terça-feira, 13 de maio de 2008

O anjo passageiro

 
Então eu estava no ônibus elétrico, a caminho de uma entrevista de emprego. O desemprego já estava tão caracterizado em minha situação, que eu tinha até uma roupa que eu chamava de roupa de entrevista. Era um terninho cor de pelo de rato. Eu levava uma pasta elegante, que continha minha agenda, meus currículos e minha calculadora HP. Como eu tinha cabelos compridos e crespos, eu tinha enrolado bobes à noite para deixá-los um pouco mais amansadinhos. Naquele tempo ainda não tinha sido inventada a bênção chamada escova progressiva. E para arrematar eu estava usando um perfuminho barato do Boticário, aqueles que só perfumam na hora que a gente os coloca.

É incrível como nas entrevistas, é preciso passar uma imagem de alguém que não está precisando do emprego. Uma vez, e também nessa terrível temporada, eu fui a uma entrevista com as unhas descascando, pois eu tive que tomar uma decisão: ou arrumava as unhas ou ia à entrevista, ambos eu não conseguiria fazer com o dinheiro que tinha. Então o psicólogo que me entrevistou olhou com desprezo para as minhas unhas, e não me classificou. Bom, pode ser que ele tenha me desclassificado por outro motivo, meu currículo nunca foi lá essas coisas. Mas eu estou fugindo do assunto, de novo.

Então lá estava eu, no ônibus elétrico, toda arrumadinha e cheirosa, a caminho da entrevista. Eu conseguira o penúltimo lugar vago na condução, e graças a Deus, pois a viagem seria longa. Então se assentou ao meu lado uma jovem mãe, tendo ao colo um bebezinho que já assentava. Naquele mesmo instante, eu ouvi uma voz que falou assim: Atenção, atenção, atenção! Assim mesmo, três vezes.

Imediatamente eu me levantei e fiquei em pé no corredor. Até hoje eu me espanto com a rapidez com que agi, pois eu sou lenta para tomar decisões. No mesmíssimo instante, o bebezinho soltou uma golfada de vômito, e com intensidade tal, que sujou todo o banco e a janela onde eu estivera sentada.

Todos os passageiros próximos sorriram para mim, com admiração e simpatia. E eu fiquei orgulhosa do meu anjo da guarda. Foi uma bela de uma intervenção expressa, ora se foi.

A vaga de emprego? Não, não consegui não.