domingo, 28 de dezembro de 2008

Elias, os bichos do mato e o Banco Central

 Elias passou por aqui. Estava todo atrapalhado com nosso padrão monetário, querendo obter explicações sobre o nosso dinheiro. Como a explicação seria longa, e eu tinha um pão de granola ao forno, pedi a ele que sentasse. Fiz um café.

- Então, filha, começou ele. No meu tempo usávamos prata e outro, ou fazíamos trocas. Mais tarde, nos tempos de Jesus, usávamos denários com a efígie de César. Agora noto que por cada lugar por onde passo há papéis diferentes. E o que são vales? Ouço muito falar de vale isso, vale aquilo...

Por sorte eu tinha algum dinheiro em casa, coisa rara de acontecer. Fui mostrando a ele algumas cédulas.

- Onde está a imagem de César? Vocês preferem as imagens de animais do mato?

- Pois é, senhor Elias, os nossos césares de cá não ficam muito tempo no poder. Esses são animais queridos, de nossas florestas, mais admirados pelo povo do que muitos de nossos governadores...

- Que coisa triste, lamentou Elias...

- Mas assim é. E as gravuras com pessoas já causaram muita polêmica. Houve uma época em que um determinado dinheiro levou a imagem de um notável escritor e poeta do nosso país. Mas a família dele ficou inconformada, pois aquela nota, com a inflação foi perdendo o valor e...

- Infla o quê, filha?!

Ai Jesus! Como eu saio dessa?

Mostrei uma nota. Senhor profeta eu disse, todo e qualquer dinheiro neste país leva esta assinatura aqui. É a assinatura do presidente do nosso Banco Central. Banco Central é o nome da instituição que cuida para que o dinheiro não perca o valor.

- E quando um dinheiro deixa de ter valor, interessou-se Elias?

- Existem meios, eu disse, fórmulas matemáticas, de se calcular a quantidade de dinheiro que há nas mãos de uma determinada população. Se houver dinheiro demais, as pessoas podem sair comprando desenfreadamente, gerando uma crise no abastecimento, na reposição desses bens que foram comprados. Isso vai prejudicando, ponto a ponto, todo o cliclo de produção. Algo assim, se todos saírem num mesmo momento comprando azeite e farinha, esses acabarão rapidamente, e não haverá como repor, porque a plantação de trigo e azeitonas demanda um certo tempo. Haverá falta de pão.

- Por outro lado, se a moeda escassear, as pessoas não comprarão nada, a farinha e o azeite ficarão parados nas prateleiras. E lá na ponta, muito trigo e azeitonas irão se perder. Todos passarão fome.

- Então o que é preciso fazer? perguntou Elias

- Quando há muito dinheiro circulando, o Banco Central eleva a taxa de juros. Lembra da parábola do Mestre, dos sujeitos que receberam talentos do patrão para administrar? Ou você comercia com o dinheiro ou você o leva aos banqueiros, a história é sempre a mesma. Se aumentarmos demais as taxas, todos vão querer levar o dinheiro aos bancos, viver de juros, isso paraliza as atividades econômicas. Se for uma taxa baixa demais, ninguém levará o dinheiro aos bancos, que por sua vez não poderão financiar a produção, parando a economia também. É preciso então buscar um equilíbrio, uma missão difícil e penosa dos nossos governantes, aliada a muitas outras preocupações sobre o incentivo da produção, emprego e distribuição de renda. E muito mais.

- Complicado mundo novo, disse o profeta. E é esse Banco Central aqui, o César dos novos tempos, quem garante a liquidez destes papéis?

Viram como Elias aprende rápido?

Sim, eu disse. O órgão garantidor e regulador da saúde de nossa moeda é o Banco Central, o César do nosso tempo. E os papéis e moedas diferentes são as moedas divisionárias, para facilitar as transações. A menor delas é esta aqui – eu tinha um monte delas – e a de valor mais alto vale cem, é uma verdinha, muito difícil de aparecer aqui em casa...Não falei sobre uma outra verdinha, seria muito complicado explicar o que é paridade, e meus conhecimentos de economia não chegam a tanto.

- Mas você não me explicou sobre os vales, lembrou Elias.

- São moedas paralelas, eu disse. Determinadas empresas idôneas lançam esses dinheiros no comércio (felizmente eu tinha algumas), que pela sua reputação também são aceitas na compra de alimentos.

- É uma espécie de vale-farinha? (Viram?!)

- Iiiiiiisso, senhor Profeta!

Felizmente o pão de granola ficou pronto, nós o comemos com o cafezinho e Elias disse que precisava partir, não sem antes me tascar uma profecia:

- Eis que seus vales –farinha e seus dinheiros não acabararão.
Bom demais.

Da mesma série:

Elias expresso

Os anjos comprimidos

sábado, 27 de dezembro de 2008

A ligação direta

 Pois é, cá estou eu tentando uma gambiarra, no desespero de ir ao encontro do moço bonito de olhos bonitos, quem não tem chave vai de ligação direta, no cinema dá tão certo, o wesleisnaipes vai lá, liga os fiozinhos e tal, cadê os fiozinhos?!?!

Sem a chave eu só chego até você de ligação direta, frase bacana ligação direta, realmente algo que dispensa qualquer chave.

Cadê os fiozinhos?!?!

Se fosse no cinema eu já estava rodando, no cinema TUDO dá certo, lembra a moça que não sabia pra que lado iam os narizes na hora do beijo? Ô tempo inocente, meu problema não é o nariz são os óculos. Se tiro os óculos dou bandeira de que estou a fim do beijo, se não tiro e vem o beijo não cai legal com os óculos, o quê fazer?

- Já sei! Precisa desencapar, porquê é que nos filmes já estão desencapados, vou de tesoura? e se der choque? larga de ser besta, choque, não está ligado em tomada...aiii, minha cabeça, ai, ui, ui!!!

Vou deixar pra lá isso de ligação direta, nós não temos mesmo ligação direta, não temos nem chaves, se desencapar fiozinhos é tudo o que me resta pra tocar em você estou mal mesmo.

Em oliúde dá tudo certo...será que os artistas usam balinhas de menta na hora de beijar? Gostei do filme em que na hora do love a mocinha corre ao quarto para trocar de calcinha, com essa eu me identifico, preciso jogar fora aquele monte de calcinhas bege, diz que calcinha bege e sutiã branco brocha qualquer relação...

Definitivamente não tenho coragem, a ausência de ligação direta é tudo o que me separa de você, parece letra de Cássia Eller...

Putz!

E eu tinha colocado duas pretas e uma de oncinha na mala...

Primeiro dia de morar junto




Já vou logo avisando dá um fim nesse gato você é que vai cozinhar eu detesto futebol desliga! ai, arroz refinado? nananão só como integral. Não gostei deste sofá aqui empurra um pouquinho mais pra lá? que livro chato é esse aí para de ler você já levou o lixo pra fora? Não tô achando espaço no banheiro pendura este ganchinho pra mim mô? Ó, quero que fique bem claro o sabonete dove é só meu você tem prestobarba? Detesto toalha molhada na cama cuidado não senta na minha blusa! Ai amor não fala assim de boca cheia tua mãe não liga toda hora não né? Qual tá tocando o seu ou o meu ai mô muda o toque do seu, assim não mais pra lá iiiisso! esse quadro aí não tá torto pra que esse monte de revista ah não a Contigo deixa.

Mãos de afeto



Ele não era um namorado, era um ficante. Só que naquele tempo essa palavra ainda não existia.

Na verdade era um aproveitante. Só aparecia longe longe, só ligava de quando em nunca.

- Que mãos frias você tem, ele implicava.

Mal sabia ele que eram frias de emoção, de tensão, de preocupação, quando, meu Deus, quando ele vai dizer que me ama?

Aos sábados ele nunca aparecia.

- É noivo sua boba. Amigas em mesa de bar. Você é a segunda opção dele, se não for a terceira.

- A noivinha deve ser virgem, e graças a você, acrescentava uma outra amiga.

Estavam todas certas.

- Ah, vocês vão ver! Ele vai se decidir por mim, era o que eu sonhando queria acreditar.

E assim ia dando sexo na esperança de receber amor e o tempo passava. Só não passava a implicância dele com minhas mãos frias.

Um dia ele ligou: chego as oito. Como ele era pontual, fui para o fogão faltando cinco minutos. Aqueci as mãos na chama do gás.

- Viu, não estão quentes minhas mãos hoje?

Mas não contei a proeza. Foi a declaração de amor mais tonta e vazia que o sujeito jamais ficou sabendo que recebeu.

Aqueci as mãos em segredo para ele, não acredito que uma outra mulher o tenha amado a esse ponto.

Pô, perdi...

Eu tinha deixado ela aqui, cadê?!

Aijesuscristinho, cadê a chave do corsinha?

Foi assim, eu achei que achando a chave eu achava você – doce ilusão. Não é nada fácil achar a chave que destranca o coração de um moço bonito, ainda mais se esse moço bonito tem olhos bonitos.

Há muita moça bonita com chaves por aí, e bem melhores que de um corsinha...

Cadê a minha chave?! Sem ela como eu chego até você? A distância é considerável, só mesmo achando a chave, meu Deus a chave! eu tinha deixado ela aqui, bem aqui!!

Foi assim: eu cheguei sorrateira e peguei a chave, a chave que você tinha deixado debaixo do capacho, romântico isso deixar chaves sob o capacho. Mas não eram para mim, foi um furto duplamente qualificado. Acho que a chave estranhou minha mão, não abriu não...

Será que está debaixo da agenda? do talão de cheques? do Caprichos e Relaxos?

Será que está debaixo do tapete que eu não tenho? da coragem que eu nunca tive? do corsinha que eu nunca consegui comprar?

Cadê a chave?!

Putz!

Eu já estava prontinha para viajar...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Muito prazer


Há um programa de tevê passando por aí, em que o ator Luís Salém  interpreta o divertido Betânio, um baiano dividido. De um lado ele está sempre louco para abandonar a barulhenta e festeira Bahia, mas de outro lado ele não consegue deixar de ir à última festa do momento, e com isso então ele nunca consegue partir.

A festa em questão é sempre organizada por uma tal Dondinha, ou Ritinha, ou Cininha, que por sua vez é afilhada de Belinha, e essa é prima irmã de Kekinha e a lista é sempre grande, e sempre assim, no diminutivo e recorrendo a parentescos.

Sou filha de pai baiano e dou risada, porque as referências dadas por parentes são sempre assim. O baiano não existe isolado, ele existe sempre vinculado a um grande parentesco.

