Então um dia numa época de Festas, uma cliente do Banco de nome Violeta Gomez, espanhola, veio me desejar Feliz Natal. Também comentou que ela e sua família costumavam comemorá-lo dentro da melhor tradição espanhola. Naquele tempo eu ainda não tinha aprendido a controlar minha mania de dar respostas impensadas, e falei:
- Ah, que legal! Quer dizer que vocês costumam cantar aquelas músicas infames, xingando Nossa Senhora e o menino Jesus de tudo quanto é palavrão cabeludo?
A espanhola ficou ofendidíssima atrás de suas sobrancelhas fininhas e arqueadas:
- Cruzes, que horror! Não, de forma alguma! Nós rezamos um terço e fazemos várias outras rezas antes de nos sentarmos à mesa.
E eu saí de fininho, constatando que tinha dado um fora. Mas mesmo envergonhada não deixei de pensar o quão chata não deveria ser aquela ceia.
Mas tudo isso era culpa dos Velazco. Do colégio até a faculdade eu tive a companhia da Lílian, que era filha de mãe espanhola e pai francês. Aquele povo era desbocado pra caramba, não respeitavam nenhum tipo de tradição, e por conta disso as noites de natal na casa deles eram uma festa maravilhosa.
A comida de natal daquela gente era a mesma do ano todo, um pouquinho só mais melhorada, mas naquela casa comia-se bem o ano inteiro. Como em casa não se comemorava natal, era para lá que eu ia. Lá não tinha essa babaquice de esperar dar meia noite. A festa começava quando chegava o aguelito, o vovô Bertoldo, trazendo a bota de vinho. Chegando a bota, quero dizer, o aguelito, a festa começava.
Bota é um odre feito de pele de cabrito. Ergue-se o odre à altura da cabeça, e espirra-se o vinho para dentro da goela. O legal da bota é que não espirra tanto vinho assim, então não ficávamos bêbados, ficávamos alegres mesmo.
Sentados à mesa, a bota correndo de boca em boca, a cantoria começava:
- Vamonos, ahora a cagar-los! Era o aguelito. E começavam a primeira canção: Me cago em la virgem Mariiiiaaaa, me cago em la virgem Mariiiaaaaa, e a bota correndo e a cantoria só parava um pouco pra eles comerem.
Vamonos ahora! El niño Jesus! Começavam novamente, agora blasfemando em cima do coitadinho do menino Jesus.
Seis ou sete rodadas da bota depois, o cagado de la noche era o leite do menino Jesus. Nessa altura eu já estava vermelha de tanto rir.
O ponto máximo era me cago em los santos mistééééérios, seguido da santa hóstia, e finalmente, e para horror de uma jovem ex aluna da classe Estrela da Manhã de titia Amélia: Me cago no Espírito Saaaaanto!!!
Lílian e eu freqüentávamos a Igreja Pedras Vivas, ela estava pensando em se batizar, o que não chegou a fazer, mas o que quero dizer é que estávamos engajadas com as coisas santas. Mas aquele momento era uma trégua, por assim dizer, daquela santidade toda. E o absurdo contraste entre tudo o que aprendíamos na igreja e aquelas canções sujas, só conseguiam fazer a gente dar muita risada. Ela que era branquinha, ficava vermelha de tanto rir. E o pai dela, o Charles, justamente pra fazer piada de sua filha com mania de freqüentar igreja, botava mais lenha ainda na fogueira.
Meia noite vinha o champanhe, e no levantar das taças, aquele pessoal falava:
- Salud e... – não, não tenho coragem de botar a palavra aqui, mas é pesadíssima. E também não terei coragem de falar de outras gozações, que torna tudo o que falei aqui tremendamente inocente.
- Ah, que legal! Quer dizer que vocês costumam cantar aquelas músicas infames, xingando Nossa Senhora e o menino Jesus de tudo quanto é palavrão cabeludo?
A espanhola ficou ofendidíssima atrás de suas sobrancelhas fininhas e arqueadas:
- Cruzes, que horror! Não, de forma alguma! Nós rezamos um terço e fazemos várias outras rezas antes de nos sentarmos à mesa.
