quinta-feira, 8 de maio de 2008

Profissão de fé



Eu amo a bíblia de paixão, livro que leio desde que aprendi a ler, e que por sinal foi o primeiro que li. Desde muito cedo fui ensinada a aceitar a bíblia como única regra de fé e prática, essa é justamente uma frase amplamente divulgada nos meios cristãos. Por conta disso, sofri inúmeras crises de consciência, porque ouvia na igreja muita coisa do tipo isso pode isso não pode, e as referências bíblicas para tudo isso não batiam. Só para dar um único exemplo eu perguntava: qual é afinal o dia que devemos guardar, o sábado ou o domingo?

Quando eu mencionava certos textos incoerentes com nossas práticas aos meus orientadores espirituais, eles desconversavam, e se esforçavam por me fazer crer que a bíblia era um livro para ser aceito sem questionamentos, pois assim exigia a nossa fé. E assim minha infância passou, veio a adolescência, a juventude, e com ela eu arrumei coisas mais interessantes para fazer, e graças a Deus. Larguei de pensar em questões religiosas, fui fazer faculdade, passear, paquerar, amar e não ser correspondida, dançar, acampar, escrever poesias, assistir shows de rock, freqüentar barzinhos e tomar cerveja, muita cerveja. Sou muito feliz por ter tido uma juventude à saudável distância de Deus como disse a poetisa, porque se eu tivesse ficado em cima daquelas questões de pode não pode, eu hoje seria uma pessoa muito chata, mais ainda do que já sou.

No meio disso tudo bati de frente com Jesus de Nazaré, isso aconteceu na Igreja Batista Pedras Vivas. Foi um encontro muito bom, mas eu fiquei por lá apenas o tempo para me apaixonar e me emocionar com Jesus. Porque lá também se praticava o jogo do proibido. Uma pena. Se o povo evangélico esquecesse um pouco a bíblia, a vivência cristã seria bem mais agradável.

A bíblia é uma linda poesia em forma de narrativa, uma linda história de amor com começo, meio e fim, e por ser um livro sagrado, e eu creio firmemente nisso, é um livro que fala conosco em qualquer tempo. Suas histórias saltam de suas páginas, e vêm de forma desconcertante ao encontro de nossa humanidade. Suas histórias são terríveis, principalmente as do Antigo Testamento, mas são também fascinantes. E tem de tudo, se você nunca a leu, não espere encontrar românticas frases de auto ajuda. Tem irmão assassinando irmão logo na abertura, histórias assombrosas de incesto e abuso sexual que arrepiariam Fátima Bernardes, fogo e enxofre sendo derramado sobre pessoas inocentes, criancinhas sendo assassinadas aos montes, pestes e pragas de todo tipo, supostamente enviadas por Deus, e inclusive, pasme, uma ordem dada pelo próprio Deus a Abraão, para que ele sacrificasse seu único filho Isaque.

As ordens divinas passavam muito longe do que hoje chamaríamos de politicamente correto. Pessoas com doenças de todo tipo não podiam entrar nos templos, embora Deus não tenha ensinado nada sobre a cura dessas doenças. Havia um teste terrível e humilhante para detectar o adultério, adultério feminino, que fique claro. E por falar em mulheres, uma mulher menstruada era considerada impura, e ai daquele que tocasse nela, ou que chegasse mesmo perto de sua sombra. Está na bíblia!

Mas quando nessa mesma bíblia, encontramos Jesus chamando Deus de pai, papai, papaizinho, Abbá, somos levados a crer que não podem ser a mesma divindade. Para mim está claro que o deus do antigo testamento foi criado na cabeça daquele povo, e a mim não convém julgá-los, os tempos eram outros. Aquele povo atribuía pensamentos e atitudes suas ao seu deus, e também o relacionavam a eventos da natureza. O Deus de Jesus é outro, é meigo, carinhoso, misericordioso e perdoador. É papai.

Com ele eu fico, sem reservas. De um deus terrível, irado, caprichoso, arbitrário, cruel, implacável e intolerante, eu não preciso, para isso já tive o meu pai, e creio já ter contado isto aqui.

Claro que eu posso estar errada, quem sabe exista mesmo o tal do juízo final, que eu seja julgada um dia por essa justiça divina, terrível, implacável. Que eu dê de frente com esse Deus, que o Deus do antigo testamento realmente exista.

Mas se eu estiver enganada a respeito de Jesus, se o Jesus que eu amo e se o Deus papai foram somente interpretações erradas minhas, se o Jesus como eu o entendo não estiver contido nesse suposto céu, então eu realmente vou querer o inferno. Eu desejo a Jesus muito mais do que a minha própria salvação. Porque céu sem o misericordioso e perdoador incondicional Abbá, e sem Jesus como eu o imagino, não é céu, é qualquer coisa muito parecida com o que já tenho aqui.