A pessoa enquanto não se casa é da mãe dela, sempre da mãe, nunca do pai. Depois de casada, passa a ser do cônjuge, e isso vale para ambos os sexos.

Se fosse lá, eu seria Betinha de Marininha. Se eu me casasse com o moço bonito de olhos bonitos (suspiros) eu seria Betinha de Moço Bonitinho. Eles usam na maioria das vezes a preposição “de”.

Se os nomes forem comuns, como João, Maria, José, então a recorrência é maior, vai até chegar num nome ou local limitante, um divisor de águas, veja este poema de João Cabral de Melo Neto:

O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias...
..........................................................
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
(Morte e Vida Severina)

Aqui em São Paulo noto que essa necessidade de fixar parentesco nas apresentações se perde um pouco, pelo menos na mocidade, alcançando a gente talvez lá pela meia idade.

As crianças, os adolescentes e os jovens recorrem uns aos outros, ou ao local onde moram, ao colégio, faculdade, academia, lugares comuns.

- O Mateus, o que anda sempre com o Thiago, da esquina lá de cima...

- A Fernanda, aquela do salão de beleza...

- Alô, aqui é o Rodrigo, da academia.

Os adultos se identificam pelo ofício, pela empresa em que trabalham e também pelos lugares comuns.

- Oi, aqui é o João, pintor. Que esteve ontem com você no bar do Antonio.

Pelo tipo físico:

- Aquela magrinha, a Joana, que trabalha no Banco.

Pelo temperamento:

- A Bete, aquela chata, esnobe, de óculos...

Também pela conduta:

- Aquela loira, gordinha, que dá bola pra tudo quanto é homem...

Escapam disso os que tem nomes diferentes, apelidos originais, personalidades fortes ou tudo isso junto. Minha mãe não precisa jamais explicar quem é ela, e eu a invejo ao telefone. Oi, aqui é a Marina! Dona de um nome pouco comum, uma bela voz e uma personalidade forte, o resultado é sempre um oi Marina!! do outro lado da linha, e isso mesmo quando ela liga para alguém que não vê há anos e anos.

Aqui no blogue eu já fui confundida por um leitor apressado como viúva de Elias, gostei tanto que não desfiz o equívoco, Bete de Elias, taí, gostei... Sim, no norte as pessoas costumam pertencer também aos seus defuntos, como você viu no poema.

Então vocês já sabem, se eu ligar para suas casas direi: Aqui é a Bete, a que faz pães, a de Elias. Creio que assim ficará fácil.

E enquanto existir o moço bonito de olhos bonitos sempre haverá a esperança de essa apresentação mudar.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Natal



Esta vida não é nem de longe parecida com a que sonhei para mim. Falo de minha vida mesmo, não sou candidata a miss universo, confesso que jamais pensei por um instante que fosse na paz mundial.

Nem nos meus pensamentos mais pessimistas, e eu sou pessimista, eu me imaginei batendo à porta da meia idade como me encontro agora. Mas esta foi a única vida que eu tive então é esta a vida que te ofereço aqui.

Salve Rei, salvador da minha vida. Salve Jesus meu Mestre Divino, meu doce amigo, consolação da minha existência, minha única esperança, salve!

Eu te amo.
 

domingo, 21 de dezembro de 2008

Quarto domingo do Advento - O Sorteio



De todas as histórias que Jesus contou, a mais absurda é a que vou tentar resumir:

Havia num povoado um bando de vagabundos bebendo e jogando conversa fora numa praça. Passou por lá um produtor rural que vendo aqueles caras a toa os chamou para trabalhar em sua plantação. Passando por ali mais tarde, encontrou outros vadios que também chamou. Colher uvas. No final da tarde, faltando uma hora para acabar a jornada, encontrou mais desocupados que convidou também.

Na hora do pagamento, não é que o cara remunerou a todos de forma igual?!

Ah! Se eu estivesse lá!!!!

- O dia inteiro aqui cozinhando o cérebro, meu protetor solar já foi pro espaço, e você paga pra mim o mesmo que paga a esses bêbados?!

Eu e toda torcida do Corinhians segundo o Mestre, pensaríamos assim.

Mas Jesus contou essa história para demonstrar o quão acolhedor é o Reino dos Céus. Sem condicionantes, sem senões, sem ordem de chegada e, o que é mais importante pelo menos para mim e não sei se para vocês: sem mérito algum de nossa parte.

Lembrei dessa parábola porque especialmente aqui neste blogue, o último que se candidatou ao sorteio do livro foi o que ganhou, não é bacana? Claro que estou me referindo apenas à ordem de chegada.

Que rufem os tambores!!!! O sorteado foi...

Foi...

Foi... FERNANDO!

Sei muito pouco sobre ele. Que é jovem, algo em torno de trinta e poucos anos. Que vive em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, creio que atua em pecuária. Que é casado. Que por algum motivo que desconheço alterna sua residência entre Brasil e Holanda. E é só.

O seu blogue é um ponto de parada importante para mim. O Fernando interpreta os fatos do dia-a-dia com uma mente lúcida, uma visão inteligente, aguda, como poucos. E ele tem também uma fina inclinação para as artes, o que faz do Lumières um lugar especial.

Eu se fosse você o linkava e o acompanhava...

Leia um texto que ele postou recentemente, dei muita risada:







SACOLERO
Yo estive este fin de semana en Ponta Porã, a princesinha dos ervais, para hacer unas compritas basicas de finales de ano en Pedro Juan Caballero, nuestro vizinho paraguayo.
La verdad es que con estas fiestas todas yo estoy necesitando mucha, pero mucha birita, y algunas cositas más. Con los impuestos de nuestro amable gobierno, lo unico vino baratito que se puede comprar aqui es el Sangre de Boi que es una mierda. En Paraguay el Conha y Toro esta a 3.94 dolares. E también encontré aí mi grande amigo, companhero de muchas noches Johnny Walker, más conocido en Paraguay como el Juanito Caminante.
En cima, la verdad también es que estoy colaborando con la politica de relaciones internacionales de Nuestro Guia, el gran timonero Lula y su sargento Marco Aurelio Top Top Garcia. Estoy ayudando a nuestros hermanos caloteros y socialistas de latino-america.
Mira vos, con este cambio hijo de una madre, al final tuve que pagar una puta cuenta de 3 millones de guaranis en el Shopping China. Ou sea, en troca de birita barata yo estoy injectando plata en la economia de los caloteros paraguayos que no quieren pagar Itaipu y quieren expulsar a los fazenderos brasiguaios.
Pero todo es alegria, somos todos hermanos, la crisis es general pero no pasa nada, como nuestro presidente estoy tomando todas las medidas necesarias, con limón y hielo.

Eh! Fernando, abra as portas de sua casa, o filho pródigo está chegando, está voltando para você. Que você possa, ao conselho do sábio padre Nouwen identificar-se com as três figuras: o filho que foi e voltou, o irmão que ficou e o pai acolhedor.

É este o meu presente para você, Fernando.

É este o presente para todos nós, a segurança da volta ao seio do pai acolhedor, que recebe e não faz perguntas, não importa por onde andamos.

É tempo de retornar, ainda há tempo para retornar.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A oração vazia


“Que sentido tem as coisas? – o grande mentecapto perguntou a si mesmo, sentando-se num banco da nave àquela hora vazia, e veio-lhe de súbito a consciência da própria mentecapcidade, tão despropositada quanto a minha ousadia em escrever semelhante palavra. Não entendia mais nada de nada – e tal desentendimento o atingia tão fundo, que Geraldo Viramundo pôs-se a chorar.

O leitor deve estar lembrado de crise semelhante, que o assaltou, anos antes, quando era pouco mais que um adolescente, também numa igreja, ou, mais precisamente, na capela do seminário em Mariana. Mas daquela feita o choro era fruto de suas meditações, ao passo que agora decorria de constatação nascida da mesma dúvida que o levara, em menino, a interpelar o padre Limeira em Rio Acima: meditar em que? Não havia mesmo nada sobre que meditar, concluía agora. Sentia-se completamente vazio por dentro, numa solidão sem remédio.”


O Grande Mentecapto – Fernando Sabino

Se eu soubesse falar desse vazio que sinto dentro de mim, estava pronta aí uma bela postagem. Mas se eu soubesse falar de vazio eu não tinha vazio, e não estaria aqui falando sobre isso.

Meditar em que? É essa mesmo a pergunta que sempre me fiz.

Quando a lucidez me assalta, como disse Clarice Lispector, eu me dou conta de que há um vazio imenso dentro de mim, mas a lucidez não consegue fazer nada frente ao vazio, só constatar que há o vazio.

Então eu peço a Deus que me ajude a viver com o meu vazio. E que seja este vazio a minha oração. Porque eu cansei de fazer as orações dos outros.

Se Deus for esse Deus que falam por aí, que espera de mim orações performáticas, eu estou realmente metida numa grande encrenca. Se ele esperar de mim posturas vigilantes, atentas, aí o meu caso é mais perdido ainda. Como eu invejo minhas amigas que possuem caderninhos de oração... Eu já me daria por feliz se conseguisse manter um caderninho de anotar coisas.

Sou uma filha vazia de mente vazia, meu Deus. Não sei, absolutamente, em quê pensar, e muito menos o que rezar.

O mais perto de Ti que consigo chegar é quando estou escrevendo aqui. Fora disso, a sensação que tenho é que nem existo...

Tem misericórdia de mim.


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me ocorreu antes

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me de novo a consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Atenção, você com essa ficha na mão...

 Você se lembra da VASP? Aos portugueses explico: uma extinta companhia aérea.

Naquele tempo, uma agência de publicidade encarregada de sua campanha, fez um anúncio com
cenas reais, obtidas em aeroportos. Gente se abraçando. Gente chegando, gente se despedindo. Várias cenas assim.

No fundo, a inconfundível música da campanha:

“A Vasp abre suas asas, sua ternura, pra você ganhar altura. Viajar. Voar.”

E uma voz em off finalizando:

“Como é bonito ver gente se comportando como gente”.

Recentemente este blogue viveu um momento especial, que muito me emocionou.

Uma pessoa, num curto depoimento de três parágrafos, sentiu-se tão à vontade em minha casa a ponto de fazer um pungente relato, íntimo, inquietante, pessoal demais.

Só não o trago aqui para a frente porque não me sinto autorizada a tal.

Momentos como esse me arrebatam, me dão vontade de beijar a tela do computador (na verdade beijei). A fragilidade humana me emociona, me sensibiliza, me anima a continuar a escrever.

