. Tinha a Torre Eiffel, tinha Viena. Um sofazinho forrado com uma linda colcha de retalhos, uma janela de folhas que se abria para uma parede coberta de hera...Ela tinha uns 65 anos, era bonita, não parecia médica, parecia gente...

E agora, o que vai ser de mim?

Ela era filha de metodistas, agora estou falando da poetisa. Ao contrário de minha família, metodistas cultos. Foram eles que fundaram a Confederação Evangélica, Confederação Evangélica é uma coisa que não existe mais. Seus pais foram exilados, só gente culta era exilada. Passaram o exílio na Inglaterra, só gente culta passava o exílio na Inglaterra. Voltou de lá cheia de poesias lindas na cabeça. Só gente culta transforma a loucura em lindas poesias.

Quero me safar, quero me safar, acho que vou a um safári. Dizem que as aparências enganam, desenganada estou.

Não, não vou citar o nome da moça, também isso não tem importância nenhuma, ela já está morta mesmo. Suicidou-se.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Farinha emprestada

Da esquerda para a direita: meu marido Sérgio Otávio, uma bênção de Deus na minha vida. A seguir o meu primogênito Otávio Augusto, (ele está no último ano de engenharia!!!), a do meio Vitória Gabrielle, ela toca piano com perfeição, esses cabelos loiros são da mamãe rsrs, e o caçula Alessandro Miguel, esses olhos verdes são do papai...ele sonha em estudar medicina...

Amo minha família, minha linda casa, acho que nem mereço toda essa felicidade. Veja aqui a nossa ameixeira, as ameixas já estão maduras, querem? rsrsrs...

Esta é nossa cachorra Fedra, nós a amamos. Esse é Petrus nosso gato, não é fofo?

Esta é nossa linda casa, este é o recanto que mais gosto, costumo fazer minhas orações neste jardinzinho nos finais de tarde. Veja o Sérgio na churrasqueira, ele não leva o menor jeito rsrs...

Essa foi nossa viagem de férias a Ilha de Porto das Perdizes do Bananal da Ajuda, o carro deu problemas na estrada, o Sérgio bem que tentou dar uma de mecânico mas o que nos salvou mesmo foi o socorro da seguradora. Abençoado seguro rsrs... No final tudo deu certo, Deus é fiel!

Esta sou eu pronta para fazer minha caminhada matinal. Todas as manhãs percorro nosso lindo bairro arborizado, e enquanto vou caminhando e ouvindo o canto dos pássaros, e sentindo a fresca brisa matinal, agradeço a Deus pelas bênçãos que Ele me proporciona, e que eu posso ver e sentir, em cada árvore, cada folhinha que balança ao vento, cada passarinho que me emociona com seu canto, e sinto em meu coração a felicidade de ter uma família maravilhosa, um companheiro fiel, e meus filhos que são a fonte da maior alegria.

Então termino aqui, agradeço a vocês pelas trinta e seis postagens que me deixaram ontem, que não tive tempo de responder, mas vocês sabem né, é o meu jeitinho de ser rsrsrs... sei que me perdoam.

Então até amanhã, quando terei mais bênçãos para compartilhar.

Não pensem vocês que isso é ironia com os outros blogues, é inveja mesmo.

Mas voltem, prometo que vou comprar farinha, apenas estou esperando a data melhor para usar o cartão de crédito.

II Carta de Bete a São Paulo


Paulo querido. Será que já posso lhe chamar assim? Já são tantos anos lendo suas cartas, não é mesmo? Dizem os que entendem tudo que as suas cartas são universais, que são para todos. Talvez eles estejam certos. Mas por uma insana e inexplicável razão, e explicar aos insanos quem há de? prefiro pensar que são todas escritas para mim. Não acho nenhuma graça em abrir uma carta que você tenha escrito, assim, para todo mundo. Deparo-me, por exemplo, com uma de suas cartas, onde você ensina?sugere?sobre em que devemos pensar. Isso só serve mais uma vez para provar que eu estou certa: para quem mais você escreveria isso? senão para uma mulher que não sabe o que fazer com o próprio pensamento? tudo bem, tudo bem, para não ser tão excessiva em minha mania de grandeza, digamos que admito que é uma carta aos maníaco depressivos.

Eu tenho tentado, segundo sua orientação, pensar em coisas verdadeiras. Só para constatar que estou verdadeiramente enganada a respeito de tudo o que penso. Quando você sugere que pensemos em coisas respeitáveis, eu faço um esforço enorme para parar de pensar em muita coisa à minha volta, a começar por mim. Tudo o que é justo? Aí fica muito difícil, pois acredito que o que melhor se enquadraria seria um tratado matemático. O Discurso do Método, algo assim, daí para mais. Amável? É fácil ser amável quando temos dez pessoas com fome numa sala, e dez pedaços de pão. Nunca testei minha amabilidade em tempos de crise, amado Paulo.

Uma crise, Paulo, revela muita coisa acerca de nós, e isso você sabe melhor que eu.

Tenha paciência comigo, já estou acabando: Virtude é complicado também, acho que se enquadraria na mesma situação. As minha virtudes também nunca foram realmente testadas. Louvor? Isso é com os passarinhos, que cantam para chamar para o acasalamento. Ou quando estão com fome, o que é também muito parecido. Desconheço outra forma de louvor mais sincera que essa.

Então acabei. Nem sei porque escrevi essa carta, acho que é porque nossa conversa tem sido muito unilateral, é, deve ser por isso. Espero ir melhorando meus escritos com o passar do tempo, espero ter coisas mais bonitas aos seus olhos, afinal, são tão belos os seus...

Amo muito tudo isso. Essa frase aí não significa nada não, foi só um arremate. É muito utilizada aqui no nosso tempo numa situação boba que noutra carta eu explico.


 (Filipenses 4 vs 8)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Seus problemas acabaram...

 É uma Kombi velha caindo aos pedaços, aqui em São Paulo chamamos de perua, será que em todo Brasil é assim? Tem um alto falante, coisa mesmo do século passado, músicas desgraçadas de feias, e uma voz anasalada berrando: Padeiro!

Você poderá achar que estou novamente a iniciar uma historinha do século vinte, mas acredite se quiser, é do presente século mesmo, bem presente. Ele anda meio sumido, não aparece sempre: ou tem vasta freguesia, ou anda meio deprimido, porque seu negócio já foi melhor.

Mas eu acredito que ele não tenha do que se queixar não, porque basta um ameaço daquelas músicas medonhas, mais o pregão: padeiro! que a mulherada sai às calçadas. O homem ainda tem o dom de atrair mulheres, vejam só!

