terça-feira, 8 de abril de 2008

A curiosidade

 Então eu fui fazer um exame de densitometria óssea. Se você é mulher e não sabe o que é um exame de densitometria óssea, é porque provavelmente nasceu depois de 1980. Mas o seu dia chegará, espere só. Então lá estava eu, naquela feia e ensebada clínica de convênio. Odeio essas humilhantes clínicas de convênio, atendimento obtido mediante pagamento a prestação, coisa mesmo de gente pobre, ou seja, eu. Irritam-me também aquelas atendentes de sorriso falso, usando aquelas ridículas redinhas de cabelo. Mas estou fugindo do assunto, onde estava eu? Ah, sim, fazendo o tal exame. Foi então que a moça-de-redinha-no-cabelo me ligou lá àquela engenhoca, e cometeu a imprudência de sair da sala. Foi o que bastou para que eu me levantasse, e fosse olhar para aquela máquina esdrúxula, que estava a criptografar os meus segredos ósseos.

Mas a moça retornou, e me passou uma tremenda descompostura, dessas que só nos passam mesmo em clínicas baratas de convênios pobres: - Puxa vida! Mas a senhora se mexeu, danificou todo o exame! E eu: - querida, desculpe, é que eu sou curiosa...

E é verdade, sou curiosa. Infelizmente também sou preguiçosa, portanto minha curiosidade não fez de mim uma cientista, uma culta estudiosa, uma poliglota. Fez de mim apenas uma fuçadora indiscreta.

Já fui retirada das partes proibidas do Metrô Sé por um irritado funcionário. Ali existem galerias sinistras, à lá Borges. Eu já ia descendo por uma escada lúgubre, cheia de curiosidade, quando me interrompeu o tal funcionário. Mas eu já andei nos trechos proibidos, aqueles que têm uma caveirinha de aviso. Só pra ver como era, e nenhum funcionário me viu.

Minha curiosidade já me levou a umas escadas debaixo do altar da catedral da Sé. Encontrei uma cripta fantástica, já estava começando a ler os nomes dos mortos quando fui novamente interrompida, desta vez por um seminarista. Cheguei a ver o nome do índio Tibiriçá.

Nos fundos do Hospital Municipal, minha curiosidade me levou a um enorme corredor em U, ensebado, com uma única lâmpada esquecida lá no alto, pendurada por um fiozinho preto, e sabem o que tem nesse corredor? Gavetas funerárias! Sinistro, algo que escapou ao próprio Borges.

Igrejas e cemitérios seriam um capítulo à parte, eu teria de abrir um post só para contar tudo o que já encontrei fuçando neles. Em igrejas já cheguei a encontrar até dinheiro! Em cemitérios, o mais interessante são as 13 almas do Cemitério da Vila Alpina, qualquer dia falo nelas.

Nos meus tempos de criança, não houve prédio do centro velho da cidade em que eu não entrasse, só para ver como eram por dentro. Adorava ir até a cobertura, conhecer a casinha do zelador, achava que devia ser o máximo morar na casinha do zelador de um prédio comercial. Fui uma das primeiras a saber que nos altos do prédio do antigo Banespa, atual prefeitura, havia um jardim, com árvores e tudo. Depois virou notícia, hoje todo mundo sabe.

Capelas escondidas, a minha curiosidade já me levou a várias. Na rua Xavier de Toledo próximo ao Teatro Municipal há uma, lindinha, muito agradável. Outra bem simpática também há oculta num lugar da Rua Domingos de Moraes. Falando em capelas, minha curiosidade também me levou a conhecer uma clausura de freiras.

A uma usina siderúrgica. Uma fábrica de chocolate. À gravação de programas de auditório. A um templo chinês, que fica no alto de um elegante prédio de apartamentos. Aos cofres dos subsolos dos Bancos. Ao alto da Santa Casa de Misericórdia à procura de uma linda casinha de freiras, que fiquei sabendo que há lá. Não consegui.

Dentre as minhas curiosidades insatisfeitas constam: gostaria de assistir à Missa do Cadáver. É uma missa realizada de tempos em tempos pelos alunos da Faculdade Paulista de Medicina. Quando eles vão descartar alguma peça. Peça para quem não sabe é braço, perna, mão, etc, não me perguntem o que é o etc.

Outra: adoraria conhecer as galerias pluviais, as tais galerias subterrâneas de São Paulo.

Outra não tão difícil assim, o que me impede é só a preguiça: gostaria de estar no Mercado Municipal bem cedinho, na hora em que chegam as mercadorias.

Gostaria também de poder caminhar pelas vias do metrô, à noite, sem pressa...esse é um sonho antigo. Uma época, quando estava em profunda crise deprê, quase coloquei esse plano em prática, pensei em me esconder por lá e passar a noite escondida vagando pelos trilhos. Até hoje lamento o bom senso que se apresentou e me levou para casa.

Já me disseram que é possível agendar uma visita monitorada ao metrô, mas assim não tem graça. Nada me aguça mais a curiosidade do que que uma placa de proibido, ou: não entre! e essa, a que mais gosto: proibida a entrada de pessoas estranhas. Porque essa me dá a deixa da piadinha manjada: mas você me acha estranha? Só que até hoje ninguem achou graça.