Como é bom constatarmos que não somos heróis. Que temos, sim, pontos fracos. Mas principalmente como é bom vermos pessoas assumindo seus pontos fracos.

Como é bonito ver gente se comportando como gente...

Uma certa blogueira que por aí há, uma de nome bem pequenininho, também já me fez chorar. Ela começou timidamente, recortando e colando algumas matérias, se aventurando por algumas poesias, quando de repente, num belo post ela nos revelou toda sua linda vida. E desse dia em diante aquele blogue floresceu, em delicada beleza. Ela libertou sua história, como isso é belo meu Deus.

E o que dizer das mulheres poetisas? Entre poesias delicadas, outras bem humoradas, algumas com rima outras mais soltas, de repente uma delas solta um inacreditável lamento, daqueles de doer?

Apesar de perder a paciência com as mesmices muitas vezes (principalmente – e muito – comigo mesma), eu ainda continuo percorrendo a blogosfera, e a escrever nela, porque sou uma colecionadora desses momentos, eles infelizmente são poucos, e falo também por mim. Há super heróis demais para o meu gosto.

Mas eles acontecem, ah sim, acontecem. Eu já ri e chorei ao ver até blogueiro famoso caindo da pose, caindo de boca no chão, revelando talvez sem querer uma dor que lhe ia no fundo da alma, e me emocionando constatava: ah, então esse aí também é gente?...

Cultuamos o engano de achar que devemos oferecer apenas nosso melhor ângulo para a foto. No entanto são essas falas, escorregadas de tapete na opinião dos perfeccionistas, que nivelam as dores da nossa existência. É no compartilhar de nossos desvios que iremos nos reconhecer como iguais. Deixando cair as rebuscadas máscaras iremos nos surpreender com nossos rostos incrivelmente parecidos, meu Deus, como éramos tão parecidos e não sabíamos?!

Ah, blogueiro, abre suas asas, sua ternura, pra você ganhar altura, viajar. Voar.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Uma cadeira pra Jesus




Numa reunião de Neuróticos Anônimos é de praxe ouvir aquele que fala em total silêncio. Boca de siri. Boca de zíper. Então certa vez na hora do intervalo eu me atirei ao pescoço de um rapaz.

- Eu também, eu também. Sou igualzinho a você!

O que um neurótico mais ama é encontrar seus colegas de infortúnio. Sentir que não é o único do planeta.

O rapaz contava que era mestre em construir diálogos mentais. Ele escolhia uma pessoa conhecida ao acaso e conversava com ela longamente, articulando suas prováveis respostas. Coisa de doido mesmo. E que ao se encaminhar para um encontro, uma entrevista de emprego, por exemplo, ele articulava tanto mas tanto as prováveis perguntas e respostas que ao chegar lá ele já estava umas cem vezes entrevistado. Sem exagero.

Comigo também é assim.

- Você deve tentar conversar com Jesus, Bete. É minha sensata amiga Beatriz aconselhando. Coloque uma cadeira vazia em seu quarto, imagine Jesus lá, converse com ele.

Quando ouço esses conselhos impraticáveis eu finjo que acato, não quero jogar o jogo do eterno insatisfeito com os amigos que amo. Mas é impraticável porque não sei o rosto de Jesus. E também porque não fico em meu quarto o tempo todo, eu teria que andar carregando uma cadeira.

An? Porque eu não atribuo um rosto aleatório a Jesus? E você pensa que já não fiz isso? Por muito tempo Jesus foi Robert Redford. Conversei tanto com ele, mas tanto, que um dia percebi que eu não falava mais com Jesus, eu falava mesmo era com Robert Redford. Quando dei por mim eu já estava lendo revistas com artigos de cinema para me inteirar de onde Jesus andava.

Não deu certo.

Só sei que no final do dia estou mentalmente esgotada, de tanto que articulei inúmeras conversas. E que se não tomar um bom comprimido, continuo a conversa na cama e não durmo, já me aconteceu.

Pensou que a vida de um neurótico era fácil?

Mas voltando ao tema de Jesus da minha amiga, será que eu vejo Jesus em toda parte, e tanto, que ele já se dissolveu, e está incorporado em todas as pessoas à minha volta? E que nesse desespero de querer conversar com ele eu o busco em todos que eu conheço?

Esse já é o meu lado neurótico esotérico, buscando sim é um meio desesperado de mistificar o meu descontrole emocional.

Mas agora falando sério, acho fácil conversar mentalmente com as pessoas, porque elas mais ou menos são óbvias. Com uma certa margem de erro, posso facilmente intuir suas respostas. Jesus é original, suas falas seriam inéditas, desconcertantes, imprevisíveis, como adivinhar o que Jesus me responderia?

Taí um bom exercício. Se eu conseguir pelo menos chegar perto, creio que terei bem mais da metade de minhas neuroses resolvidas.

Outro, bem mais lúcido, é conversar de fato com pessoas. Quem foi que disse que as palavras do meu próximo não estão cheinhas de Deus?

domingo, 14 de dezembro de 2008

Terceiro domingo do Advento-continuação

Como descrever um som? Como colocar toda a sensação advinda de ouvir um som em palavras, sem ser um Machado, um Dickens?

Como explicar o que é acordar num susto, numa noite silenciosa, ao som de um bumbo, uma gaita, uma viola e várias rabecas?

E a recorrência mental, rápida, que uma criança precisa fazer para classificar em seu cérebro: - o quê é isso mesmo?... E isso com o coração ainda aos pulos pelo acordar ao som de um bumbo, como explicar?

Como explicar para vocês uma melodia que eu mesma já esqueci?

Era uma toada? Sim, creio que era uma toada.

Mais fácil seria recorrer a uma ferramenta de busca, mas não quero, meu Deus, eu não quero, quero falar por mim, mesmo correndo o risco de deixar vocês com uma explicação distorcida de confusa.

Mas tenho de confessar, fui ao You Tube, para onde mais iria eu? E o mais perto que cheguei foi justamente essa canção que toca ao fundo, aumente o som. Ouça, nem que seja pelo menos uma vez as músicas que posto aqui. Há dias em que elas falam mais do que vai no meu íntimo do que os meus textos, e me entristeço ao constatar que quase ninguém percebeu isso.

A canção em estilo de toada, tinha quadras, e o final do último verso de cada quadra se encerrava num lamento, um AAAAAI!!!

Como descrever esse AAAAAAI entoado por vários homens, a quatro vozes, muitos fazendo as vezes de soprano, como descrever isso meu Deus, como?

Eu que sabia cantar em grupos a quatro vozes, conhecia a dificuldade dos ensaios ao pé do órgão; como aqueles homens rudes do sertão acertavam fazer aquele belíssimo contracanto sem estudo algum?

Fico devendo. Jamais conseguirei escrever sobre aquela emoção à altura dela.

E Deus fica me devendo também. Não há registro, os santos oráculos da net não me disseram nada, os homens morreram todos, foi-se de minha memória o verso e a rima.

Ficou só a sensação do susto mais inexplicável que jamais sentirei novamente.

Que o bom Deus um dia me conceda, mesmo que no sonho, o presente mais especial de Natal, que nunca pedi, a graça de me assustar na noite silenciosa com o bumbo, a gaita, a viola e as rabecas, e os homens, os magos recém chegados do Egito com seu entoar lamentado. Com seu Ai.

E papai do céu fica me devendo também a madrugada memorável, resgatando tantas madrugadas infelizes que tive ainda criança, ele fica me devendo a alegria, mais do que alegria, o alumbramento, de abrir as portas da minha casa, mesmo que seja numa outra existência, para o Santo Reis entrar.

(CONTINUA)
Primeiro domingo do advento

Segundo domingo do advento

 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Loucura real

Quando você vem aqui ler minhas coisas, quero que fique claro que são escritas pela ótica de uma viúva padeira, que realmente utiliza restinhos de ingredientes para fazer sua massa, ou seja, não sou especialista em nada. Ciência é o que você não encontrará aqui.

Isto posto, quero que venha comigo e me ajude neste pensamento, meu pão de hoje.

O nosso cérebro possui informações sobre todo o nosso entorno, armazenadas desde o nosso nascimento. Qualquer evento ou objeto alvo de nossa atenção, receberá do cérebro imediatamente um OK, por assim dizer, algo como: sim, isso procede.

Se eu ofereço a você um objeto, você somente o pegará de minha mão se o seu cérebro der uma autorização. O disco rígido do seu cérebro processa a informação visual, e bate com a que ele tem armazenada e responde, sim, você conhece isso. E esse processo, claro, se dá num átimo de tempo, menos que isso, um nanotempo, nem sei se essa palavra existe.

Acredito que mesmo o cérebro de uma pessoa desinformada em questões de ciência, traz os conceitos de animal, vegetal ou mineral. Se oferecermos a uma pessoa um objeto que o seu cérebro não consiga encaixar numa dessas três categorias ela nem o toca!

Creio que se fôssemos expostos a esses monstros de filmes de Spielberg, cairíamos fulminados de susto. Nosso sistema nervoso não está preparado para ver uma imagem que o cérebro não identifica.

Aconteceu comigo: eu voltava de ônibus para casa, à janelinha, lá fora era crepúsculo, aquele lusco-fusco onde as figuras são difusas; o ônibus estava sobre um viaduto. Ao lado, naquela passarela destinada a pedestres, rapidamente vi um ser rastejante, como uma imensa centopéia escura, e o que seriam as patas daquele bicho se agitavam de forma desigual. Meu coração deu um pulo de susto. Creio que meu cérebro ficou procurando em seus registros o que era aquilo, e não batia com nenhuma informação armazenada. Tudo isso, claro, se passou num rápido espaço de tempo, menos de três segundos, eu diria. Até que forçando a vista, vi que era uma fila de meninas uniformizadas em trajes escuros, que levantavam e abaixavam os braços. Então meu cérebro se conformou com a imagem, e tudo se encaixou.

Também aconteceu no metrô. Havia no vagão que eu ocupava um rapaz portando uma prancha de surfe. Prancha de surfe no metrô não é imagem comum a cérebros paulistas. Meu cérebro talvez cansado do dia de trabalho ficou parado numa espécie de hiato de tempo pensando: o quê é isso? Até que finalmente tudo se encaixou, meu cérebro reconheceu o objeto, a sensação é de puro alívio. Tudo se dá num tempo incrivelmente rápido, mas é uma sensação ótima. Fico imaginando o que aconteceria se uma pessoa não conseguisse reconhecer um objeto ou situação, creio que seria algo de enlouquecer um ser humano.

Se você quiser me entender melhor, pense naquela sensação incômoda que é não lembrar um nome, uma palavra, um fato. A mente fica vazia, não fica?