Mas ele reclama, diz que já vendeu mais, que os supermercados bacanas e as padarias sofisticadas têm roubado sua freguesia. Eu não digo nada, para não deprimi-lo ainda mais, mas o que tem roubado a sua freguesia na verdade é o dinheiro de plástico. Por conta dele, hoje em dia ninguém mais tem dinheiro de contado no bolso, e o sujeito ainda não usa as maquinetas, as tais que processam os cartões dos eternamente endividados.

A peça de resistência é o pudim de padaria, aquela coisa de cor amarelo caramelada com gosto de nada, talvez um leve gostinho de coco, mas que é irresistível, vai se saber porquê. Aquele pudim que nós jamais conseguiremos fazer em casa. Eu compro logo uns quatro pedaços.

Depois vêm as broas de milho, perfumadas, que me levam a pensar: será que é mesmo perfume de milho ou alguma essência? Sim, porque já foi o tempo em que perfume de comida era perfume de comida mesmo, hoje a gente compra o aroma que quiser nos vidrinhos.

Essas broas eu comprava em algumas tardes de domingo, e levava para as noites de Santa Ceia em minha igreja, era apreciadíssima, sobretudo pelas crianças. Lá em nossa igreja as crianças participavam da cerimônia, era muito agradável, e muito difícil também, porque enquanto o pastor estava ministrando, sério e compenetrado, elas estavam disputando o melhor pedaço da broa.

Depois têm as baguetes, detesto, aquele pão magrinho que gente esnobe gosta muito, não consigo explicar qual a relação entre gente esnobe e pão magrinho, mas é assim que eu sinto, me desculpe se você gostar de pão magrinho e não for esnobe.

E finalmente, mas não menos importante, ela, a dona da perua, a gostosona: Tchan Tchan!!! A VANDERLÉIA!! Que nada mais é do que pão doce com creme amarelo e raspinhas de coco. Como, nada mais é?! Pois a Vanderléia é tudo, tudo de bom, e parece que toda ela está a gritar por um cafezinho. É impossível não olhar para uma Vanderléia sem já ir botando água para ferver providenciando um café, pois comê-la sem o acompanhamento de um café parece algo como um desrespeito. Há que se respeitar a loira! E esquecer que ela é uma afronta à nossa cintura, afinal, o padeiro não há de passar novamente tão cedo, então comamos e bebamos pois amanhã iniciaremos um regime.

Então taí! Pedido de leitor é pra ser atendido asinha, é pra sair rapidinho do meu forno.

Pra você, meu gato! E pra todos os demais também, claro, a Vanderléia dá pra todos, com perdão do trocadilho.

Err...não tinha coco...

terça-feira, 20 de maio de 2008

Os neuróticos anônimos



“Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos, e sabedoria para distinguir umas das outras”.

Fui levada a conhecer o NA –Neuróticos Anônimos pela minha amiga Beatriz. Os grupos de NA geralmente se reúnem nos fundos de alguma igreja católica, mas aquele funcionava nas dependências de um teatro municipal.

Ela não teve dificuldade alguma em me levar até lá, porque sempre fui receptiva a todo tipo de ajuda e terapia, e sempre fui curiosa também, creio já ter dito isso aqui.

Era um grupo formado por umas doze pessoas, mas soube que pode variar para mais ou para menos, com pessoas de ambos os sexos e de várias idades. Ninguém é obrigado a dar seu nome verdadeiro. Existe uma pessoa que dirige a reunião, que não é de forma alguma uma pessoa mais gabaritada, apenas um participante mais antigo, e que orienta o grupo baseado apenas nas próprias regras do grupo, ou seja, ele não dá palpite. Digo isso porque já fiz análise em grupo, que é algo totalmente diferente. No grupo de análise, há um psicólogo, que intervém, que exerce liderança. E os componentes interrompem as falas uns dos outros, embora pelas regras não deveriam fazê-lo.

No NA não, no NA essa regra é seguida à risca. Ninguém interrompe, de forma alguma. A pessoa que visita pela primeira vez pode ser a primeira a falar, se quiser, e o tempo dela será maior, creio que vinte minutos. O estreante também terá seu nome anotado num caderninho, e receberá após o término da reunião uma ficha verde e uma salva de palmas, uma cerimônia singela para ajudá-lo a ingressar nesse caminho, a ficha verde para lembrá-lo de que ele é um neurótico em busca de ajuda.

Toda reunião começa com a oração da serenidade acima. A literatura utilizada é a mesma dos Alcoólicos Anônimos, a começar da oração, passando pelos 12 passos, e os 7 lemas. Vale a pena conhecê-los, estão no site do NA.

Após lida a Oração da Serenidade, o dirigente da mesa dá início aos trabalhos, que eles chamam de sala, convidando a qualquer um que queira a começar a falar. Em alguns casos, após lida a oração, o dirigente também pode propor a leitura de algum material desses que eu já citei, e pedir uma reflexão em cima, mas sempre aberto livremente a quem quiser participar. Uma vez que alguém começa a falar, como eu já disse, o silêncio é total, não existem apartes. Tudo o que poderá ocorrer são sorrisos de aquiescência, simpatia ou alguma expressão de consternação, se a pessoa estiver narrando algo triste. Mas jamais frases do tipo: Você teve coragem? Você fez isso? Você é louco! Coisas que existem nos grupos de terapia convencionais.

Quando estiver chegando perto dos quinze minutos permitidos, o dirigente levanta uma cartelinha, avisando que a pessoa tem apenas 3 minutos, a seguir outra cartelinha, de 1 minuto, e a participação daquela pessoa encerra aí. O próximo a falar, pode até pegar um gancho na fala anterior, para seguir com a sua, mas jamais comentará o que foi dito, com as suas opiniões. Há também a possibilidade de se participar apenas na condição de ouvinte.

Quando a Beatriz me levou à sala, ela me disse que o interessante do NA é que tudo o que é dito ali, é dito a Deus. Em algumas salas, existe até uma cadeira que fica vazia, representando a presença divina. Eles orientam a busca de Deus na maneira como O concebemos, ou seja, vale a religião e a fé de cada um. Mas o que ela disse é verdadeiro, sim. Uma decisão tomada numa sala de NA, tem um peso muito maior do que uma decisão tomada fora, existe uma presença sagrada ali. No NA também encontramos parceiros de sofrimento. Identificamos, no meio da multidão, pessoas que estão sofrendo como nós. O problema do doente emocional, é ele achar que está sozinho em sua dor, que ninguém o compreende. Ali é muito comum, ao ouvir o depoimento de alguém, ficarmos pensando: Comigo também! Eu também sinto isso! Há um espaço para um cafezinho, um refrigerante, sempre trazido pelos participantes, e nesse momento, as pessoas se procuram e expressam essas situações: Fulano, incrível, tudo o que você falou se aplica a mim!

Então um ajuda o outro, um esforça o outro, a caminhada não se torna tão difícil, porque as dores são compartilhadas e divididas.

