segunda-feira, 14 de abril de 2008

A sutileza

Foi então que um certo cavalheiro do meu relacionamento, em viagem a Paris, me perguntou: - você quer que eu lhe traga algum perfume? Diga qual e eu trago. Mas eu respondi: - não, eu gostaria muito mais se você me trouxesse um livro. Ao que ele replicou: - mas você não fala francês. Eu disse: - não tem importância, mesmo assim eu gostaria muito de ter um livro comprado para mim na França.

O sujeito foi e voltou. E me trouxe um livro. Um livro comprado na França, não restava dúvida. Porém impresso em papel jornal, numa rastaquera edição brochura, daquelas que aqui nós compramos em bancas de jornal, lá não deve ser diferente.

Já ouvi dizer que o diabo mora no detalhe. Já ouvi dizer também que Deus mora no detalhe. Eu concordo com ambos. Porque para se ter sutileza, é preciso estar finamente ligado a um ou a outro. Ou a ambos, quem sabe.

Para dar uma patada em alguém com luvinha de pelica, creio que é preciso uma certa intimidade com as coisas do mal. Para se emocionar às lágrimas com o 4º movimento da 5ª de Mahler, imagino que é necessário uma certa sintonia com o Divino.

Para as sutilezas do dia-a-dia, penso que é necessário uma mistura dos dois, e eu explico:

Espanta-me, por exemplo, ao andar num corredor estreito de algum supermercado, o carrinho atulhado de compras, precisando passagem, e há alguma pessoa parada tranqüilamente à minha frente, falando ao celular ou em devaneios na frente de uma gôndola. E me vendo, esse é o detalhe interessante. Mas se eu não disser em alto e bom som: COM LICENÇA! a pessoa na minha frente continua calmamente empatando o meu caminho, como se eu fosse invisível. A boa educação requer sutilezas. Andar por aí atento também aos outros é uma forma de ser educado. Quem caminha com essa desatenção tola, como se estivesse totalmente só no planeta, na minha opinião está totalmente desconectado das coisas do bem.

Outro exemplo: na semana passada, ao entrar no metrô, no satânico horário de pico, uma mocinha muito bem vestida me pregou uma violenta cotovelada no estômago. E entrou. Em seguida eu entrei também, mas disse a ela: Querida, você conseguiu entrar? Veja que curioso, eu também! Não sei se a minha frase foi do bem ou foi do mal. Por isso eu não tenho como atribuir as minhas sutilezas ao poder do alto ou ao poder de baixo.

Mas as minhas sutilezas caminham comigo, e não suporto quem não as tenha. Você poderá rir, mas desisti de insistir na paquera de um sujeito quando ele me disse que não sentia nenhum gosto no chuchu. Achei aquilo uma perigosa falta de sensibilidade.

Voltando ao cavalheiro de Paris, acresce dizer que ele me cortejava, e a família dele torcia pelo nosso casamento. Mas eu não quis casar com ele não. Às vezes me arrependo, ele era rico, hoje meu burro estaria amarrado por aí em alguma sombra do interior das Minas Gerais. Mas quando me lembro do livro em papel jornal, sinto que fiz a coisa certa. Se eu tivesse pedido um perfume, ele traria o perfume certo, pois toparia com alguma experiente vendedora francesa, mestra na arte de vender o produto melhor e mais caro. Como eu deixei a compra na mão dele, o babaca esticou a mão para o primeiro livro que viu pela frente, e não foi falta de dinheiro, pois dinheiro ele tinha. Foi desatenção mesmo, falta de sutileza, de elegância. De sensibilidade.

Um sujeito que não sabe a distinção entre uma obra tosca e uma caprichada encadernação francesa, não serviria mesmo para casar comigo. Pois!

E um detalhe sutil da máxima importância: O livro que ele me trouxe, era uma edição francesa de “O caso dos dez negrinhos”. De Agatha Christie. Inglesa.