Você me acompanhou até aqui? Então pense na seguinte situação: uma criança pequena, que ainda não tem conceito nenhum de sexualidade, sendo exposta a esse tipo de situação. Vendo ou vivenciando algo que seu cérebro não reconhece. Recebendo uma informação destacada de todo o seu contexto sensorial. Sem a maturidade necessária para apreender o que está sendo vivenciado ou visto.

Não seria de enlouquecer? Sim, e eu diria mais: um enlouquecimento pior do que o enlouquecimento do adulto, porque o adulto, recebendo uma informação descontextualizada, em algum lugar dentro de si sabe disso. A criança não tem nem o referencial para saber que está vendo algo anacrônico. É uma loucura vazia, que a acompanhará para sempre, irrecuperavelmente.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Que lindos...



Que lindos olhos, que lindos olhos tem você
que ainda hoje, que ainda hoje eu reparei.
Se eu reparasse, se eu reparasse há mais tempo
eu não amava, eu não amava quem amei.



Atenção blogueiro distraído, você ainda tem tempo de participar do meu sorteio. Clique
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domingo, 7 de dezembro de 2008

Segundo domingo do Advento

Em minha infância, nas madrugadas do dia 6 de janeiro, eu acordava num susto, com o coração batendo acelerado. Era um bumbo, um tambor dos grandes, tocando na alta madrugada. O que será isso Jesus? lentamente minha memória me acudia: ah! são os reis magos...

Depois do bumbo atacavam os violinos, que chamávamos de rabecas, uma sanfona, uma viola e creio que também uma flauta. Aquele som nas madrugadas tremendamente silenciosas e escuras daqueles tempos, seria hoje um daqueles presentes que eu pediria ao bom Deus, se eu pudesse pedir algo assim. Era o Reisado. Homens usando toscas máscaras de cartolina, rostos pintados como palhaços, chapéus cônicos, vestindo roupas coloridas, cantando a quatro vozes, pedindo licença para entrar nas casas.

Pedi aos meus pais que lembrassem o nome deles, mas foi em vão, eles não conseguiram lembrar. Aqueles homens todos eram do norte, da Bahia, isso meu pai lembrou, o líder da bandeira, chamado de Capitão tinha vindo de Feira de Santana, na Bahia, e já era por lá conhecido como capitão de um grupo famoso de reisado. Mas o nome deles não consegui apurar. Eram de fato famosos, cheguei a vê-los anos mais tarde na TV Cultura, infelizmente não anotei nome algum.

Não é uma festa paulista, mas São Paulo foi enormemente ocupada por nordestinos e nortistas, dentre eles o meu pai, que sabe-se Deus porque, marcou encontro comigo aqui em São Paulo. E esses retirantes trouxeram consigo toda sorte de festejos típicos de sua terra, entre eles o Reisado, ou a Folia de Reis.

Os Reis, ou a Bandeira como também eram chamados, ficavam na porta das casas pedindo permissão para entrar, e esse pedido era uma longa cantoria. Algo como oh senhor dono da casa abre a porta por favor viemos de longe queremos entrar ô de dentro ô de fora santo reis aqui chegou.

Fazia parte da tradição o dono da casa demorar-se para abrir a porta, então eles ficavam uns quinze minutos só pedindo para entrar. Coisa linda de se ouvir.

Aí acendiam a luz. Nova cantoria, dessa vez celebrando o fato de a luz ter sido acesa, uns quinze minutos de alegria por isso. Ói porta aberta, ói luz acesa ah ah!

Então eles entravam. A cantoria silenciava. O dono da casa apertava a mão do líder, era ele quem empunhava o estandarte com desenhos dourados, cheio de fitas pendentes multicoloridas. Todos beijavam as fitas.

Então o líder levava o estandarte aos cômodos da casa, para abençoá-la. Era a hora dos votos: - Bênção p’ra família! P’ro dono da casa! P’ra mulher! P’ros filhos! Muita paz, muita alegria, muita saúde! E tudo isso acompanhado de vivas.

Então aquela família servia um lanche, doces, bolos, frutas e refrescos, nada de bebidas, os reis não bebiam durante as funções, somente depois que tudo acabava, aí eles bebiam até cair.

Nova cantoria. Agradecimentos à família, e despedidas. Nóis vamos vortá aiai, a viagem é longa ai ai, até o ano que vem ai ai...

Tudo isso eu assistia da minha janela. Morria de vontade de chegar perto deles, de beijar a bandeira, de beijar as fitas, ah como eu queria que aquele estandarte entrasse em minha casa, quem sabe não seria a bênção que minha casa estava precisando? Por quê nós íamos tanto à igreja, cantávamos tantos hinos, líamos tanto a bíblia e não éramos felizes? Aquelas pessoas, que muitas vezes riam de nós, que riam dos crentes, ao receber e beijar as fitas daquele estandarte me pareciam tão mais felizes...

A bandeira não podia entrar em nossa casa. Éramos crentes. Outras coisas podiam entrar. Menos aquele belíssimo estandarte enfeitado de fitas.

- Fecha essa janela, sai daí, não fica olhando essas pessoas, isso é pecado, vem deitar!

Eu voltava para a cama, mas ficava ouvindo o reisado tocar em outra casa mais adiante, depois noutra mais adiante, cada vez mais longe, mais longe, mais longe...até cair no sono.

CONTINUA




 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A última hospedaria




A Casa de Apoio Hospedaria de Cuidados Especiais da cidade de São Paulo foi criada pelo Hospital do Servidor Público Municipal da cidade. É um confortável casarão, que pertenceu aos antigos barões do café, localizado no bairro da Aclimação, nas beiradas do Parque que leva o mesmo nome. A casa tem capacidade para receber dez pacientes e seus familiares, e o seu objetivo é atender pessoas com doença terminal. A maioria com câncer, mas a hospedaria é aberta a doentes terminais de qualquer enfermidade.

Os hóspedes da casa não tem possibilidade de cura, mas ficam ali sem aquele tratamento invasivo e frio dos hospitais, recebendo na maior parte do tempo apenas medicação para a dor. O máximo de parafernália de hospital disponível é o oxigênio, e algum material para medicação endovenosa.

Na casa de apoio, a família recebe atendimento psicológico e é encorajada a participar do tratamento. Mesmo depois da morte do paciente, alguns familiares continuam visitando a equipe, com a qual criam vínculos duradouros. Não existe hierarquia no time formado por dois cozinheiros, seis auxiliares de enfermagem, um segurança, duas faxineiras, duas psicólogas, uma assistente social e quatro médicos. É normal encontrar os profissionais executando tarefas inesperadas, como a psicóloga que dá comida na boca do doente e o cozinheiro que ajuda a mover os pacientes da cama.

Foi para lá que levamos minha tia Amélia, diagnosticada com câncer em estado terminal, o que conseguimos em sua qualidade de antiga servidora pública. Os parentes podem ficar com o paciente pelo tempo que quiserem, e há permissão inclusive para animais domésticos. A casa é muito linda, rodeada de árvores, visitadas por enorme variedade de pássaros, muitos chegando a cantar nas janelas e beirais das sacadas. Ela ficou lá por seis meses.

Quando veio a notícia de sua morte, eu tinha voltado para casa para resolver uns assuntos domésticos. Era noite avançada, e a mim coube cuidar de toda a burocracia do sepultamento.

Após ter cuidado de tudo, fui à hospedaria aguardar o carro que a levaria a sua última morada. Embora fosse setembro, era uma noite fria. Ficamos, eu e a enfermeira noturna, dona Neli, na imensa sala de estar, daquelas antigas com lareira, teto alto com requintados lustres, saletas envidraçadas em toda volta, à beira de uma magnífica escada em caracol, daquelas que eu só tinha conhecido de filmes. Ela tricotava, eu aguardava em silêncio. No andar superior da casa, os pacientes dormiam. Aguardavam a morte. Nos fundos, minha tia morta. O vento balançava as venezianas, e ao lado do tique taque do relógio de parede, eram os únicos sons que se ouvia. Mesmo que eu viva cem anos, jamais irei esquecer desse momento: noite alta, duas mulheres em silêncio, doentes dormindo no pavimento superior, uma mulher morta dos fundos da casa, a única que não aguardava mais nada.

Chegou o carro; o funcionário embora experiente nessas questões precisou ser ajudado por nós duas. No silêncio da noite, introduzimos a defunta na urna e a urna no carro da prefeitura.

- A senhora deve vir comigo, não gaste dinheiro sem necessidade num táxi, disse o bom homem. Concordei. Após um demorado abraço de gratidão àquela boa enfermeira que tinha nos prestado seis meses de trabalho amigo e abnegado, entrei no carro com o condutor e a morta.

O motorista bem que tentou conversar comigo, mas deve ter percebido que eu não queria falar. Não era momento de falas, era momento de silêncio, e assim atravessamos a cidade. Mas a verdade é que eu vinha conversando mentalmente com minha tia.

Minha tia Amélia e eu tínhamos muito em comum: somos irritadiças, de pouca conversa, gostamos de silêncio e sossego. Ela certamente estaria irritada naquela situação onde seu corpo pertencia a outros. Tenho certeza de que ela teria preferido silêncio naquele momento, e que ela gostaria que seu funeral acabasse rápido, para todos irem logo embora e ela poder descansar.

- Falta pouco, Amélia, falta pouco, tenha só mais um pouquinho de paciência.

Chegamos. Alta madrugada. O experiente funcionário da prefeitura, ágil e expedito, já tratou de ir enfeitando o caixão, com uma eficiência de espantar. Mandei tirar os paramentos usados por católicos, sim, ela era crente, eu disse, e lá se foram as cruzes e os castiçais, titia não me perdoaria se eu os tivesse deixado.

O homem se foi, e eu fiquei só. O dia começava a despontar, e com ele uma magnífica cantoria de pássaros. Aquele cemitério possui uma belíssima diversidade de aves, até hoje costumo visitá-lo para me deleitar com aquela maravilha de cantos variados. Titia Amélia amava os animais e os passarinhos com paixão.

- Amélia, ouça a corruíra! Eu e ela conversávamos muito sobre esse passarinho, aqui por nossos lados o precursor da alvorada, amigo de nossas respectivas madrugadas de insônia, tínhamos a insônia também em comum. Depois de um tempo cantando sozinho, o seu canto então é abafado pela algaravia dos outros que iniciam o seu barulhento dia. Mas as lágrimas me desciam ao saber que aquela alegre cantoria de passarinhos titia não ouviria jamais. Aquele dia não nascia para ela.