Ali há um compromisso total com o sigilo, mas mesmo assim a pessoa pode, como eu já disse, omitir o seu nome verdadeiro.

Uma característica básica de todos os freqüentadores do NA é a humildade, pois a humildade é justamente o primeiro passo – “Admitimos que éramos impotentes perante nossas emoções – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”. É através dessa humildade, de reconhecer-se impotente, que o indivíduo dará o primeiro passo na direção da cura, ou talvez, de uma vida um tanto mais ajustada no que tange às suas emoções.

Nos momentos de queda, o participante poderá livremente confessá-las, contando com a simpatia e a compreensão dos demais, pois todos os que estão nesse caminho sabem das suas dificuldades. E pode reerguer-se, longe das críticas que normalmente receberia da sociedade. No NA há perdão, compreensão, respeito. Graça.

Eles estão bem representados nas grandes capitais, há telefones no site. Vale também procurar no mesmo site os l2 passos e os 7 lemas, e mesmo que você não possa freqüentar um grupo, tentar pelo menos praticá-los. Se você não sabe se é ou não um neurótico, lá você encontrará um campo intitulado: Sou uma pessoa neurótica? Responda honestamente às perguntas enunciadas ali, e avalie você mesmo. Certa vez indiquei o NA a um colega de trabalho, e ele ficou ofendido. A palavra neurótico não é tida ali com essa conotação pejorativa, sinônimo de pessoa maluca, desregrada, à margem da sociedade, é por isso que é fundamental você dar uma olhada nesse questionário.

Ninguém é obrigado a formar laços de amizade lá dentro, embora essa prática irá ajudar muito, mas isso irá depender do jeito de ser de cada pessoa. O grupo também poderá ter suas datas comemorativas, como aniversariantes do mês, natal, é muito agradável. A única arrecadação financeira que existe é mínima, solicitada a quem puder contribuir, e sem nenhum tipo de constrangimento, apenas para se pagar os custos da sala, que são poucos, algum rateio de água e luz, alguma fotocópia. A importância arrecadada é imediatamente lançada num caderninho à vista de todos. E existem reuniões administrativas, de tempos em tempos, para serem discutidos assuntos dessa natureza.

Á medida que freqüentamos o NA com assiduidade, passamos a ver que neuróticos são os outros, os que não buscam ajuda.

Confira. Se não for o seu caso, indique a alguém.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Você tomou?

Era uma vez um povoado, onde existia um homem sábio e iluminado, que ouvia a voz de Deus. Certo dia, aquele homem recebeu dos céus uma mensagem de que toda a água daquele lugar estava contaminada, e que ele deveria avisar a todos, para que não bebessem de nenhum poço, nenhum rio, nenhuma nascente. Todo aquele que bebesse das águas daquele lugar, ficaria louco. O homem iluminado saiu avisando a todos, porém ninguém lhe deu ouvidos. Todos beberam das águas, e todos ficaram loucos, menos ele.

Foi então que numa manhã, o sábio acordou, e viu na porta da sua casa uma multidão. Todos estavam munidos de machados, foices e porretes, e pareciam muito zangados.

- Viemos aqui para matá-lo, disse o líder da turba. Você está louco, e por isso precisa morrer. O homem iluminado, que como eu já disse também era sábio, disse que tudo bem, mas que antes de morrer ele só precisava fazer uma coisa, o que lhe foi concedido. Então ele foi até o poço no fundo do quintal e bebeu a água.

Agora deixo com vocês a missão de dizer qual é a moral da história.



domingo, 18 de maio de 2008

Céu


Eu estava assistindo a um filme na TV Cultura, aqueles filmes que a gente nunca sabe o nome, e que sabe que nunca verá novamente. Um filme japonês, de legenda péssima, em letras brancas. Mas o filme mais comovente que já assisti. Infelizmente não guardei sequer o nome, agradeço imensamente se alguém o souber para me passar.

A história se passava no céu, e o céu era uma espécie de repartição pública, cheia de funcionários, muito metódicos e conscienciosos, mas que passavam a idéia de estarem muito cansados.

Era uma central de triagem. Cada pessoa que chegava, era avisada de que tinha um certo tempo, acho que era uma semana, para escolher o momento de sua vida em que tinha sido mais feliz, tinha que ser onde a pessoa tivesse sido completamente feliz. Ela passaria por entrevistas ao longo desse curto prazo. Escolhida a cena, eles, os funcionários, iriam fazer um filme, com base nessa cena. O recém chegado participaria ativamente na gravação desse filme. Uma vez o filme pronto, a pessoa entraria na eternidade, levando consigo única e exclusivamente essa imagem de felicidade, esquecendo todo o resto de sua vida.

A princípio, as pessoas tinham a tendência de escolher alguma imagem recente, como foi o caso de uma mocinha, que escolheu um dia de um passeio a um parque de diversões. Mas ao longo da semana de entrevistas, aquela menina foi descendo várias oitavas, descendo, descendo, até que entre lágrimas se lembrou de uma cena de ternura entre ela e sua mãe, uma cena simples, porém muito importante para ela.

Comovente demais. Enfim, filme mal legendado, televisão de baixa definição, altas horas da noite, foi o pouco que captei.

Mas tratei de procurar a minha lembrança, e a princípio, me comportei exatamente como a mocinha do filme. Pensei que o momento mais feliz de minha vida tinha sido o do nascimento do meu filho. Mas para ser honesta, tive de admitir que embora feliz, o nascimento de uma criança é um momento de tensão, não existe felicidade completa envolvendo a situação, pelo menos eu acho. Então como a menina, eu fui descendo, descendo, descendo...

Era um buraco escavado na terra, a poucos metros de onde eu morava. Eu era a menor do grupo em que estava, que era formado pelo meu irmão e minhas duas primas. Por ser eu muito pequena, eles me deixaram ali, e foram buscar mato e grama para forrar o fundo do buraco, creio eu que para deixá-lo mais confortável, para então brincarmos ali. Eu achei a idéia tremendamente interessante. Então eu ficava no fundo do buraco, enquanto eles se revezavam indo e vindo com o mato e a grama. Minha prima mais velha, vinha com a saia repleta de folhas, e as jogava em cima de mim. E eu ria, ria, recebendo aquelas folhas perfumadas no rosto, e achando aquela brincadeira muito prazerosa.

Simples não? Pois era essa imagem, que eu gostaria de levar comigo para toda eternidade, para todo o sempre. Qual é a sua?

sábado, 17 de maio de 2008

pão-de-gratidão

 - Homem não gosta de mulher de cabelo crespo, pode até ficar com ela um tempo, mas sempre acaba com uma de cabelo liso. Era a Samantha, a quarentona da série Sex and the City, falando às outras três novaiorquinas em uma mesa de bar, a tal mesa de bar da dor de cotovelo, por onde eu mesma já andei muito, não em Nova Iorque, claro.

