quarta-feira, 23 de abril de 2008

Um novo olhar



Meu filho tinha dez anos quando veio correndo, todo feliz, me contar a descoberta. Naquele tempo ele compartilhava suas felicidades e descobertas comigo. Bete, Bete (ele não me chama de mãe), eu descobri SOZINHO o significado do logotipo do Carrefour.

- Verdade filhinho? Sim, verdade, eu consegui ver um C, que legal, que demais! Só que tem uma coisa chata, continuava ele. Daqui para a frente eu nunca mais verei o logotipo do jeito que via antes.

E ele estava certo! Lembrei que nos anos 70, quando não havia Internet, circulava de mão em mão uma gravura, que era um jogo de sombras, em preto e branco. Diziam que era a figura de Jesus Cristo. Mas onde? Que Cristo, não vejo Cristo nenhum? Olha bem, aqui o nariz, aqui os olhos, veja bem, tem uma figura de Jesus aqui. E a gente olhava, e não via nada. Até que de repente, acontecia! Conseguia-se ver um rosto humano, que correspondia àquela figura de Cristo que trazemos em nossa imaginação. A estampa tinha até um título: Quem me vê, jamais me esquece. E era assim mesmo. Após vista a figura, não havia como ser “desvista”. Por isso entendi a colocação do meu garoto.

O meu amigo Lou andou estendendo melhor esse raciocínio lá na Gruta, ao falar dos nossos códigos de alfabeto, por isso não quero retomar este tema aqui, até porque não saberia falar melhor do que ele falou lá. Mas o pão que eu hoje quero assar fala sobre isso também, mas com um certo cansaço, ou nostalgia se quiserem, para fazer a frase ficar mais romântica.

Porque eu estou cansada dos meus códigos. Gostaria imensamente de me relacionar com as coisas, as pessoas, as situações e principalmente com Deus, isenta dos meus cansativos julgamentos, dos meus cansativos códigos, dos meus rótulos, referências, recorrências e fórmulas, principalmente fórmulas. Gostaria de ver “desvendo”. Gostaria de ouvir coisas pela primeira vez. Gostaria de me encantar com a mais corriqueira melodia como se ela fosse a música dos deuses. Gostaria de fazer uma oração que nunca fiz.

Quando meu filho era pequenino, um aninho mais ou menos, eu estava com ele ao colo enquanto cuidava do fogão. A água fervia. Ele olhou para a água fazendo aquelas borbulhas, e sorriu!

Eu queria olhar para a água fervendo e achar graça! Gostaria de ter olhos de primeira vez, olhos de encantamento.

Queria não ter um enorme índice de recorrências, para não ficar classificando cada pessoa, cada frase que ouço, cada informação, cada situação, queria me livrar dos escaninhos onde arquivo as coisas e as pessoas, e onde eu me arquivo também, tornando-me assim terrivelmente escrava da auto-imagem formatada que construí para mim.

Queria me livrar de frases do tipo: Ah, mas eu sou assim...Fulano? fulano eu conheço, ele é assim...Ah, eu tenho medo de...Não, não gosto de...Isso? Não, isso eu não faria jamais...

Gostaria de confiar menos em meus julgamentos internos, e depender mais da força do amor, que se eu deixar, irá com certeza me levar a navegar pelas águas certas, pois Deus é sempre um norte para aqueles que confiam inteiramente Nele.


E assim isenta, zerada, conhecer tudo de novo, passar a limpo situações, afetos e desafetos, a ponto de não saber mais quem é amigo e quem é inimigo, e de não saber mais se determinada situação é boa ou má. Apenas viver o momento, sem nenhum tipo de recorrência interna. Meus códigos não me fizeram mais feliz...

Imagino como deve ser delicioso comer chocolates pela primeira vez.