Em breve chegariam os parentes, certamente ruidosos, falantes e nada cerimoniosos, e com certeza essa seria a parte que a deixaria mais irritada. Eles não saberiam se comportar com silêncio como ela tanto gostava, como explicar para eles que titia amava as vozes baixas, a discrição, os modos comportados...eles que jamais conviveram com ela e que jamais procuraram entendê-la...

- Falta pouco, Amélia, agora falta pouco mesmo, tenha só mais um pouquinho de paciência...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O Asterix ou a arrumação do quarto

 Não existe nada mais aceso
que dois vaga-lumes
namorando
pertinho da fogueira


(Almir Correia, Poemas Malandrinhos)

Essa sou eu arrumando os antigos livros escolares do meu filho. Em minha nova condição de vagabunda tenho tempo de sobra para fazer absolutamente nada.

Para calcular, por exemplo. Todo esse dinheiro que gastei com livros para o menino hoje me daria um carro zerinho na garagem. Posso estar exagerando, mas passa perto.

Desisto da arrumação, é livro demais, cultura inútil demais.

“A prosódia trata da correta acentuação e entonação dos fonemas”.

Não tenho nada para fazer...

O Rubinho me presenteou com uma frase ótima, ele me mandou virar escritora. Divirto-me pra caramba com esses trocadilhos que as pessoas usam e não percebem. Deus fala pelos lábios do povo, a verdade nunca fica oculta, Jesus já dizia isso. O Rubinho sem querer falou a grande verdade, para ser escritora eu precisaria virar escritora.

Olha esta bíblia que dei para o menino no dia da sua confirmação, intacta. Já sei, vou ler esta bíblia, pela primeira vez com consciência, entendendo tudo, será a revelação do século.

Desisto no terceiro capítulo, não tem mais graça, tem um moço aí pela net recontando essa história, desvelando tudo, essas pessoas que encontram grandes verdades só fazem bem a elas mesmas. A gente fica é morrendo de vergonha, fora a inveja, puxa então era isso, tão fácil assim e eu não via...

Aí perde a graça...

Achei! Minhas revistinhas do Asterix!

O Asterix com sua turma no navio, vem chegando os inimigos para pegar o navio, sabem o que o Asterix faz? Afunda o navio. Estão vendo?! E ele é um guerreiro, toma poção mágica e tudo.

Olha essa do Ziraldo:

Então o papai, marinheiro de primeira viagem, chegou no escritório e disse:

- Nasceu meu filho! É homem! É a minha cara!

E o colega:

- Não fica triste não, rapaz. Não se preocupe. Tendo saúde é o que conta.

É por isso que eu sempre gostei de livros de gramática, trazem tirinhas, a gente não precisa ler livros inteiros para se distrair, agora vocês estão vendo de onde vem minha cultura.

E chega de arrumação.

domingo, 30 de novembro de 2008

Primeiro domingo do Advento



Papai do céu não deixa chover no natal amém.

Sim, eu sei, você que já me ouviu contar de orações semelhantes que eu fazia em minha infância, deverá achar que eu praticava uma fé de pronto socorro. E você terá razão. Minha mente atormentada por uma doença que naquela época eu desconhecia, nunca me permitiu fixar o pensamento em nada maior que uma frase. Mas relevem, apesar disso eu era pequena. Há muita gente grande que ainda pratica uma fé assim. E o meu pedido tinha um motivo muito especial, nosso bairro não tinha calçamento, se chovesse ficaria tudo enlameado, e seria complicado ir até a igreja com minha toalete toda branca.

Minha mãe que era a organizadora das festas em nossa igreja, cismava que todas as meninas usassem roupa branca completa no natal, e ela acabava convencendo todas as mães. Os meninos usavam camisas brancas. O meu vestido, claro, era sempre o mais bonito de todas as meninas porque, ora porque, porque minha mãe tinha enorme bom gosto, e fazia maravilhas com pouco dinheiro, faz até hoje.

Começávamos os ensaios da festa no início de outubro. Havia de tudo: peças, grupos de canto coral, solos, declamações de poesias e claro, as sempre tradicionais encenações da Anunciação e do nascimento de Jesus. A última apresentação era sempre uma peça mais elaborada, com os personagens usando roupas típicas do jeito que minha mãe imaginava que fossem, geralmente representado por moças e rapazes. Ficava bonito.

Tínhamos nos fundos da igreja um salão apropriado a esse tipo de festas, havia até um palco com cortinas vermelhas. Nos “bastidores”, ficava minha mãe sempre atenta, fazendo as vezes de ponto para as crianças que por acaso esquecessem suas falas. Em sua melhor roupa, ela era a apresentadora da festa, e o fazia com muita graça e descontração, qualidades que ela traz até hoje. Ela mesclava a apresentação alternando números de crianças pequenas e maiorzinhas, colocando também interpretações feitas por moças, geralmente poesias. Quando havia necessidade de algum intervalo para arrumação do palco, eram introduzidos os cânticos de natal, que eram entoados por todos os presentes, e que no nosso hinário evangélico eram os que iam dos números 1 ao 25, um mais lindo que o outro, são até hoje, felizmente a igreja metodista ainda os usa em suas liturgias natalinas.

Nunca soube o que era ganhar brinquedos no natal, meu presente era a roupa branca. Mas o meu presente maior sempre foi a festa, eu era incapaz de imaginar um natal que não fosse daquela maneira. Nunca esperei por peru, tender, guloseimas e panetones, creio que naquela época eu desconhecia essas viandas. Voltávamos para casa e íamos dormir, eu muito feliz trazendo o meu castiçalzinho dourado, cada criança ganhava um, juntamente com um saco de balas, eram os únicos presentes da noite.

Até meu pai se comportava bem nessa noite, ele inclusive auxiliava na preparação do palco, certa vez ele improvisou um poço de tijolos para uma peça chamada “As Belemitas”, que ficou lindo.

O ponto alto da festa era o cântico Noite de Paz que era entoado por toda a platéia juntamente com as crianças. Nós saíamos pelos fundos para o quintal da igreja, em meio ao mato naquela escuridão maravilhosa, e minha mãe com suas auxiliares iam colocando castiçais com velinhas acesas em nossas mãos. Os castiçais eram feitos de rolha e caixas de fósforos, encapados com papel dourado.

Entrávamos pelo centro do salão, e na frente nos dividíamos em duas fileiras, os meninos de um lado, as meninas de outra, e subíamos pelos degraus que nos levavam novamente ao palco. Apagavam-se as luzes, ficando só as luzes das velas, e a congregação se punha de pé, e juntos cantávamos o belo cântico de natal ao som do órgão desafinado, finalizando a festa. Aquele era o meu ponto alto, o momento que eu aguardava o ano inteiro. Meu coração estalava de emoção e felicidade.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A compota

Num daqueles filmes feitos para televisão, que a gente nunca mais irá lembrar o nome muito menos os atores, assisti a uma história de um sujeito que num acidente ficou totalmente paralítico. Só conseguia mover um pouco uma das mãos e os músculos da face. Foi então que uma assistente social veio confortá-lo, com a idéia de que ele poderia desenvolver novas atividades, como por exemplo pintar quadros com a boca, ou escrever sua biografia por ditados.

- Tenho alguns pacientes assim, ela disse.

O sujeito respondeu com um magnífico berro:

- Eu sou arquiteto! Minha vida somente fará sentido se eu puder fazer casas e edifícios como antes, não estou interessado em pintar telas, não quero escrever histórias!!!

O mínimo que aquele infeliz desejava para sua vida era a sua vida de volta como ela era, como ele sabia – e gostava de vivê-la. O mínimo que ele queria era a parte de dignidade a que tinha direito, exercendo as suas escolhas. Será que é pedir muito? Era um filme sobre eutanásia, não lembro como terminava.

- Bete, você já pensou em pintar pratinhos de porcelana? Olha, uma tia de uma prima de uma amiga de uma cunhada está ganhando um bom dinheiro fazendo fraldas geriátricas. E se você fizesse compotas? Perfumes? Panos de prato com biquinhos bordados escrito Deus é fiel?

Os conselhos chovem.

Não! Admiro muito mas muito mesmo quem sabe fazer artesanato. Geléia caseira. Vender Avon e Natura, mas não, não é minha praia, e estou muito cansada para recomeçar minha vida desta forma.

Aí a pessoa me olha de alto a baixo com cara de desprezo como a dizer: - Humpf...no mínimo não está precisando, porque se estivesse...Na verdade elas dizem... para os outros. E os outros vem contar pra gente.

Eu não gosto de ficar contando minha história pra vizinhos e parentes bestas, porque não gosto de me expor, mas eu entendo e entendo muito bem o que é me trocar por qualquer preço.

Quando perdi um bom emprego, e tinha um filho pequeno num bom colégio, fui bater à porta da Tesouraria pedindo uma bolsa de estudos para ele. Era um colégio de freiras, elas até eram sensíveis, pródigas mesmo, mas tinha passado o prazo de requisições de bolsa. Então elas começaram a me enrolar, me enrolaram uma semana, duas, três...na terceira semana eu entrei na sala da tesoureira e disse:

- A senhora teria algum banheiro, corredores, vidraças para eu lavar? Eu não me importo em trabalhar pelo estudo do meu filho.

- Imagine, dona Elizabeth...não diga isso, falou toda delicada a tesoureira. Verei o que posso fazer.

Naquele mesmo dia recebi sua ligação de volta, o colégio deferiu uma bolsa de estudos de cem por cento, o que só era deferido a filhos de funcionários. Ela viu que eu estava falando sério.

Tenho muitas dessas histórias para contar, não, não venham me falar que sou uma madame. Apenas conheço meus limites.

Admiro demais essas histórias de pessoas que recomeçam vendendo limões na feira. Que compram alho na avenida Mercúrio, soltam todos os dentinhos, colocam em saquinhos plásticos e ficam num tabuleiro vendendo em qualquer esquina. Lindo!

Aplaudo em pé as senhorinhas de setenta anos que exercem prostituição na Praça da República, isso sim é que é coragem, agüentar velhos babões, isso sim é raça, força, vontade de viver.

Conheci uns rapazes que iam na serra da Cantareira buscar bromélias e samambaias, que vendiam nas calçadas, isso não é valente demais? Hoje são ricos.