Continuando, ela explicava: - Lembram do Robert Redford, o Hubbel do filme “Nosso amor de ontem?” Ele não ficou com a ka-ka-Katie (a Katie era meio gaga), ficou com uma moça certinha de cabelos lisinhos. A encrespada Katie era a judia Barbra Streisend. Mesmo ela tendo um filho dele, ele a trocou pela moça de cabelos lisinhos, na versão simplificada de Samantha.

Outra, e desta vez é George Constanza, da hilariante série Seinfeld. Ele está articulando um encontro no escuro, com uma garota amiga de Elaine Benes:

- Elaine, se eu colocar meus dedos entre os cabelos dela, você garante que os meus dedos irão correr? Hahahahaha, era eu na poltrona!

Nunca tive a sensação de dedos masculinos correndo pelos meus cabelos. Encrespada de nascença, eu sempre dava um jeito de pular essa parte, já ia tirando a mão dos moços dos meus cabelos, porque sabia que ia ser difícil para eles encontrarem de novo a mão.

Também passei grande parte de minha vida sem saber da sensação de cabelos balançando ao vento, ou de displicentemente, enfiar os dedos nos cabelos e corrê-los até a ponta. Eu sonhava em fazer isso, morria de inveja das moças que o faziam, dessa simplicidade que o meu encrespamento não permitia. Cabelo crespo a gente não arruma em público, e não penteia, a gente ajeita, amassa daqui, amassa dali, e sai à rua pedindo a Deus para que não tenha vento. Falando em Deus, já considerei também a possibilidade de virar muçulmana, e esquecer o assunto de vez.

Mas eis que no fundo do túnel surge uma luz, uma pessoa maravilhosa, abençoada, iluminada, para quem vai o meu pão desta tarde fria, juntou formol com queratina e...deu certo! Nasceu a escova progressiva, maravilha que literalmente plastifica os cabelos, deixando-os lisos para sempre.

Quando a fiz pela primeira vez, e na primeira lavagem, ao constatar que após usar o secador, o cabelo estava lisinho da silva, quase caí de joelhos! O cabelo liso faz até barulhinho, nunca tinha ouvido aquele barulhinho. E correr os dedos pelos cabelos então! Na frente de qualquer um, no ônibus, no trem, no escritório, ai, que felicidade!

Se essa maravilha tivesse entrado em minha vida há uns trinta anos atrás, até minha história teria sido outra. E não venham me falar que o cabelo crespo é natural, é bonito, que eu devo ser fiel às minhas raízes, e essa bobajada toda. Sou fiel às minhas raízes. Tanto que as retoco, uma vez por mês.

Só ficou faltando então a sensação dos dedos masculinos percorrendo os meus cabelos, e isso é o que está mais difícil ultimamente.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O enfrentamento



Esta manhã conversei rapidamente pelo MSN com uma colega de trabalho, que está afastada por doença, depressão. Ela não estava nada bem, tomando remédios fortes, fazendo sessões de análise, e pelo pouco que conversamos, senti que estava profundamente deprimida. Não havia nada que eu pudesse fazer ou falar num chat de bate papo, portanto disse apenas que oraria por ela, o que realmente fiz.

Conheço a depressão, convivo com meus processos depressivos, e estou ciente de que a depressão é uma doença, e como tal deve ser tratada. Mas existe um enfrentamento que deve ser feito pelo paciente, algo que depende apenas dele e de mais ninguém.

Se eu me deixasse levar pelos meus quadros depressivos, eu não sairia da cama em muitas manhãs, o que até chego a fazer em alguns finais de semana, poucos, felizmente. Mas quando isso acontece, e o domingo está terminando, eu me atiro debaixo do chuveiro, na seqüência arrumo os cabelos, unhas, sobrancelhas, e decreto o meu retorno à vida. Não o faço somente por responsabilidade perante o meu trabalho, mas por responsabilidade comigo mesma.

É um perigo perder o controle sobre esse tipo de situação, creio que em alguns casos é possível não haver volta, porque a depressão se alimenta dela mesma.

No primeiro e único afastamento que tive do trabalho, devido a uma fase aguda de minha doença, em dado momento da licença, creio que ao final de um mês de afastamento, eu fui ao setor de perícias do governo e disse que queria retornar. A cabeça ainda estava tonta de tantos medicamentos, eu me sentia confusa, e sem ânimo algum para enfrentar o trabalho e seus costumeiros problemas. Mas retornei. Na seqüência perdi o emprego, não existe simpatia do empregador para funcionários que retornam de afastamentos dessa natureza. Mas demonstrei coragem para enfrentar a vida, mesmo com minhas limitações, e isso para mim foi o mais importante. Aquele emprego não me merecia. Se eu tivesse prorrogado a minha licença por mais tempo, talvez não o tivesse perdido, mas teria perdido o valioso aprendizado que foi esse, o de enfrentar os meus retornos com coragem, apesar de todas as dificuldades.

Depressão é uma doença sim, mas que deve ser enfrentada, jamais cultivada.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O anjo do telhado


Falei abaixo sobre anjo da guarda, e me lembrei de uma historinha doméstica. Eu era pequena e estava pelos cantos da casa, ouvindo as conversas dos adultos, e titia Julieta era quem dava a notícia. Antes preciso contar que minha tia Julieta era uma cristã piedosa, e desde que chegamos àquele bairro, ela se pôs a fazer caridade e a falar de Jesus para todo mundo que conhecia, principalmente para a vizinha da casa ao lado. Falou muito, mas nada de aquela senhora querer saber de Jesus. Passado algum tempo, aquela vizinha veio falar com ela. E era sobre isso que titia vinha contar. A senhora a procurou e disse:

- Dona Julieta, quando a senhora chegou aqui falando de Jesus, eu tinha muita raiva da senhora, porque detesto crentes. Então fui ao centro de Umbanda, e encomendei um terrível trabalho de feitiçaria, para lhe prejudicar e até matar. Passado um tempo, voltei lá para saber da minha encomenda. Então aquelas entidades responderam que na sua casa eles não conseguiram entrar, porque a senhora lia muito a bíblia, e fazia muitas orações. Então eu vim aqui porque quero aceitar esse Jesus.

Amo esta história, e nem quero entrar na discussão se feitiçaria existe ou não existe, se pega ou se não pega, até porque eu não acredito no mal como uma verdade em si, antes como ausência do bem.

Mas gosto especialmente dela, e a utilizo quando alguém vem me falar de fórmulas para se repreender o mal, como mantras evangélicos, salmo 91, orações de poder do irmão tal, campanhas e cruzadas de oração, óleos bentos e amuletos de todo o tipo.

Gosto de contar a história da simplicidade na prática do bem de minha tia Julieta. Não existe ao meu ver nada melhor para se repreender o mal, do que viver no bem, no amor a Deus, ao próximo e na caridade.

