quarta-feira, 7 de maio de 2008

O infinito royal

Ai está ele! Até que demorou a aparecer, num blog onde se fala de pão o tempo todo. Na verdade eu tinha esperança de que vocês  notassem a falta dele, mas cansei de espreitar minha caixa postal à espera das milhares e milhares de perguntas sobre o porquê de eu falar tanto de pão, e não falar nada de fermento. Até andei dando umas pinceladas, aí abaixo, para estimular a curiosidade de vocês, e achei estranho ninguém ter notado a falta desse tema...Mas deixemos isso de lado, vamos a ela, a história do fermento em pó Royal!

Eu devia ter uns sete ou oito anos, quando tive minha primeira crise existencial, só que naquele tempo eu nem fazia idéia do que era uma crise existencial. Foi de olhar para essa latinha pela primeira vez. Vi que na latinha havia um rótulo, e que o rótulo era outra latinha, deduzi então que na latinha daquele rótulo havia outra, e outra, e outra...

Onde aquilo terminava, perguntava eu? Não recebi resposta alguma das pessoas à minha volta. Na verdade, ninguém nem prestou atenção à minha pergunta.

Mas mesmo sem ter as palavras necessárias para definir aquilo, eu sentia, mesmo que não soubesse definir que aquilo era um sentimento, eu sentia que estava diante de algo muito vasto. Eu não conhecia a palavra vasto, mas para explicar aqueles sentimentos, eu preciso recorrer ao meu vocabulário de hoje. Aquilo me assustava. Algo dentro de mim dizia que no fundo de tudo aquilo estava Deus, mas mesmo esse pensamento eu não sabia colocar em palavras.

Comecei a deixar de comer. Minha mãe, preocupada, me dava fortificantes. Eu nunca soube falar o que sentia, e mesmo que soubesse, não iria encontrar ouvidos. Eu sofria de ensimesmamento. Será que existe esta palavra?

Foi na mesma época que comecei a perguntar de onde viera Deus, quem foi que criou Deus, o que existia antes de existir Deus, essas perguntas para as quais até hoje ninguém teve resposta. O que ouvi de volta foram sonoras reprimendas: não pense isso, isso não se pergunta, é pecado perguntar isso, onde é que já se viu?

Meu irmão tentou me ajudar, ele me disse: Deus sempre existiu. E eu dizia para ele, uma coisa que nunca termina é fácil de entender, mas uma coisa que sempre existiu? Não dá não... Fiquei um bom tempo sem apetite por conta dessa questãozinha, mas só agora eu sei disso, naquele tempo eu apenas me deixava ficar assentada num banquinho do quintal querendo pensar mas não sabendo pensar, e aquilo me esgotava.

Mas eu sentia que a resposta estava na latinha de fermento. E de vez em quando eu ia ao armário da cozinha só para olhar para ela.

Uma noite na igreja, quando um pastor disse na pregação que Deus era vasto, imenso, maior que o universo, maior do que pudéssemos imaginar, algo se aclarou, um pouco. Eu entendi que uma coisa que podia ser imensamente grande, também podia ser imensamente pequena, então deduzi que Deus deveria ser pequenininho, pequenininho, inimaginável de tão pequeno, a ponto de ele poder morar no fundo do rótulo de uma latinha de fermento.

Naquela época eu não conhecia a palavra infinito, então essa definição foi o máximo a que eu cheguei. E mesmo hoje que a conheço, isso não é de grande ajuda, pois a palavra infinito é um código, mas que não contém o infinito. Se eu soubesse o que é infinito, estaria resolvida a charada da latinha de fermento, eu entenderia onde é que começa o primeiro rótulo.

Então a latinha de fermento em pó Royal fica para mim, eternamente arquivada, entre aquelas coisas que não tem explicação. Como Deus. Mas se esse desenho foi concebido pela mente de alguém, é porque ele deve ter uma solução, só que hoje nós não conseguimos visualizá-la.

Dentre a minha lista de esperanças para uma vida futura, consta essa, a da solução da latinha de fermento. Um dia chegarei ao fundo do rótulo, ah, chegarei sim.