sábado, 12 de abril de 2008

Anônimos do bem



Eu queria convidar você a vir comigo, e juntos navegarmos na contramão dessa corrente que insiste em querer nos convencer que todo mundo é mau e que as pessoas não tem mais jeito. Para isso eu vou contar alguns fatos simples, do meu cotidiano.

Primeira cena: Meu colega de escritório, o Jonas. Assim como eu, ele ganha pouco. A grande maioria dos trabalhadores brasileiros espera ansiosamente pelas férias, não para descansar, mas para converter dez dias do descanso em abono pecuniário, e com esse dinheirinho, resolver alguma pendência financeira. Com meu colega não foi diferente. Mas a diferença foi que ele gastou todo o dinheiro das férias, veja bem, eu disse todo o dinheiro das férias, cuidando de um cachorro que foi atropelado na porta de sua casa. Gastou e continua gastando, pois ele colocou o cachorro para dentro de casa, e está cuidando das seqüelas do acidente do bichinho, e dando todos os remédios e vacinas necessários.

Outra: Mafalda minha amiga. Ela tomava todos os dias o mesmo ônibus, no mesmo horário. Notou que o motorista do ônibus estava muito raquítico, devia estar se alimentando mal. Passou a levar bananas e biscoitos para o motorista.

Mais uma: minha prima Gláucia. Ela tem uma vizinha tremendamente mal educada e desordeira, que mantém um pequeno negócio de venda de pastéis. Essa vizinha descarta na calçada de minha prima todo tipo de lixo do seu negócio: sacos e copos plásticos, guardanapos sujos, latinhas e garrafas de refrigerante vazias. Minha prima varre a calçada todos os dias, tranqüilamente e sem reclamar, recolhe todo aquele lixo, e ainda estende a varredura para o lado da vizinha mal educada.

Continuando, e novamente no meu trabalho: somos um sindicato de agentes penitenciários. É comum os presídios mandarem refeições embaladas, as tais kentinhas, quando temos associados em treinamento. De vez em quando sobram. Então meu colega Luiz recolhe todas aquelas sobras, e sai distribuindo pelas pontes e viadutos, aos moradores de rua. O JonA, o do cachorro, também faz o mesmo, já aconteceu de ele sair carregando as marmitas para distribuí-las debaixo de chuva.

Marina: ela recebeu a visita de uma vizinha bastante idosa, que chegou chorando. Aquela senhora, de nome Benedita, tinha uma vizinha tremendamente grosseira. Por conta de uma árvore, que despejava folhas em seu quintal, aquela vizinha xingava dona Benedita com horríveis palavrões, chegando até a ameaças. Não havia nada a fazer, pois a árvore estava na calçada, a prefeitura não permitia a poda. Marina se ofereceu para ir duas vezes por dia na casa da vizinha briguenta, varrer e recolher as folhas. E foi. E o fez, até a prefeitura dar uma solução.

Amélia: sempre que encontrava em um supermercado algum produto fora do lugar, como por exemplo, um pacote de salsichas na seção de panos de prato, ela ia devolver o produto ao lugar certo.

Minha querida amiga Osana: ela freqüenta uma igrejinha tremendamente pobre. Osana adoraria dar ofertas em sua pequena e pobre comunidade. Seu marido, porém, odeia crentes, e pensando que ela poderá dar ofertas, a deixa sem nenhum tostão para as despesas domésticas. Então um dia, ao sair de casa para ir à igreja, ela orou assim: Senhor Jesus, eu não tenho nada para ofertar em sua casa, então aceite esta simples caixinha de fósforos, que é tudo o que eu posso dar. Chegando lá, as senhoras estavam justamente precisando de fósforos, para fazer café.

À medida que eu escrevia, fui lembrando de outras cenas. Eu poderia contar de pessoas que recolhem cães e gatos, que gastam o último dinheiro da bolsa para comprar um remédio para alguém, que sacrificam uma linda tarde de feriado para ajudar outras nos estudos. Que trocam o pouco tempo livre fazendo capelania em hospitais. Que ficaram com a responsabilidade por crianças órfãs, que chegaram a arcar com custos de reforma em casas de pessoas necessitadas. E muitos, muitos casos assim, de amor e abnegação. Mas resolvi parar por aqui, porque tenho certeza que você também lembrará de outras pessoas. Então eu acho que você já me entendeu. Existem por aí, sim, a despeito de toda corrente contrária, esses anônimos do bem, gente que faz o bem sem nem mesmo saber que está fazendo. Agem com simplicidade, com pureza de coração, muitos sendo até considerados bobos e sendo alvo de gozações. Mas eles seguem por aí, não se importam com esses comentários, porque nem sequer os atingem. E se você reparar com atenção, há bastante deles por aí.

Mafaldas e Osanas, que materializam o amor e a gentileza em bananas e caixinhas de fósforos.

Então o meu pão de hoje é dedicado a essas pessoas – os verdadeiros anjos.