Mas este sundae tem cereja. No ano passado, numa quente madrugada de verão, às três horas da manhã, titia Julieta que devido à idade pratica confusos horários, estava ao tanque lavando roupas. Naquele exato momento, o teto do quarto dela veio abaixo, incluso madeiramentos, partindo ao meio a cama onde ela deveria estar deitada.

Êta proteçãozinha boa heim?

Titia Julieta, que mora comigo, tem 95 anos, é lúcida, tem uma saúde excelente, e ainda lê a bíblia e faz orações, todos os dias.



terça-feira, 13 de maio de 2008

O anjo passageiro

 
Então eu estava no ônibus elétrico, a caminho de uma entrevista de emprego. O desemprego já estava tão caracterizado em minha situação, que eu tinha até uma roupa que eu chamava de roupa de entrevista. Era um terninho cor de pelo de rato. Eu levava uma pasta elegante, que continha minha agenda, meus currículos e minha calculadora HP. Como eu tinha cabelos compridos e crespos, eu tinha enrolado bobes à noite para deixá-los um pouco mais amansadinhos. Naquele tempo ainda não tinha sido inventada a bênção chamada escova progressiva. E para arrematar eu estava usando um perfuminho barato do Boticário, aqueles que só perfumam na hora que a gente os coloca.

É incrível como nas entrevistas, é preciso passar uma imagem de alguém que não está precisando do emprego. Uma vez, e também nessa terrível temporada, eu fui a uma entrevista com as unhas descascando, pois eu tive que tomar uma decisão: ou arrumava as unhas ou ia à entrevista, ambos eu não conseguiria fazer com o dinheiro que tinha. Então o psicólogo que me entrevistou olhou com desprezo para as minhas unhas, e não me classificou. Bom, pode ser que ele tenha me desclassificado por outro motivo, meu currículo nunca foi lá essas coisas. Mas eu estou fugindo do assunto, de novo.

Então lá estava eu, no ônibus elétrico, toda arrumadinha e cheirosa, a caminho da entrevista. Eu conseguira o penúltimo lugar vago na condução, e graças a Deus, pois a viagem seria longa. Então se assentou ao meu lado uma jovem mãe, tendo ao colo um bebezinho que já assentava. Naquele mesmo instante, eu ouvi uma voz que falou assim: Atenção, atenção, atenção! Assim mesmo, três vezes.

Imediatamente eu me levantei e fiquei em pé no corredor. Até hoje eu me espanto com a rapidez com que agi, pois eu sou lenta para tomar decisões. No mesmíssimo instante, o bebezinho soltou uma golfada de vômito, e com intensidade tal, que sujou todo o banco e a janela onde eu estivera sentada.

Todos os passageiros próximos sorriram para mim, com admiração e simpatia. E eu fiquei orgulhosa do meu anjo da guarda. Foi uma bela de uma intervenção expressa, ora se foi.

A vaga de emprego? Não, não consegui não.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

A história do lamentador Coriolano


Agora eu vou contar uma historinha singela, e tenho certeza de que você irá gostar. Quem me contou foi minha mãe, aconteceu na cidade em que ela nasceu, Jaú, interior de São Paulo, lá pelos idos da década de 30.

Coriolano passou pelo planeta com uma única missão: chorar os mortos. Ele adivinhava onde eles estavam. Havia em Jaú um centro comercial, e em torno deste um extenso povoado, muitas fazendas e plantações menores. Como a pobreza era grande, morria-se muito. E Coriolano era sempre visto, chorando, andando de um lado para outro, sempre na direção de mortos para prantear.

Quando alguém o via, logo perguntava: Quem foi que morreu, Coriolano? E ele, sempre chorando, respondia: morreu meu irmãozinho, em tal lugar assim assim, e eu estou indo para lá me despedir. Ele sempre chamava os mortos de irmãozinhos. E tão certo como dois e dois são quatro, havia mesmo um defunto lá.

Por conta desse ir e vir, e desse carpir, Coriolano não tinha residência fixa. O povo daquela região gostava dele, o agasalhava e alimentava.

Quando morriam ricos, o cortejo era muito bonito, segundo minha mãe. Isso porque naquele tempo somente os ricos possuíam carros. Então o cortejo era uma profusão de magníficos carros vistosos, coloridos, a criançada saía toda às ruas para ver o enterro passar.

Mas não ocorria aos ricos levarem o Coriolano em algum dos carros. Mas mesmo assim ele ia, era portanto o último que passava. Como ele ia andando, quando chegava ao local do enterro, o defunto já tinha sido carpido, encomendado, enterrado e em alguns casos até esquecido. Ele não se importava com isso, debruçava-se sobre o túmulo recente, e ali chorava, muito mais talvez do que os parentes que lá tinham deixado o morto.

Um dia Coriolano também morreu. E o povo daquele lugar lhe prestou uma justa homenagem, foi um dia de feriado. As crianças não foram à escola, os comerciantes baixaram as portas das lojas, e a emissora de rádio local disse a seu respeito bonitas palavras. E todo aquele povo foi ao seu enterro lamentar.

Lamentar a morte do lamentador Coriolano...

Comovente esta história, não? Eu sabia que vocês iriam gostar.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Profissão de fé



Eu amo a bíblia de paixão, livro que leio desde que aprendi a ler, e que por sinal foi o primeiro que li. Desde muito cedo fui ensinada a aceitar a bíblia como única regra de fé e prática, essa é justamente uma frase amplamente divulgada nos meios cristãos. Por conta disso, sofri inúmeras crises de consciência, porque ouvia na igreja muita coisa do tipo isso pode isso não pode, e as referências bíblicas para tudo isso não batiam. Só para dar um único exemplo eu perguntava: qual é afinal o dia que devemos guardar, o sábado ou o domingo?

Quando eu mencionava certos textos incoerentes com nossas práticas aos meus orientadores espirituais, eles desconversavam, e se esforçavam por me fazer crer que a bíblia era um livro para ser aceito sem questionamentos, pois assim exigia a nossa fé. E assim minha infância passou, veio a adolescência, a juventude, e com ela eu arrumei coisas mais interessantes para fazer, e graças a Deus. Larguei de pensar em questões religiosas, fui fazer faculdade, passear, paquerar, amar e não ser correspondida, dançar, acampar, escrever poesias, assistir shows de rock, freqüentar barzinhos e tomar cerveja, muita cerveja. Sou muito feliz por ter tido uma juventude à saudável distância de Deus como disse a poetisa, porque se eu tivesse ficado em cima daquelas questões de pode não pode, eu hoje seria uma pessoa muito chata, mais ainda do que já sou.

