segunda-feira, 21 de abril de 2008

O professor

 “Imaginem um imenso pano de rocha. De quilômetros e quilômetros de altura e extensão. À cada mil anos, um passarinho vem, e afia o bico nessa rocha. Quando a rocha estiver totalmente desgastada, de tanto o passarinho nela afiar o seu bico, então terá se passado apenas um dia da eternidade.”

Se você achou que essa é mais uma daquelas frases que recebemos diariamente, naquelas animações bobas de power point, engana-se. Era o professor, numa aula de matemática, empolgado, falando-nos sobre o infinito.

Fui ao curso apenas para assistir à aula inaugural, não pretendia voltar, o curso era caro, eu tinha um filho ainda pequeno. Mas não consegui desistir. Fiquei por lá um bom tempo.

Aquilo não era uma aula, era um espetáculo. Aquele não era um simples professor de matemática, ele era a própria matemática, que vivia naquele empolgado professor uma nova e bela dimensão. Aprendia-se além de matemática história, artes, costumes, filosofia. E muito, muito mais.

Ele desenrolava o fio da matemática, desde os primórdios, lá com os primeiros filósofos que pensaram matematicamente, e vinha ensinando nessa mesma seqüência, trazendo o ensinamento até os dias de hoje, até os nossos contemporâneos matemáticos.

Ele mostrava que a matemática, no amanhecer da humanidade, se prestava a satisfazer à curiosidade humana, a questões existenciais. Foi um matemático curioso que notou que a mesma espiral que havia na ponta do seu dedo, estava no universo, na forma de uma constelação.

Depois a matemática se prestou à agricultura. Era preciso demarcar áreas de plantio, determinar o produto de uma colheita.

Veio a era fabril. A matemática se prestou, como se presta até hoje, a otimização dos recursos. Se eu vou cortar uma peça de pano para confeccionar camisas, pensa o fabricante, qual o número máximo de camisas que eu posso extrair dessa peça? Qual é o corte ideal?

Depois era preciso tomar atitudes: como o mercado se comportou ante minha ultima venda? Onde devo investir mais, e baseado em que dados? Nascia a estatística.



Então aquele professor mostrava que a matemática servia para outras coisas que não fossem somente para se passar num vestibular ou num concurso público. Que a matemática estava na vida. Ele levava para a sala de aula embalagens, latinhas de alimentos, frascos de iogurtes, absorventes higiênicos, bombons. E mostrava na lousa a matemática de todos esses objetos. Tentem quebrar esse bombom ele dizia. Ele foi desenhado para resistir aos maiores impactos. Alguma vez você comprou um desses bombons que estivesse quebrado?

Vocês sabem porque o frasco de iogurte tem essa curva, perguntava ele? É para proteger ao máximo o seu conteúdo do calor externo. E desenhava, e traçava, e mostrava o porque.

Vocês sabem porque todos os nuggets do Mac Donalds tem exatamente a mesma cor e textura? E mostrava a matemática daquele evento, e de tantos outros, provando que essa bela ciência estava muito mais perto do que pensávamos.

E todas as suas aulas eram ilustradas por fotos.

A foto da curva da barriga de uma mulher grávida: uma curva que dá o máximo de proteção ao conteúdo. É a mesma curva do ovo. Tente quebrar um ovo segurando-o no sentido da altura, com o polegar e o indicador, ele dizia. Tente.

Então esse modelo de curva e muitas outras que há na natureza inspiraram os matemáticos, e hoje qualquer engenheiro sabe usá-las para construir arcos e pontes.

A foto de um favo de mel. O formato hexagonal dos alvéolos permite no interior da colméia uma refrigeração de fazer inveja a qualquer aparelho de ar condicionado. Os raios de sol incidem hexagonalmente em qualquer superfície. Imaginem o telhado de uma casa. Se um matemático calcular essa incidência, e fixar no estuque no interior dessa casa caixas hexagonais emborcadas, nessas mesmas linhas, ele terá, nesse interior, ar refrigerado. Abelha sabe disso.

Falando em abelhas, ele trouxe uma vez para a sala de aula um pedaço de asa de avião. Eram duas folhas de metal, recheadas por uma substância parecendo palha, com a consistência de alvéolos. Levíssima, mas com incrível resistência.

A foto de um cipó enrolado num galho. Ele mostrava a economia que há na natureza. Um cipó que se enrola num tronco irá cobrir, de um ponto ao outro, a menor distância possível entre esses dois pontos. Nenhum milímetro a mais ou a menos.

Não pensem que essas explicações ficavam só no romantismo. Era tudo pura matemática mesmo, aquela dos x e dos y.

Ao longo de suas aulas, ele ia contando a história de todos esses matemáticos, homens e mulheres, na maioria das vezes incompreendidos pela sociedade. Existiram aqueles que se destacaram na sociedade de seu tempo, que foram amigos de reis e rainhas, muitos tendo enterros ilustres, sepultados ao lado da nobreza. Mas a grande maioria viveu à margem, muitos morrendo na mais total miséria, alguns completamente loucos. Em todas as aulas ele trazia a foto do matemático do dia, e os títulos das aulas eram sempre em grego ou em latim.

Nas suas aulas esses matemáticos ganhavam vida, tinham suas biografias contadas cheias lances dramáticos, despertando o crescente interesse e a emoção dos alunos. O ponto de máximo da aula, era o final, onde o professor reproduzia na lousa a mesmíssima assinatura do matemático que assinava a aula do dia. E as aulas sempre acabavam com aplausos.



O professor nunca sonegou aos alunos nenhum dos seus conhecimentos, antes os incentivava a aprender com ele o máximo que pudessem, e que saíssem dali montando empresas de consultoria na área de exatas, como ele fez, desde os anos oitenta, ganhando fábulas de dinheiro.Vi na Internet que sua mais recente consultoria ficou em três milhões de reais.

Ele dá essas aulas até hoje, aos domingos pela manhã. A classe superlota, mesmo em feriados, carnaval, natal, ali não existe feriado, não existe ausência, os alunos se desesperam para não perder nenhuma aula.



Ali eu vim a aprender que a matemática era a ferramenta de Deus, e que ao freqüentar aquele curso, eu estava me aproximando Dele. O mesmo Deus que muitos insistem em dizer que se encontra somente nos templos. Mas para mim era ali, em meio às piadas, notações, história e conhecimentos que Deus se fazia presente. O interessante disso é que o professor nunca defendeu Deus em nenhum de seus argumentos. Ele insiste mesmo em dizer que não crê em nada, antes crê apenas na natureza, a physis, como ele gosta de dizer. E ele foi na natureza, muitas vezes, em formigueiros e cupinzeiros, buscar os elementos para as suas mais notáveis consultorias.

O professor mora sozinho no interior de São Paulo, num castelo medieval desenhado e construído por ele, acompanhado unicamente de seus gatos, todos pretos.