Pois é, a Bete não tem forças, coragem, valentia, a Bete morreria de vergonha de ficar num tabuleiro vendendo cocada. A Bete não tem cara de pau para empurrar às amigas panos de prato com aqueles ridículos bicos de crochê. Pratinhos do senhor é meu pastor nada me faltará. Vidros de maionese com compota, aquelas tampinhas enfeitadas de rendinhas, passamanarias e lacinhos. Bijuterias com arremates tortos. Imãs de geladeira que ninguém precisa mais. Bichinhos de porcelana meu Deus, mais um, onde eu coloco esse poodle de lacinhos?

Para essas situações eu sou covarde. Sou valente sim, mas minha valentia é outra.


O aniversário da vovó

Não adianta bater
Eu não deixo você entrar
As Casas Pernambucanas é que vão
Aquecer o meu lar

Vou comprar flanelas
Lãs e cobertores eu vou comprar
Nas Casas Pernambucanas e nem vou sentir
O inverno passar.
assista aqui



Este blogue nunca foi um espaço para discutir variedades e notícias, mas eu simplesmente não posso deixar passar o aniversário das Casas Pernambucanas sem falar que...falar o quê? sei lá, que ela faz parte da minha história. Fique com esta matéria que copiei do Correio Braziliense.
O comando da Arthur Lundgren Tecidos - Casas Pernambucanas SP - é revezado entre Anita Louise Harley e Frederico Axel Lundgren. Anita, presidente da Pernambucanas, é neta de Arthur Herman Lundgren, o fundador da rede. Lundgren criou as lojas em 1908 para dar vazão à produção da CPT (Companhia Paulista de Tecidos), que comprara quatro anos antes, em Paulista (PE).Inovadora em vários aspectos, a rede tinha, na década de 1920, um Manual de Procedimentos, no qual orientava gerentes das lojas a fazer "reclames em circos e cinemas".






Porteiras de fazendas, morros, pedras e lonas de circo transformaram-se, assim, nos primeiros outdoors do país, fixando a imagem da marca na mente da consumidora de tecidos e linhas de cama, mesa e banho.Na década de 1970, um desenho animado da Pernambucanas, que tinha como protagonista o frio anunciando sua chegada, se tornou um clássico. Exibida até hoje como símbolo da criatividade nacional, a frase "Quem bate? É o frio!" tornou-se um dos maiores ícones da propaganda brasileira.Além da comunicação forte, a Casas Pernambucanas usou como estratégia abrir lojas seguindo a rede ferroviária construída na década de 1930, durante a Era do Café.






Uma das primeiras a contratar mulheres como vendedoras, a Pernambucanas também inovou ao tirar os tecidos das prateleiras e colocá-los nas mãos das consumidoras. Esteve entre as primeiras a usar carnês para crediário e cartões de financiamento próprio.Assim, entre as décadas de 1920 e 1970, as empresas da família Lundgren prosperaram e se transformaram no maior complexo têxtil da América do Sul.Segundo especialistas em varejo, trabalhar na Pernambucanas à época tinha o mesmo prestígio de ser funcionário do Banco do Brasil ou dos Correios.






A empresa chegou a ter 800 lojas espalhadas pelo país.O grupo, no entanto, não resistiu à disputa entre os herdeiros nas décadas de 1970 a 1990. Separadas, as operações de Pernambuco e do Ceará desapareceram. Os negócios no Rio foram à falência. Só a Arthur Lundgren Tecidos, de Anita, com operações em São Paulo, prosperou e hoje compete com os grandes concorrentes.





Bacaninha não? Então Feliz Aniversário para as Casas Pernambucanas, cem anos não é coisa pouca.



 

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sonho meu


Vi um moço lindíssimo no vagão do metrô. Quase tão bonito quanto o meu moço bonito de olhos bonitos.

Falando em olhos, nem vi os olhos dele, porque o moço do metrô dormia.

Carregava uma elegante mochila e dormia, não poderia ser paulista, aliás, nem brasileiro. Brasileiros não dormiriam tranqüilamente assim.

Senti-me na obrigação de tomar conta de sua bagagem, na certa repleta de roupas caras e engenhocas estrangeiras, e dormindo, onde é que já se viu?

Pois é, eu sou a Bete, sim estou indo para o trabalho, pois é trabalho por aqui, eu sou...sou o que mesmo eu diria? Web Designer! Isso, muito elegante. Pior se ele for também e começar a falar sobre, aí eu...mudo de assunto! falo sobre o tempo e...de onde você é? e se ele falar em inglês?

Well, the book is on the table and I... sheeeeeeee…

Argentino? Melhor. Pués mira usted yo soy analista de sistemas…e seguiria enrolando por aí.

Mas o moço dormia.

Entrementes, uns manos trocaram um sinal, chegaram mais perto, de olho na bagagem o que faço agora?

Atchim! Num sonoro e forçado espirro acordei o moço.

Que olhou feio para mim, na certa me achando uma brasileira mal educada, que espirra e não cobre o nariz com as mãos.

“ESTAÇÃO PORTUGUESA-TIETÊ!”

O moço aprumou sua mochila e se foi, sem nunca ter ficado sabendo que eu cuidei dele e do seu soninho de moço estrangeiro de bem com a vida.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A volta do filho pródigo

Em minha infância me emocionei muito com a história onde uma jovem esposa, querendo presentear seu esposo no natal, e sem dinheiro algum, cortou os longos e lindos cabelos, e com a venda deles comprou para ele uma linda corrente de ouro para o seu relógio. Era o caso que ele tinha um belo relógio de ouro, herança de família, mas não tinha uma corrente à altura. Ocorreu que o jovem esposo querendo agradá-la e na mesma situação, vendeu o belo relógio e comprou com o dinheiro um lindo pente com três brilhantes, para os cabelos dela.

Devo ter me emocionado porque sempre achei muito lindo dar presentes, um ato de doação. De todos os trechos da bíblia, de longe o que eu mais gostava, era dos reis que traziam presentes ao menino Jesus. João Cabral de Mello Neto aproveitou a idéia, e no auto de natal “Morte e Vida Severina”, os pobres moradores do mangue trazem humildes presentes a uma criança que acaba de nascer: bolachas, caranguejos, pedaços de pano, frutas...bonito mesmo.

Adoro ver a cara de bobo que as pessoas fazem quando desatam fitinhas e desembrulham caixinhas:

- Não precisava...lá foi você gastar...

A boca fala uma coisa, os olhos falam outra. E quando damos exatamente aquilo que a pessoa queria ganhar então, é um deleite...

Todo esse preâmbulo aí nada mais foi do que o início de uma desculpa: adoraria presentear vocês, todos vocês, mas...

Sempre pensei em dar uma linda festa, mas festa daquelas onde a gente arca com os custos de transporte e hospedagem dos amigos e suas famílias, ida e volta, com direito a irem embora carregados de presentes. Festa com funcionários gabaritados para tomar conta das crianças, dos adolescentes, com acompanhantes para levar quem quiser a conhecer São Paulo ou às compras, carros à disposição de todos, festa faraônica, de uma semana no mínimo. O ponto máximo da festa seria um baile de gala, você não tem traje de gala? Eu forneceria o traje, sem problemas. Um mestre de cerimônias no final sortearia um carro, dois, três!

Bom, para isso precisaria a sorte nas loterias, eu? Imaginem...

Então vamos descer um pouco desse sonho, e para amenizar a falta de presentes, resolvi sortear entre vocês um livro: A volta do filho pródigo, de Henri J.M. Nouwen, um dos livros mais belos que já li. Você não terá a minha festa, mas terá um banquete celestial, pode acreditar. Para concorrer, tudo o que você precisa fazer é manifestar seu interesse aí nos comentários, portanto, mãos à obra. Não quero que fique nenhum de vocês de fora.

Essa será uma boa oportunidade para você, que me visita ocasionalmente, e que nunca se apresentou, se apresentar. Manifeste-se, e concorra ao livro, você irá gostar.

O sorteio vale também para os leitores que moram fora do Brasil.

Se você está entrando aqui hoje pela primeira vez, não tem importância, manifeste-se também e concorra ao livro.


Se você já tem ou já leu o livro, manifeste-se igualmente. Você poderá presentear alguém com ele.

O importante é você não ficar de fora, vamos lá, não me deixem passando vergonha!

O sorteio será no dia 21 de dezembro, por volta das sete horas da noite, e todo aquele que tiver se inscrito até o último minuto poderá concorrer.

Agora é com vocês.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Provérbios 30:34

Duas coisas me encantam e a terceira me encanta demais:

Crianças brincando de faz de conta.
Devotos em suas práticas religiosas.
Mulheres grávidas conversando sobre suas gestações.
Duas coisas me irritam e a terceira me irrita muito:

Conversa mole de bêbados.
Idosos reclamando dos novos tempos
Mulheres falando mal de uma mulher ausente.

Duas coisas jamais me irritam, e a terceira não me irrita nunca:

Barulho de crianças brincando.
Cachorros latindo – sou capaz de dormir com uma matilha de cães ladrando à minha porta.
Adolescentes barulhentos. De um lado as meninas com seus risinhos afetados, seus gritinhos esganiçados, arrumando o cabelo o tempo todo. De outro os meninos com suas falas meio grossa meio finas, competindo entre eles para ver qual o mais falante, mais esperto, mais engraçado. Adoro.


 

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Aula de cursinho


Imaginem uma enorme, uma imensa, uma infinita mesa de bilhar. Aquele tapetão de feltro a perder de vista.

Imaginem uma bolinha de bilhar. Até aí fácil, não é? Agora imaginem a ausência de atrito, aquela coisa lá das aulas de física dos bons tempos.

Então essa bolinha era a Bete. A mesona era minha vidinha. A ausência de atrito, claro, era sonho.

Tudo o que eu precisava era um empurrãozinho. De leve. A ausência de atrito fazia o resto, aquela aula de inércia que nós não entendemos nada.

Eu ia ao infinito...só com um leve empurrão...

Mas a vida não é um feltro verde, eu não sou redondinha, pelo contrário, sou cheia de arestas, atrito é o que mais existe e ninguém está me dando um empurrãozinho que seja.

É por isso que eu estou aqui, encalhada feito uma foca.

CQD. Como queríamos demonstrar.


Nota da redação: encalhada = vida parada, não tem nada a ver com falta de pretendentes, ok?

 

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O belchior

 Você sabe o que é um belchior? É o dono de um bricabraque. Não ajudei muito, não é? Bricabraque é uma lojinha de coisas usadas, móveis e badulaques, um antiquário, para sermos elegantes. E belchior é o dono de um estabelecimento desse tipo.

Você já imaginava o cantor, não é mesmo? aquele de voz anasalada? que cantava umas músicas de letras compridas? que pareciam não caber na melodia? que sumiu?