No meio disso tudo bati de frente com Jesus de Nazaré, isso aconteceu na Igreja Batista Pedras Vivas. Foi um encontro muito bom, mas eu fiquei por lá apenas o tempo para me apaixonar e me emocionar com Jesus. Porque lá também se praticava o jogo do proibido. Uma pena. Se o povo evangélico esquecesse um pouco a bíblia, a vivência cristã seria bem mais agradável.

A bíblia é uma linda poesia em forma de narrativa, uma linda história de amor com começo, meio e fim, e por ser um livro sagrado, e eu creio firmemente nisso, é um livro que fala conosco em qualquer tempo. Suas histórias saltam de suas páginas, e vêm de forma desconcertante ao encontro de nossa humanidade. Suas histórias são terríveis, principalmente as do Antigo Testamento, mas são também fascinantes. E tem de tudo, se você nunca a leu, não espere encontrar românticas frases de auto ajuda. Tem irmão assassinando irmão logo na abertura, histórias assombrosas de incesto e abuso sexual que arrepiariam Fátima Bernardes, fogo e enxofre sendo derramado sobre pessoas inocentes, criancinhas sendo assassinadas aos montes, pestes e pragas de todo tipo, supostamente enviadas por Deus, e inclusive, pasme, uma ordem dada pelo próprio Deus a Abraão, para que ele sacrificasse seu único filho Isaque.

As ordens divinas passavam muito longe do que hoje chamaríamos de politicamente correto. Pessoas com doenças de todo tipo não podiam entrar nos templos, embora Deus não tenha ensinado nada sobre a cura dessas doenças. Havia um teste terrível e humilhante para detectar o adultério, adultério feminino, que fique claro. E por falar em mulheres, uma mulher menstruada era considerada impura, e ai daquele que tocasse nela, ou que chegasse mesmo perto de sua sombra. Está na bíblia!

Mas quando nessa mesma bíblia, encontramos Jesus chamando Deus de pai, papai, papaizinho, Abbá, somos levados a crer que não podem ser a mesma divindade. Para mim está claro que o deus do antigo testamento foi criado na cabeça daquele povo, e a mim não convém julgá-los, os tempos eram outros. Aquele povo atribuía pensamentos e atitudes suas ao seu deus, e também o relacionavam a eventos da natureza. O Deus de Jesus é outro, é meigo, carinhoso, misericordioso e perdoador. É papai.

Com ele eu fico, sem reservas. De um deus terrível, irado, caprichoso, arbitrário, cruel, implacável e intolerante, eu não preciso, para isso já tive o meu pai, e creio já ter contado isto aqui.

Claro que eu posso estar errada, quem sabe exista mesmo o tal do juízo final, que eu seja julgada um dia por essa justiça divina, terrível, implacável. Que eu dê de frente com esse Deus, que o Deus do antigo testamento realmente exista.

Mas se eu estiver enganada a respeito de Jesus, se o Jesus que eu amo e se o Deus papai foram somente interpretações erradas minhas, se o Jesus como eu o entendo não estiver contido nesse suposto céu, então eu realmente vou querer o inferno. Eu desejo a Jesus muito mais do que a minha própria salvação. Porque céu sem o misericordioso e perdoador incondicional Abbá, e sem Jesus como eu o imagino, não é céu, é qualquer coisa muito parecida com o que já tenho aqui.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

O infinito royal

Ai está ele! Até que demorou a aparecer, num blog onde se fala de pão o tempo todo. Na verdade eu tinha esperança de que vocês  notassem a falta dele, mas cansei de espreitar minha caixa postal à espera das milhares e milhares de perguntas sobre o porquê de eu falar tanto de pão, e não falar nada de fermento. Até andei dando umas pinceladas, aí abaixo, para estimular a curiosidade de vocês, e achei estranho ninguém ter notado a falta desse tema...Mas deixemos isso de lado, vamos a ela, a história do fermento em pó Royal!

Eu devia ter uns sete ou oito anos, quando tive minha primeira crise existencial, só que naquele tempo eu nem fazia idéia do que era uma crise existencial. Foi de olhar para essa latinha pela primeira vez. Vi que na latinha havia um rótulo, e que o rótulo era outra latinha, deduzi então que na latinha daquele rótulo havia outra, e outra, e outra...

Onde aquilo terminava, perguntava eu? Não recebi resposta alguma das pessoas à minha volta. Na verdade, ninguém nem prestou atenção à minha pergunta.

Mas mesmo sem ter as palavras necessárias para definir aquilo, eu sentia, mesmo que não soubesse definir que aquilo era um sentimento, eu sentia que estava diante de algo muito vasto. Eu não conhecia a palavra vasto, mas para explicar aqueles sentimentos, eu preciso recorrer ao meu vocabulário de hoje. Aquilo me assustava. Algo dentro de mim dizia que no fundo de tudo aquilo estava Deus, mas mesmo esse pensamento eu não sabia colocar em palavras.

Comecei a deixar de comer. Minha mãe, preocupada, me dava fortificantes. Eu nunca soube falar o que sentia, e mesmo que soubesse, não iria encontrar ouvidos. Eu sofria de ensimesmamento. Será que existe esta palavra?

Foi na mesma época que comecei a perguntar de onde viera Deus, quem foi que criou Deus, o que existia antes de existir Deus, essas perguntas para as quais até hoje ninguém teve resposta. O que ouvi de volta foram sonoras reprimendas: não pense isso, isso não se pergunta, é pecado perguntar isso, onde é que já se viu?

Meu irmão tentou me ajudar, ele me disse: Deus sempre existiu. E eu dizia para ele, uma coisa que nunca termina é fácil de entender, mas uma coisa que sempre existiu? Não dá não... Fiquei um bom tempo sem apetite por conta dessa questãozinha, mas só agora eu sei disso, naquele tempo eu apenas me deixava ficar assentada num banquinho do quintal querendo pensar mas não sabendo pensar, e aquilo me esgotava.

Mas eu sentia que a resposta estava na latinha de fermento. E de vez em quando eu ia ao armário da cozinha só para olhar para ela.

Uma noite na igreja, quando um pastor disse na pregação que Deus era vasto, imenso, maior que o universo, maior do que pudéssemos imaginar, algo se aclarou, um pouco. Eu entendi que uma coisa que podia ser imensamente grande, também podia ser imensamente pequena, então deduzi que Deus deveria ser pequenininho, pequenininho, inimaginável de tão pequeno, a ponto de ele poder morar no fundo do rótulo de uma latinha de fermento.

Naquela época eu não conhecia a palavra infinito, então essa definição foi o máximo a que eu cheguei. E mesmo hoje que a conheço, isso não é de grande ajuda, pois a palavra infinito é um código, mas que não contém o infinito. Se eu soubesse o que é infinito, estaria resolvida a charada da latinha de fermento, eu entenderia onde é que começa o primeiro rótulo.

Então a latinha de fermento em pó Royal fica para mim, eternamente arquivada, entre aquelas coisas que não tem explicação. Como Deus. Mas se esse desenho foi concebido pela mente de alguém, é porque ele deve ter uma solução, só que hoje nós não conseguimos visualizá-la.

