segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A volta do moço bonito




Cyrano de Bergerac é a história de um espadachim, na Paris de 1640. Ele é apaixonado pela prima Roxane, mas por conta de um complexo causado por um enorme nariz não se aproxima dela, preferindo amá-la à distância. Então entra em cena Cristian de Neuvilette, um jovem por quem Roxane se apaixona.

Ocorre que Cristian não é chegado a eloqüentes declarações de amor. Quando vai ao pé da janela da amada, para fazer aquelas declarações à lá Romeu, ele diz:

- Oh, Roxane, eu te amo.

- Sim, mas amas-me como? Fale mais do seu amor por mim...

As jovens daquele tempo não eram nada diferentes das de hoje, adoravam enrolação. A coquete queria ouvir belas falas, de luas e brisas, sonhos e rouxinóis, murmúrios de cascatas e raios de sol nascente, corações partidos e quejandas. (Sempre quis usar a palavra quejandas, para ser sincera nem sei realmente se essa palavra existe)

É nesse pé que aparece Cyrano, que além de ter um enorme nariz, tem também uma fina eloqüência, cheia de charme, e resolve ajudar o atrapalhado jovem. Envolto em sua capa, oculto nas sombras das folhagens, ele vai ditando ao jovem palavras cheias de amor e encanto, para agradar aos ouvidos da formosa dama. Então ocorre que Roxane se apaixona cada vez mais pelo paspalho, achando que as palavras de Cyrano são dele, sem saber que no fundo está se apaixonando é pelo dono das belas palavras.

História bacana pra caramba, eu se fosse você garimpava e lia.

Blim, blom! É a campainha aqui de casa. Ela não faz exatamente blim blom, mas vamos em frente. Atendo.

Dou de cara com o moço bonito, materializado em calça e jaqueta jeans. Os olhos bonitos estão protegidos por óculos escuros. Óculos bonitos, claro.

- Então, é isso aí...estou aqui...o que você quer?

Se não falei falo agora, o moço bonito é econômico nas palavras, e já foi direto ao assunto. É o caso que ele deve ter se cansado de eu te amo de cá, eu te amo de lá, e veio aqui para conferir o resto do discurso. E ele está de mochila!

Ai valei-me minha santa Madalena!

- Entra... er...está um calorão não? Ontem parece que ia chover, mas não choveu, de noite esfriou, hoje parecia que ia fazer frio o dia até amanheceu meio friozinho mas agora, calorão né? Mas a previsão do tempo disse que talvez chova, se não chover hoje com certeza chove amanhã...

Entenderam o tamanho do meu problema? O meu discurso começa e acaba no eu te amo, parva feito um Cristian de Neuvillette. Eu ia precisar no mínimo de uma Alice Barollo escondidinha atrás do sofá ou da estante, pra ir me soprando as românticas frases para esticar o assunto, para desdobrar o eu te amo, por assim dizer.

E o que dizer então de atualidades, ou papo cabeça? Sim, porque também esqueci de dizer que o moço é culto...

Minha conversa seria do tipo tem aquela música aquela que começa assim nã nã nã ...esqueci, e tem aquele cara, aquele que escreveu o livro lá que todo mundo leu, e aquele filme, aquele da trilha que a moça loira gravou que não lembro o nome, e aquele quadro, aquele do nariz torto que está naquela galeria lá, e o presidente, aquele do país lá que falou na assembléia lá, e o sujeito que ganhou o prêmio aquele prêmio, sabe?

A Jeannie do seriado fazia acender um letreirinho para o major Nelson ir lendo quando havia alguma enrascada desse tipo.

Mas eu não tenho Jeannie, não tenho Alice Barollo, ainda não inventaram um chip de google pra gente instalar na cabeça, meu vocabulário poético é pobre pra caramba, então acho melhor o moço bonito ficar onde ele está.

Senão eu vou ter de investir num teleprompter...

O George Constanza, meu herói, meu ídolo, o fracassado dos fracassados da série Seinfeld namorava por telefone, e ele tinha um caderninho com um roteiro de assuntos. O pior é que eu também já fiz isso, e mais de uma vez...isso no tempo em que não havia MSN, porque bater papo cabeça ao MSN ao lado do google é facinho, facinho...

É...meu caso é mesmo perdido. Vida real ao vivo e a cores não é comigo...Então continuo aqui no meu bloguinho, mandando ver nos meus eu te amo à lá Neuvillete...

Mas quem sabe o moço bonito não seja tímido também...e que seja bom em caminhar por aí falando bobagens sem pé nem cabeça, achando graça em formato de nuvem, contando de tombos levados na infância, explicando o porquê daquela cicatriz, cantarolando em inglês enroleichom, parando numa barraquinha de tapioca, tudo como eu gosto de fazer... então eu teria até ter coragem de contar que uma de minhas maiores distrações quando ando por aí é ler letreiros de traz pra frente...

É...vamos continuar com os eu te amo. Nunca se sabe, nunca se sabe...