Não, calma, volte. Não vou passar a falar de coisas que desapareceram, chega de saudosismos.

Por falar nisso, a latinha de fermento em pó Royal mudou de formato. Agora tem cinturinha. Todas as embalagens agora tem cinturinha, creio que esses desenhistas de embalagens nos tomam por um bando de preguiçosos, inúteis, incapazes de fazer bom uso dos nossos dedos, mas isso claro é reclamação de quem nasceu antes de 1980.

Por que será que as pessoas de mais idade relutam ante as coisas novas? Pode ser o medo de perder o chão, minha analista diria zona de conforto. Não fiquei assim, com o novo desenho de minha igrejinha?

Quando coloquei nas mãos de minha mãe o primeiro controle remoto, ela pegou aquilo toda ressabiada – quer dizer que eu não posso mais ligar o botão da tevê?! Pode, mãe, mas assim é bem mais fácil, você vai gostar. Claro que ela gostou.

Meu amigo e quase noivo Aristides Theodoro não quer nem ouvir falar em computador. De tanto eu insistir, ele acabou se matriculando num curso. Ele é inteligente, aprendeu rapidinho. Mas voltou para a máquina de escrever. E ri da cara da gente quando ouve falar em google.

- Aquilo só traz besteira, menina...

Claro. Para quem tem um acervo de 7000 livros – lidos, uma ferramenta de busca é mesmo coisa de trouxas, ele pode rir de mim o quanto quiser. Foi ele quem me disse que mais vale um prazer do que dois tostões é frase de Somerset Maugham. No original, dois cêntimos.

Mas onde estava eu mesmo?

Ah, no bricabraque.

É que eu passei ontem pela principal rua do bairro do Ipiranga, onde existia há meio século uma lojinha de sapatos com esse nome: Bricabraque – calçados finos para toda a família. Fechou.

No lugar há um salãozinho de beleza. Ambos os sexos. Fazemos todo tipo de química e escova progressiva. É o povo se alisando, ocultando suas raízes, literalmente.

Novos tempos.

Administrando sua farinha e seu azeite

 Se você é viúva recente, e chegou aqui através de alguma ferramenta de busca, peço que leia o que se segue. É um texto extenso, mas tenho certeza de que irá lhe ajudar. Eu quero chamar você para falarmos sobre as providências que devem ser tomadas logo após o óbito.

É triste o que eu vou dizer, mas verdadeiro: o mundo não pára um só instante em função de sua dor. Muitos à sua volta, principalmente credores, serão implacáveis e nada sensíveis. Funcionários de bancos e financeiras, por exemplo, são treinados a não se deixarem levar por nenhum tipo de sentimento. E é justamente no momento em que você está assim fragilizada, que aparecem as aves de rapina, e o lamentável disso é que elas se encontram muitas vezes no seio de nossas famílias, às vezes são até mesmo nossos filhos. Por isso é fundamental tomar pé o quanto antes de sua situação.

A sábia igreja católica define um prazo de sete dias para o ofício da primeira missa. Eu entendo por dedução que esse prazo é o tempo máximo que uma pessoa realmente tem para se entregar e chorar. Findo esse prazo, é hora de agir. Em uma outra hora poderemos conversar sobre a elaboração do luto, sobre a vivência do luto no contexto do dia-a-dia. Não é que o pretendo agora.

Sua primeira atitude formal deverá ser a retirada da Certidão de Óbito no cartório. Provavelmente algum parente cuidou do enterro para você, e esse parente detém essa informação. Agradecendo a essa pessoa, peça a ela todos os documentos que dizem respeito a esse último instante do falecido. Documentos da funerária, documentos do cemitério, localização do túmulo, quadra, etc. Se for um cemitério público, já verifique a data de exumação, essa já é uma primeira tarefa administrativa. Junto com esses documentos sempre vem a informação sobre em qual Cartório a Certidão está, e qual a data em que estará pronta. Provavelmente essa pessoa lhe dirá: - deixe que eu faço isso para você...

Mas esse, amiga, é o seu momento de se afirmar como administradora de sua vida. Agradeça e diga não. Esse é último documento de seu esposo, esse assunto só diz respeito a você e a mais ninguém. Vá ao Cartório. Retire o documento. Lá mesmo já providencie várias cópias. Começará aí a sua maratona.

Compre numa papelaria algumas pastas de papelão com elástico, e vá colando etiquetas. A primeira pasta então será destinada ao óbito, e documentos pessoais do falecido. Compre também um caderno universitário. Falarei adiante sobre isso.

Faça um inventário dos documentos encontrados nas coisas do falecido. Aí você já poderá abrir uma pasta destinada a documentos de propriedade: escrituras, contratos de compra e venda, certificado de propriedade de veículo, por exemplo. Abra uma outra destinada a Bancos, coloque lá tudo o que encontrar de extratos e papéis bancários. E uma outra destinada a dívidas, lá coloque boletos bancários ou carnês que encontrar.

Se seu esposo mantinha conta individual, e nunca lhe comunicou a senha, é fundamental descobrir. Procure nos guardados dele, as pessoas sempre anotam em algum lugar. NÃO AVISE BANCOS NESSE MOMENTO. Os funcionários de bancos só trabalham pelo manual. Se você comunicar o óbito, eles bloquearão o saldo existente, que então somente poderá ser movimentado com ordem judicial. Se o seu esposo mantinha apenas um pequeno saldo relativo às contas e despesas do mês, esse dinheiro poderá ser sacado tranqüilamente mediante cartão eletrônico.

Passemos agora à moradia e demais bens. É necessário realizar um inventário. Para isso oriente-se com pessoas de confiança que indiquem um advogado. Mas sempre vale dizer que um inventário pode ser realizado em qualquer tempo, porém, o que aumenta com o passar desse mesmo tempo é o imposto causa mortis. Se você não puder cuidar disso imediatamente, tenha sempre em mente essa preocupação, não se esqueça dela. Sem o inventário, será impossível dispor dos bens, principalmente imóveis.

Já que falamos em imóvel, essa situação precisa ser avaliada com rapidez. A casa é própria? Então está enquadrada na questão acima. Era financiada? É necessário procurar imediatamente o agente financeiro. É hora de começar a usar o caderno universitário que eu falei. Sempre com ele em mãos, procure o agente responsável pelo financiamento da casa. Na frente do funcionário, anote seu nome e sobrenome. Pergunte sobre como fica a situação do empréstimo com a morte do seu esposo. Os contratos possuem cláusulas específicas para essa situação, creio até que a dívida ou parte dela são quitadas com o falecimento de um dos cônjuges. Mas informe-se com exatidão sobre essas cláusulas, anote, pergunte, não tenha vergonha de perguntar quantas vezes preciso for. Esse é um momento em que será bom alguém consigo, se não tiver um filho ou neto que lhe acompanhe, procure ir acompanhada de uma amiga de confiança. A seguir tome todas as medidas necessárias conforme a instrução do funcionário do agente financeiro, que normalmente é um Banco.

Se a casa é alugada, e você não tem mais condições de arcar com o aluguel, com a cópia do contrato em mãos, que você já terá encontrado, mais o seu caderno, vá a imobiliária e tente negociar a multa por quebra de contrato.

Chegamos às demais dívidas. Saiba que, com a morte de uma pessoa, não cessam as suas dívidas. Os herdeiros herdam o patrimônio e as dívidas do falecido. E você é responsável por todas as dívidas do seu esposo. Se você não tiver meios próprios de quitá-las, é hora de negociar. Sempre com o caderno em mãos, vá pessoalmente, por exemplo, à financeira onde ele comprou o carro. Negocie, pergunte da possibilidade de devolver o carro. O valor de um carro não é bastante para cobrir a dívida, mas é uma forma de amortização. Tente uma renegociação, anote tudo o que o funcionário for lhe falando. Não aceite nenhum tipo de renegociação verbal, exija provas documentais de tudo o que está sendo acordado. Uma outra solução é encontrar alguém que queira assumir a dívida, mas faça isso de forma documentada. Nem pense em deixar o carnê nas mãos de um amigo para ele ir pagando e lá na frente veremos como fica. Ele pode simplesmente não pagar, afinal o nome envolvido não é o dele. E lá na frente você terá um problema ainda maior. Leve-o até a loja, e providencie a transferência da dívida da maneira correta. A loja saberá lhe orientar, mas nunca é demais dizer: anote tudo. Uma coisa importante: para formalizar qualquer negociação que diga respeito a um bem, como um carro, você precisará de uma autorização judicial. Nos tribunais de pequenas causas, é fácil conseguir uma autorização para movimentar conta corrente de pequena monta e venda de poucos bens.

Agora é hora de ir ao Banco. Se a conta era conjunta, você não terá maiores problemas. Você tem legalidade para saber de toda a situação de sua conta. Se era individual, leve uma cópia autenticada da certidão de óbito, e uma carta, mesmo de próprio punho, solicitando ao gerente informações gerais sobre a movimentação. Faça uma cópia, peça a ele que carimbe e assine a cópia. Digo isso porque o gerente poderá lhe dar a resposta clássica: eu irei ver...Então você entrega a carta e impõe limites. 24 horas, pode ser? Pergunte na carta se a conta possuía:

Limite de cheque especial, e se estava utilizado ou não
Empréstimos vinculados à conta
Cartões de crédito
Investimentos
Seguros

Se a conta for individual e tiver investimentos, eles somente poderão ser levantados mediante o alvará de que falei acima, que você terá de providenciar. Procure sempre uma boa negociação para cobrir eventuais saldos negativos de cheque especial, empréstimos e faturas de cartões de crédito. E vá fazendo seu caderno funcionar, anote tudo na frente do gerente. Não havendo dívidas, diga ao gerente que irá acompanhar a conta por algum tempo para ver se não há cheques pendentes. Passado esse tempo, com o pagamento de todos os cheques pré-datados, volte com uma outra carta solicitando o encerramento definitivo da conta.

Finalmente, procure a Seguridade Social para solicitar a pensão a que tem direito.

Estas instruções estão muito longe de esgotar o assunto. Tomei como base uma pessoa da classe trabalhadora, que recebe seus vencimentos na própria conta, ou que deposita para ir suprindo as despesas do dia-a-dia, que possui de seu apenas a casa em que mora, tem um ou dois carros, enfim, uma pessoa de vida simples como eu. Claro que existem inúmeros desdobramentos, e quanto maior for o patrimônio deixado, mais intrincadas deverão ser as medidas a serem tomadas. Quando os bens envolvidos forem imóveis, é necessário iniciar o quanto antes a abertura do inventário.