Dentre a minha lista de esperanças para uma vida futura, consta essa, a da solução da latinha de fermento. Um dia chegarei ao fundo do rótulo, ah, chegarei sim.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Dispensa em crise


O poeta se foi
E levou com ele os versos
Que estava a versejar
Tinha a ver com canoas viradas
Parece que havia um barqueiro
Que não sabia remar.


Por conta dessa partida
Minha pobre rua, coitada
Ficou com problemas gigantes
Temos cá um apaixonado
Que prometeu ladrilhá-la
Com pedrinhas de brilhantes!


As crianças, por seu turno
Acostumadas que são
Às engenhocas modernosas
Não acreditam em mim, dão risada quando eu conto
De cravos que brigam com rosas.


E eu que não freqüento nenhuma rima,
E nem tenho garrafas para lançar no mar,
E muito menos mensagens para nelas colocar...


Não tenho outra opção
Já que o poeta não volta
Vou poeta me tornar!
Farei versinhos elegantes
Farei mensagens rimadas...


Quem sabe as crianças não tornem
A crer em flores falantes
E o jovem enamorado
Na enfeite a minha rua que anda bastante
Precisada!


O quê vocês queriam, uma obra de arte?! Pois tratem de interceder pela volta de Elias, isso sim. Os níveis de farinha e azeite em minha dispensa estão abaixo dos níveis alarmantes. Com o que tinha hoje, foi o que deu pra fazer. Se um milagre não acontecer, amanhã não haverá post.



segunda-feira, 5 de maio de 2008

Dize-me com quem andas e eu te direi quem és!

 Bete, será que eles vão ganhar? Era meu filho adolescente, de coração apertado, sua última frase antes de ir dormir, preocupado com a final da copa do mundo na madrugada seguinte. Eu, claro, dei uma de mãe otimista: Claro, filhinho, a copa está no papo. Mas fui dormir pensando que a frase correta seria aquela clássica das mesas redondas de futebol televisivas: isso depende, futebol é uma caixinha de surpresas...

Felizmente minha profecia se cumpriu, creio que foi uma das poucas frases otimistas minhas que deu certo.

Gostaria de ter um bom estoque de frases. Podiam ser frases proféticas, sábias, ou mesmo elegantes, já que não tenho dinheiro. Pais e mães devem ter em estoque ou um ou outro.

Que bacana se eu me chamasse Bete S.Lewes! Bete, o que você acha de ....páááá! frase sábia. Bete, dê sua opinião sobre: pááááá, lá vai outra! Bete Quintana também servia. Aí eu diria pra esses babacas que andam atravessando meu caminho: vocês, seus bestas, passarão, eu, passarinho. Demais!

Até Bete Leminski era bacana. Seria chique demais dar uma chegada lá no blog elegante da Alice e deixar lá:

Ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece!

Para o Lou e a Dedé eu seria Bete Arantes: Amanhã aí em Sorocaba será um lindo dia, da mais louca alegria que vocês possam imaginar. Uau!

Para a elegante Cecília eu seria Bete Drummond: Cecília, não deu pra eu ir almoçar com você ontem, porque tinha uma pedra no meio do caminho, imagine, no meio do caminho tinha uma pedra!

Para a Lu de Brasília, intimista, eu poderia ser Bete Alves, e diria com voz bem empostada: A alma é uma paisagem, as paisagens da alma não podem ser comunicadas. Geeeeeeeente, que demais!

E todas as manhãs quando minha boa amiga Danila, lá de São José do Rio Preto, me pergunta como passei a noite, eu seria Bete Baleiro: Ah, Danila, eu tava só, sozinha, mais solitária que um paulistano...Mas hoje eu acordei com uma vontade danada de te desejar bom dia...

Mas para o meu amado filhote, eu seria Bete Gil, e diria: Se oriente, rapaz, pela constelação do cruzeiro do sul. Se oriente, rapaz, pela constatação de que a aranha vive do que tece. Vê se não se esquece! E finalizaria com a máxima da elegância: Determine, rapaz, onde vai ser teu curso de pós graduação!

Mas a nossa realidade é bem outra. Bete, você acha que eu devo deixar esse emprego para voltar a estudar? Claro filhinho, com o que tenho economizado você pode largar esse emprego e ir para Harvard. Adoro ver filme americano, lá a briga entre pais e filhos é porque o pai quer uma universidade, veja bem, eu disse universidade! e o filho quer outra.

Bete, eu quero ir pra Ohio. Nada disso, já está decidido, você vai pra Michigan! E não se fala mais nisso! Hahahahahahahahaha eu não tenho dinheiro nem pra mandar meu filho pra Faculdade Ali da Esquina!

A minha coleção de frases é: Vamos ver, é...quem sabe..., seria bom...., quem sabe no ano que vem..., é, talvez no décimo terceiro salário a gente..., ou a melhor de todas, a clássica frase dos fracassados como diz o Lou da Gruta: amanhã é outro dia hahahahahahaha. Essa é mesmo ótima! Já perdi a conta de quantas vezes falei essa para o meu filho.

Então é isso. Com o pouco de farinha e o restinho de azeite que eu tinha, foi esse o pão que deu pra preparar, e não é que saiu bom? Você quer? E lembre-se: se um dia perderes o sol, não chores, pois as lágrimas te impedirão de olhar as estrelas...

sábado, 3 de maio de 2008

A sutileza II

O que vou contar eu li num jornal ou revista, esses pequenos contos ou crônicas, infelizmente não me lembro do nome do autor, portanto não posso dar o devido crédito. A historinha foi assim:

Certo sujeito endinheirado adorava comprar coisas para decorar seu apartamento, coisas estilosas, modernas, arrojadas, vocês sabem do que estou falando, por exemplo, uma luminária francesa, cujo preço corresponde a mais ou menos a um ano de salários de um trabalhador braçal. E quadros, esculturas, essas futilidades todas, coisa mesmo de quem tem dinheiro sobrando. Ou que não tem nada mais interessante para fazer.

Mas faltava algo! Sempre falta algo para gente desse tipo, não é mesmo? Ele queria um toque especial, algo que fosse o toque final do estilo. Então ele andava certo dia por algum lugar, e viu num bar, daqueles botequins onde se reúnem bêbados desocupados, uma pintura na parede. Se você nasceu depois de 1980, vou explicar: antigamente alguns botecos desse tipo eram decorados com pinturas feitas diretamente na parede, com motivos tropicais, em cores berrantes, imagine algo como um Pão de Açúcar, uma orla de praia, uma palmeira, um papagaio ou uma arara, talvez uma mulata, tudo isso em planos diferentes, naquelas cores de bandeira do Brasil, algo assim.