E eu saí de fininho, constatando que tinha dado um fora. Mas mesmo envergonhada não deixei de pensar o quão chata não deveria ser aquela ceia.
Mas tudo isso era culpa dos Velazco. Do colégio até a faculdade eu tive a companhia da Lílian, que era filha de mãe espanhola e pai francês. Aquele povo era desbocado pra caramba, não respeitavam nenhum tipo de tradição, e por conta disso as noites de natal na casa deles eram uma festa maravilhosa.
A comida de natal daquela gente era a mesma do ano todo, um pouquinho só mais melhorada, mas naquela casa comia-se bem o ano inteiro. Como em casa não se comemorava natal, era para lá que eu ia. Lá não tinha essa babaquice de esperar dar meia noite. A festa começava quando chegava o aguelito, o vovô Bertoldo, trazendo a bota de vinho. Chegando a bota, quero dizer, o aguelito, a festa começava.
Bota é um odre feito de pele de cabrito. Ergue-se o odre à altura da cabeça, e espirra-se o vinho para dentro da goela. O legal da bota é que não espirra tanto vinho assim, então não ficávamos bêbados, ficávamos alegres mesmo.
Sentados à mesa, a bota correndo de boca em boca, a cantoria começava:
- Vamonos, ahora a cagar-los! Era o aguelito. E começavam a primeira canção: Me cago em la virgem Mariiiiaaaa, me cago em la virgem Mariiiaaaaa, e a bota correndo e a cantoria só parava um pouco pra eles comerem.
Vamonos ahora! El niño Jesus! Começavam novamente, agora blasfemando em cima do coitadinho do menino Jesus.
Seis ou sete rodadas da bota depois, o cagado de la noche era o leite do menino Jesus. Nessa altura eu já estava vermelha de tanto rir.
O ponto máximo era me cago em los santos mistééééérios, seguido da santa hóstia, e finalmente, e para horror de uma jovem ex aluna da classe Estrela da Manhã de titia Amélia: Me cago no Espírito Saaaaanto!!!
Lílian e eu freqüentávamos a Igreja Pedras Vivas, ela estava pensando em se batizar, o que não chegou a fazer, mas o que quero dizer é que estávamos engajadas com as coisas santas. Mas aquele momento era uma trégua, por assim dizer, daquela santidade toda. E o absurdo contraste entre tudo o que aprendíamos na igreja e aquelas canções sujas, só conseguiam fazer a gente dar muita risada. Ela que era branquinha, ficava vermelha de tanto rir. E o pai dela, o Charles, justamente pra fazer piada de sua filha com mania de freqüentar igreja, botava mais lenha ainda na fogueira.
Meia noite vinha o champanhe, e no levantar das taças, aquele pessoal falava:
- Salud e... – não, não tenho coragem de botar a palavra aqui, mas é pesadíssima. E também não terei coragem de falar de outras gozações, que torna tudo o que falei aqui tremendamente inocente.
Quando li, anos mais tarde “Por quem os sinos dobram”, de Hemingway, eu ria e chorava ao mesmo tempo. Reencontrei ali todos os meus queridos e desbocados espanhóis. Não sei de onde veio a mania daquele povo de misturar coisas sagradas com obscenidades, nunca perguntei, até porque quando estava com eles, ou estava comendo e bebendo, ou cantando, ou dando risada.
Quando lá pelas tantas da madrugada, quase na manhã do dia seguinte, Lílian, Olívia e eu íamos dormir, a gente ainda tentava puxar um pai nosso, pra dar uma zeradinha nos pecados da noite. Mas não conseguíamos. Acabávamos dando a última gargalhada da noite. E caíamos no sono, com a alma em paz.
Então para terminar esta noite santa e abençoada com uma reflexão, quero convidar você a pensar se Jesus, o próprio (eu gosto desse tema não?) aparecesse ali, amigo de uma festa e de uma boca livre que era, e vendo aquela cantoria toda, você acha que:
a) Jesus ficaria horrorizado, e se retiraria ofendidíssimo ou
b) daria uma gostosa e sonora gargalhada, puxaria uma cadeira e diria vai passando essa bota aê ô!?
Buenas noches!