No final de cada dia, repasse o seu caderno, comece cada dia sempre anotando a data no alto da página. E reveja todo o passo a passo daquele dia, e já resolva o próximo passo a ser dado. Rememorize os locais onde você foi, tenha anotado os endereços, telefones, nomes de quem lhe atendeu, e já se programe para o dia seguinte. Funciona bem melhor do que agenda.

Finalmente, não aceite pressão, nem mesmo de seus parentes, nem mesmo de filhos. Não assine nada, não se desfaça de nada, não tome decisões debaixo de nenhum tipo de pressão, se for o caso levante-se e diga aos familiares que você precisa ficar só para pensar. Se for um contato telefônico faça o mesmo, anote o número e diga que liga de volta. Deixe bem claro que você está no comando de sua vida, e que as decisões virão de dentro para fora, ou seja, virão a partir de você. Não admita que ninguém tome decisões por você, ou que lhe pressione.

E continue a me visitar. Tenho a honra de receber aqui visitas de pessoas descoladas, inteligentes e sensíveis, você verá também que as viúvas daqui, e mesmo as que não são viúvas, sabem levar a vida com bom humor, descontração, coragem e fé, principalmente fé. Isso irá lhe fazer enorme bem.



 

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Eu tive um cliente chinês

Tive nos meus tempos de gerente de banco um cliente chinês que se apresentava como Lúcio, até o dia em que descobri que seu verdadeiro nome era Kuo. Aí eu espalhei a notícia para a rapaziada, e ele virou nossa vítima.

Pela pronúncia natural da língua portuguesa – ou pela nossa má vontade – era impossível falar K-u-o. Então por aí vocês já podem imaginar o teor das brincadeiras.

Era só ele adentrar no recinto que a gozação começava:

- Pessoal, passem o Kuo para a frente. Rápido, pessoal, o Kuo é apressado. Gente, não esqueçam de conferir direitinho as coisas do Kuo.

Ele ria, e falava: não pessoal, não, é Lúcio. Mas não ligava, e a brincadeira corria solta.

 Tremendamente pródigo, ele sempre deixava pago para nós uma rodada de cerveja. Uma vez ele nos mandou ir ao Bar da Bolsa, que tinha esse nome por ficar no prédio da Bolsa de Cereais. Disse que fôssemos lá e bebêssemos a vontade, que ele iria mais tarde acertar a conta. Mas ele demorava, e as gozações só aumentavam:

- Puxa, o Kuo deu pra trás...

- Isso que deu confiar no Kuo da Bete.

E desce cerveja, e drinkes e comestíveis, entre muitas gargalhadas. A conta começava a ficar perigosamente alta. Mas eis que chega o Kuo, estivera trabalhando até aquela hora.

Sempre sorrindo, pagou a vultosa conta. Nessa hora ele virou Lúcio! Garçon, este é o Lúcio! O Kuo? O Kuo ficou pra trás... ele ria, ria gostosamente.

O Kuo tinha profundas rugas na face, eu creio que de tanto rir. Nunca o vi mal humorado, sempre trabalhando, conferindo mercadorias, empilhando caixas, atendendo fregueses, ele era atacadista de bolsas, cintos e carteiras. Trabalhava muito e sorria muito.

Só reclamava quanto ao nome, mas sem parar de rir:

- Não, não, pessoal, é Lúcio!...


A nossa agência era pegada com o estabelecimento dele, e funcionava para ele e seus empregados como um anexo. Era comum seus empregados a até esposa e filhos virem buscar dinheiro com a gente:

- Patrão mandou pegar cem cruzados. Era o nome do dinheiro na época...

- Cinqüenta, rapidinho...

- Me dá dinheiro para o lanche? Eram os filhos.

- Precisa dinheiro para a feira. A esposa, para nós os piadistas, a mulher do Kuo.

No final do dia, sempre sorrindo, ele vinha fazer um cheque para acertar a pendência. Isso quando o saque não era feito a descoberto: pagávamos por conta dos depósitos que ele faria no final do dia.

Mas às vezes o Kuo demorava.

Todo dia, na hora do fechamento, era certo ouvir alguém perguntar: Kuo já veio? Às vezes alguém era escalado, sempre na piada, “para ir atrás do Kuo”.

E ele vinha, sempre rindo, nunca conferindo nada, nunca desconfiando, acertando a pendência na quantia que a gente apresentava, e ainda arrematando:

- Se vocês tiverem diferença, falem comigo.

Não é raro bancários terem diferenças no caixa, e ele nos socorreu em algumas vezes, sem nem querer ouvir muito a explicação.

- Esse sujeito age assim porque está ilegal no país, para comprar os serviços de vocês! Eram os gerentes invejosos. Invejosos e desonestos, adorariam ter a confiança de um cliente assim para poderem enganá-lo à vontade. Mas eu e nenhum dos meus rapazes jamais o enganamos. Nossas contas com ele eram exatas.

Eu muitas vezes trocava dólares para ele, isso porque na outra ponta, eu tinha clientes que se interessavam em adquiri-los ao câmbio negro. Era muito comum naqueles tempos os gerentes de banco prestarem serviços dessa natureza. Quando eu voltava com a moeda brasileira, ele nunca perguntava qual tinha sido a cotação, qual era o montante e muito menos conferia. Sempre rindo, enfiava o dinheiro no bolso, não sem antes dar alguma coisa pra mim:

- Compra blusa bonita, ele dizia. Eu na verdade dividia com a rapaziada, aumentando ainda mais a inveja dos que ficavam fora do esquema. Ele confiava apenas em mim e nos rapazes Caixas.



Essa história não tem final feliz, ele morreu. Foi dar um jeito como eletricista, aconteceu o desastre, eu de minha mesa ouvi o barulho da explosão. Quando cheguei, ele já estava sendo colocado num carro, eu o vi de longe, já morto.

Com sua morte, ficou uma pendência em sua conta.

Os pessimistas, os maldosos, os invejosos de plantão, não poderiam deixar de passar a ocasião de fazer uma piadinha de humor negro: O Kuo deixou a Bete na mão. Para falar a verdade, as piadinhas foram mais pesadas, mas fiquemos só com esta.

Eu, porém, mantive a calma. Não fui procurar sua esposa sobre o assunto, não teria coragem de abordá-la com questões de dinheiro numa hora dessas. Eu sabia que corria riscos desde o início, e os riscos então seriam meus, não se pode ganhar sempre. Ignorando a zombaria dos colegas, permaneci serena.


Dentro de poucos dias, o pai dele chegou da China. Um empregado veio me chamar.

Entrei no estabelecimento, e levei as mãos ao coração, achei que ele entenderia minha expressão de dor. O idoso compreendeu, e imitou meu gesto.

Em seguida, o homem tirou do bolso uma carteira recheada de dólares, colocou em minhas mãos e disse:

- How much?

Fiquei entre emocionada e assustada com tanta confiança vinda de um estrangeiro. Teria o pai ouvido nossa história lá na distante China? Abri a carteira e pincei de lá as notas que correspondiam à pendência. Repeti o gesto da entrada, e saí. Nunca mais o vi.

- Você pegou pouco, sua boba. Um invejoso.

- Eu teria enchido a mão de dólares. Outro invejoso.

Tenho certeza de que vocês teriam feito isso, seus sanguessugas, imbecis, panacas. Mas com esse pensamento aproveitador, oportunista, velhaco, vocês nunca teriam caído na confiança do meu amigo Kuo.

- Lúcio, pessoal, Lúcio.


 

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Supercalifragilis-Ticexpialidocious

 Já andei me queixando aqui (o que mais faço) sobre algumas dificuldades estranhas com meus lados direito e esquerdo. Vocês que estão comigo há mais tempo já sabem que sintomas estranhos comigo é muito normal. Na época recebi de vocês uma série de bons conselhos e de todos tomei boa nota.

Sem desmerecer os demais, o mais encantador de todos, e que não foi via blogue, foi numa situação outra, veio de um amigo que disse: Bete, não se preocupe com o lado direito nem com o lado esquerdo, aliás, não se preocupe com lado nenhum, tire os pés do chão, voe!

Embora pareça um conselho subjetivo, não é tão absurdo assim. Existem situações, muitas situações eu diria, onde o melhor que se tem a fazer é procurar subir acima da razão e da emoção, ficar pairando feito uma pena, olhando lá do alto, como a olhar o circo pegando fogo lá em baixo, literalmente. Resolvi começar.

Mas veio o primeiro embate, diria que a primeira prova de fogo.

Em um dos filmes Os Caça Fantasmas, quase no final, era liberado no ar um poder terrível, que materializava qualquer coisa em que se pensasse. Então a ordem era não pensar em nada. E os heróis faziam todo esforço para não pensar em nada. Mas um deles não conseguiu, e pensou e por conseguinte materializou um enorme, um gigantesco monstrengo feito de puro marshmallow, que veio pra cima deles.

Já num outro filme, o Mary Poppins, a babá levava as crianças para tomar chá numa mesa que flutuava junto ao teto. E para conseguir ficar flutuando, a ordem era não parar de dar risada. O sujeito que parava de rir ou ficava mal humorado, puft, ia ao chão.

Por quê será que eu sei o nome da cobra, sei o antídoto, mas continuo deixando o veneno correr?

Foram exatos doze dias de puro pânico. Materializando um gigantesco monstrengo que só fazia crescer.

Se eu canalizasse toda essa criatividade para imaginar coisas terríveis que podem me acontecer, para um livro de mistério ou suspense, deixaria a velhota inglesa com inveja de mim no túmulo.

Mas tudo bem, vou acreditar que esses doze dias foram a minha versão dos
doze trabalhos de Hércules. Necessários, para expurgar uma série de pesados demônios, ou sei lá o nome que levam esses bichos.

É preciso ser leve para voar.

Então vamos lá novamente, soltando as amarras mais uma vez, o vento se faz bom, o céu está um brigadeiro e eu vou experimentar voar novamente.

Qualquer coisa vocês estão aí para me amparar. Ou o vento, ou as risadas. Podem rir. Eu não sou mesmo para ser levada a sério.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Elias eletrônico

de: profeta@elias.com

para:
viuvasdeelias@bete.com.br


Peço desculpas pela prolongada ausência. Estive mantendo o foco em necessidades emergenciais de viúvas em outras Praças.

Vamos pré-agendar uma reunião para esta sexta feira; se houver algum impedimento faço novo contato.

Com o restante de azeite e farinha que tens, faça-me um pão pequeno, para minha chegada. Quanto ao mais, cuidarei de tudo pessoalmente.

Abraços Fraternos


Elias
Profeta