É isso, ele pensou. Uma coisa brega, mas que no meu apartamento será de uma breguice especial, algo como uma nota dissonante, um brega chique! Procurado o pintor da obra, o sujeito o levou ao seu apartamento, indicou a parede, combinou o serviço e saiu, deixando lá sozinho o Mané pintor.

Sozinho naquele apartamento bacana, jamais imaginado por alguém como ele, o tal pintor pensou: não é direito eu fazer aqui a mesma pintura do bar. Aqui é tão elegante, vou fazer assim, vou fazer uma obra prima, uma paisagem de verdade, vou fazer algo à altura, vou me superar!

E então ele fez lá uma paisagem mais elaborada, algo que correspondia àquilo que ele imaginava ser uma obra de arte. Eu imagino uma queda d’água em cascata de espumas branco azuladas, aqui e ali uma árvore com maçazinhas penduradas, um céu e um solzinho. Já vi muitas dessas pinturas em paredes de igrejas Batista e Assembléia nos meus tempos de infância.

Mas quando o tal sujeito retornou, ele ficou uma fera. Não, não era aquilo que ele queria. Aquela pintura era apenas brega, não era a nota destoante chique que ele desejava. A pintura tropical do bar, em contraste com a elegância de seu apê seria de uma breguice chique! A obra de arte do Mané pintor era apenas uma pintura cafona, nada mais.

E no entanto, ambas eram pinturas cafonas. A diferença entre ambas, a linha fina que divide as duas pinturas, é o que podemos chamar de linha da sutileza. A pintura do bar, embora cafona, tinha alguma coisa. Tinha um certo estilo, fora do contexto do bar, produziria o impacto desejado.

Será que eu soube explicar? Contei essa historinha porque adoro esses exercícios de sutilezas.

Infelizmente não encontrei nenhuma gravura parecida com as tais pinturas para mostrar para vocês, e também nunca mais vi algo parecido num boteco, creio que esse tipo de arte popular se perdeu por completo, pelo menos aqui em São Paulo.



sexta-feira, 2 de maio de 2008

pão-de-beatriz

 Para falar de minha amada amiga Bia, eu preciso – de novo – entrar no túnel do tempo. Continuo achando que escolhi errado o título do blogue.

Quando criança, eu tinha o péssimo hábito de colocar apelidos em todos à minha volta, e o que é pior, apelidos que tinham a ver com suas aparências. Então tinha a Nariz, e eu não preciso nem explicar, tinha a Bruxa da Branca de Neve, fácil também. Tinha uma família de uns garotos, que eu chamava de Família dos Idade da Pedra, porque se pareciam com um personagem dos quadrinhos, o Brucutu. Havia o Idade da Pedra Lascada, o Idade da Pedra Polida, e o pai dos garotos, que eu chamava de Pai dos Pedras. E muitos outros apelidos.

E tinha os Pecador Outrora, assim mesmo, na concordância errada. Naquele tempo, as mulheres tinham o hábito de fazer visitas. Minha mãe nos levava naquela casa, e era só sentarmos, que a dona da casa chamava os seus filhos, dois garotinhos magrinhos e muito parecidos, e falava para eles cantarem um hino, e eles mandavam ver num dueto, e o hino se chamava Pecador Outrora. Daí o apelido. E como eu nunca lembrava os nomes dos garotos, que eram também parecidos, o apelido foi assim, no atacado, para ambos.

Então aqueles apelidos funcionavam, e funcionam até hoje para mim, como um marco, a delimitar as divisas do meu bairro. Os Pecador Outrora, por exemplo, moravam na maior rua daqui, bem no meio dela. Quando falo: mãe, vou até ali, e ela pergunta, ali onde, e eu respondo, ali, perto do Pecador Outrora, então minha mãe já sabe onde é.

Um dia a muito tempo atrás, minha mãe me disse que um dos Pecador Outrora tinha se casado com aquela moça baixinha lá. E eu arquivei a informação junto daquelas outras que a gente ouve das mães e não dá a mínima importância. Mas uma manhã, muito tempo depois, apareceu no escritório em que eu trabalhava, uma mocinha muito parecida com a tal baixinha lá. Mas não poderia ser, pensei, fazia tanto tempo. Claro que não era ela, era sua filha. Então naquela noite cheguei em casa com a noticia: mãe, está trabalhando comigo a filha do Pecador Outrora. E a jovem logo trouxe a mãe, para trabalhar lá também, e nós nos tornamos imediatamente amigas.

Nunca contei esta história para a Bia, tinha um pouco de vergonha dessas bobagens. O bom deste espaço é isso, eu perco toda a vergonha. Só espero não perder a amiga.

Descobri então que Bia e eu tínhamos muitas coisas parecidas dos tempos de outrora. Outrora Bia e eu nascemos e nos criamos no mesmo bairro, feio e miserável. Outrora moramos em casinhas pobres, sem saneamento básico, sem embelezamentos de espécie alguma. Outrora tirávamos água de poço. Devido à falta de saneamento básico, outrora Bia e eu tivemos uma infância muito doente.

Outrora, quando a companhia de água, chamada naquele tempo Departamento de Águas e Esgotos, trouxe os encanamentos para as ruas do bairro, os nossos pais não fizeram a ligação necessária. Então, outrora, Bia e eu, nos envergonhávamos perante as coleguinhas, de sermos as únicas a morar em casas que ainda não tinham torneiras.

Bia e eu, outrora, tivemos problemas de alcoolismo em nossas famílias, e todas as funestas conseqüências que isso pode acarretar.

Outrora Bia e eu não tivemos o vestido longo para ir ao baile de formatura. Nossas mães não se preocuparam em nos fazer esse agrado, outras mães, tão pobres como as nossas o fizeram.

Outrora Bia enviuvou, ficando sozinha com uma criança para cuidar, situação de certa forma muito parecida com a minha, que embora solteira, me considero uma viúva também.

Outrora Bia e eu estudamos à nossa própria custa, e ainda ouvindo reprimendas dos parentes, que achavam que aquilo era tempo perdido, devíamos procurar maridos, isso sim.

Outrora tivemos sonhos, ilusões, medos, doenças, dívidas e dúvidas. Creio que nem tão outrora assim, nessa parte, é tudo muito atual.

Falando agora por mim, só não posso afirmar que fui uma pecadora outrora. Sou pecadora atual, atualíssima. Mas felizmente e outrora também, nossas vidas foram impactadas por Jesus de Nazaré, então temos seguido em nossa viuvez, tocando a vida com dificuldades, mas com coragem, na certeza de que podemos contar com sua misericórdia, necessária mais do que o alimento, para sobrevivermos em meio às nossas lutas, tristes lembranças e limitações de todo o tipo. Porque outrora não tínhamos nenhum consolo, hoje, somos consoladas na certeza de podermos experimentar de sua inesgotável Graça.