terça-feira, 20 de maio de 2008

Os neuróticos anônimos



“Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos, e sabedoria para distinguir umas das outras”.

Fui levada a conhecer o NA –Neuróticos Anônimos pela minha amiga Beatriz. Os grupos de NA geralmente se reúnem nos fundos de alguma igreja católica, mas aquele funcionava nas dependências de um teatro municipal.

Ela não teve dificuldade alguma em me levar até lá, porque sempre fui receptiva a todo tipo de ajuda e terapia, e sempre fui curiosa também, creio já ter dito isso aqui.

Era um grupo formado por umas doze pessoas, mas soube que pode variar para mais ou para menos, com pessoas de ambos os sexos e de várias idades. Ninguém é obrigado a dar seu nome verdadeiro. Existe uma pessoa que dirige a reunião, que não é de forma alguma uma pessoa mais gabaritada, apenas um participante mais antigo, e que orienta o grupo baseado apenas nas próprias regras do grupo, ou seja, ele não dá palpite. Digo isso porque já fiz análise em grupo, que é algo totalmente diferente. No grupo de análise, há um psicólogo, que intervém, que exerce liderança. E os componentes interrompem as falas uns dos outros, embora pelas regras não deveriam fazê-lo.

No NA não, no NA essa regra é seguida à risca. Ninguém interrompe, de forma alguma. A pessoa que visita pela primeira vez pode ser a primeira a falar, se quiser, e o tempo dela será maior, creio que vinte minutos. O estreante também terá seu nome anotado num caderninho, e receberá após o término da reunião uma ficha verde e uma salva de palmas, uma cerimônia singela para ajudá-lo a ingressar nesse caminho, a ficha verde para lembrá-lo de que ele é um neurótico em busca de ajuda.

Toda reunião começa com a oração da serenidade acima. A literatura utilizada é a mesma dos Alcoólicos Anônimos, a começar da oração, passando pelos 12 passos, e os 7 lemas. Vale a pena conhecê-los, estão no site do NA.

Após lida a Oração da Serenidade, o dirigente da mesa dá início aos trabalhos, que eles chamam de sala, convidando a qualquer um que queira a começar a falar. Em alguns casos, após lida a oração, o dirigente também pode propor a leitura de algum material desses que eu já citei, e pedir uma reflexão em cima, mas sempre aberto livremente a quem quiser participar. Uma vez que alguém começa a falar, como eu já disse, o silêncio é total, não existem apartes. Tudo o que poderá ocorrer são sorrisos de aquiescência, simpatia ou alguma expressão de consternação, se a pessoa estiver narrando algo triste. Mas jamais frases do tipo: Você teve coragem? Você fez isso? Você é louco! Coisas que existem nos grupos de terapia convencionais.

Quando estiver chegando perto dos quinze minutos permitidos, o dirigente levanta uma cartelinha, avisando que a pessoa tem apenas 3 minutos, a seguir outra cartelinha, de 1 minuto, e a participação daquela pessoa encerra aí. O próximo a falar, pode até pegar um gancho na fala anterior, para seguir com a sua, mas jamais comentará o que foi dito, com as suas opiniões. Há também a possibilidade de se participar apenas na condição de ouvinte.

Quando a Beatriz me levou à sala, ela me disse que o interessante do NA é que tudo o que é dito ali, é dito a Deus. Em algumas salas, existe até uma cadeira que fica vazia, representando a presença divina. Eles orientam a busca de Deus na maneira como O concebemos, ou seja, vale a religião e a fé de cada um. Mas o que ela disse é verdadeiro, sim. Uma decisão tomada numa sala de NA, tem um peso muito maior do que uma decisão tomada fora, existe uma presença sagrada ali. No NA também encontramos parceiros de sofrimento. Identificamos, no meio da multidão, pessoas que estão sofrendo como nós. O problema do doente emocional, é ele achar que está sozinho em sua dor, que ninguém o compreende. Ali é muito comum, ao ouvir o depoimento de alguém, ficarmos pensando: Comigo também! Eu também sinto isso! Há um espaço para um cafezinho, um refrigerante, sempre trazido pelos participantes, e nesse momento, as pessoas se procuram e expressam essas situações: Fulano, incrível, tudo o que você falou se aplica a mim!

Então um ajuda o outro, um esforça o outro, a caminhada não se torna tão difícil, porque as dores são compartilhadas e divididas.

Ali há um compromisso total com o sigilo, mas mesmo assim a pessoa pode, como eu já disse, omitir o seu nome verdadeiro.

Uma característica básica de todos os freqüentadores do NA é a humildade, pois a humildade é justamente o primeiro passo – “Admitimos que éramos impotentes perante nossas emoções – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”. É através dessa humildade, de reconhecer-se impotente, que o indivíduo dará o primeiro passo na direção da cura, ou talvez, de uma vida um tanto mais ajustada no que tange às suas emoções.

Nos momentos de queda, o participante poderá livremente confessá-las, contando com a simpatia e a compreensão dos demais, pois todos os que estão nesse caminho sabem das suas dificuldades. E pode reerguer-se, longe das críticas que normalmente receberia da sociedade. No NA há perdão, compreensão, respeito. Graça.

Eles estão bem representados nas grandes capitais, há telefones no site. Vale também procurar no mesmo site os l2 passos e os 7 lemas, e mesmo que você não possa freqüentar um grupo, tentar pelo menos praticá-los. Se você não sabe se é ou não um neurótico, lá você encontrará um campo intitulado: Sou uma pessoa neurótica? Responda honestamente às perguntas enunciadas ali, e avalie você mesmo. Certa vez indiquei o NA a um colega de trabalho, e ele ficou ofendido. A palavra neurótico não é tida ali com essa conotação pejorativa, sinônimo de pessoa maluca, desregrada, à margem da sociedade, é por isso que é fundamental você dar uma olhada nesse questionário.

Ninguém é obrigado a formar laços de amizade lá dentro, embora essa prática irá ajudar muito, mas isso irá depender do jeito de ser de cada pessoa. O grupo também poderá ter suas datas comemorativas, como aniversariantes do mês, natal, é muito agradável. A única arrecadação financeira que existe é mínima, solicitada a quem puder contribuir, e sem nenhum tipo de constrangimento, apenas para se pagar os custos da sala, que são poucos, algum rateio de água e luz, alguma fotocópia. A importância arrecadada é imediatamente lançada num caderninho à vista de todos. E existem reuniões administrativas, de tempos em tempos, para serem discutidos assuntos dessa natureza.

Á medida que freqüentamos o NA com assiduidade, passamos a ver que neuróticos são os outros, os que não buscam ajuda.

Confira. Se não for o seu caso, indique a alguém.