sexta-feira, 23 de maio de 2008

II Carta de Bete a São Paulo


Paulo querido. Será que já posso lhe chamar assim? Já são tantos anos lendo suas cartas, não é mesmo? Dizem os que entendem tudo que as suas cartas são universais, que são para todos. Talvez eles estejam certos. Mas por uma insana e inexplicável razão, e explicar aos insanos quem há de? prefiro pensar que são todas escritas para mim. Não acho nenhuma graça em abrir uma carta que você tenha escrito, assim, para todo mundo. Deparo-me, por exemplo, com uma de suas cartas, onde você ensina?sugere?sobre em que devemos pensar. Isso só serve mais uma vez para provar que eu estou certa: para quem mais você escreveria isso? senão para uma mulher que não sabe o que fazer com o próprio pensamento? tudo bem, tudo bem, para não ser tão excessiva em minha mania de grandeza, digamos que admito que é uma carta aos maníaco depressivos.

Eu tenho tentado, segundo sua orientação, pensar em coisas verdadeiras. Só para constatar que estou verdadeiramente enganada a respeito de tudo o que penso. Quando você sugere que pensemos em coisas respeitáveis, eu faço um esforço enorme para parar de pensar em muita coisa à minha volta, a começar por mim. Tudo o que é justo? Aí fica muito difícil, pois acredito que o que melhor se enquadraria seria um tratado matemático. O Discurso do Método, algo assim, daí para mais. Amável? É fácil ser amável quando temos dez pessoas com fome numa sala, e dez pedaços de pão. Nunca testei minha amabilidade em tempos de crise, amado Paulo.

Uma crise, Paulo, revela muita coisa acerca de nós, e isso você sabe melhor que eu.

Tenha paciência comigo, já estou acabando: Virtude é complicado também, acho que se enquadraria na mesma situação. As minha virtudes também nunca foram realmente testadas. Louvor? Isso é com os passarinhos, que cantam para chamar para o acasalamento. Ou quando estão com fome, o que é também muito parecido. Desconheço outra forma de louvor mais sincera que essa.

Então acabei. Nem sei porque escrevi essa carta, acho que é porque nossa conversa tem sido muito unilateral, é, deve ser por isso. Espero ir melhorando meus escritos com o passar do tempo, espero ter coisas mais bonitas aos seus olhos, afinal, são tão belos os seus...

Amo muito tudo isso. Essa frase aí não significa nada não, foi só um arremate. É muito utilizada aqui no nosso tempo numa situação boba que noutra carta eu explico.


 (Filipenses 4 vs 8)