Uma
beleza inesperada, de Luciano José de Lima
Numa prateleira, no fundo de um sebo das imediações da Sé, em São Paulo, encontrei um livro em capa de couro flexível, parecia uma velha agenda. Ao abrir a primeira página li: “Diário de Theo”, com um endereço para devolução em caso de perda.
Antes de seguir para o balcão, abri uma página a
esmo e comecei a leitura:
“Lembrei-me de um sábio que disse ser o exílio uma
situação na qual o corpo não pode acompanhar o desejo. Então reconheci o nome
da saudosa sensação que me habita(va). Por isso tomei o diário e, sobre a velha
escrivaninha, comecei a pintar com palavras um quadro de meus sentimentos, de
meu exílio.
A tarde se acinzenta e no vazio vespertino você
emerge em minha memória, sempre bela. Penso em procurar uma fotografia sua,
como um religioso em busca de imagens que dê pictórica face à sua devoção. Mas
precisava de algo que sinalizasse que um dia você voltou-se para mim, sentir
que em algum momento fui alvo de sua atenção. Foi aí que me percebi lendo
velhas mensagens trocadas em tempos há muito distantes. Era bom recordar
(trazer ao coração, como versa a etimologia) que você já dissera meu nome.
Assim me consolava a escrita, como um eco da sua voz, que, tomando conta desse
silêncio que mora em mim, me levava a alma num passeio.
Minha última esperança era um bilhetinho no qual
você prometia me encontrar naquele café no qual te esperei naquele dia. Voltei
lá depois, tantas vezes. Na prática de um ritual, tão pontual quanto o canto
gregoriano rezado nas vésperas no mosteiro, em cujo relógio meus olhos pousavam
tristes, acreditando que em algum momento seria surpreendido pelo seu sorriso.
O mesmo bilhete ainda marca páginas de seus poemas preferidos, grifados com
minha caneta preta, no livro que havia comprado e que nunca te entreguei...”
Fechei o diário com o olhar marejado e vi que estava
datado dos anos oitenta. Imaginava como podia a dor por alguém desconhecido me
atravessar como uma espada. Perguntei à dona do sebo se ela sabia do que se
tratava. Ela contou-me que pertencera a um rapaz e que ficou no guarda volumes
de achados e perdidos da antiga linha de trens Sorocabana, sediada na Estação
Júlio Prestes. E que no endereço citado, já não morava ninguém conhecido.
Senti aquela ausência como minha. Logo eu, tão
carrancudo, descobri um senso de solidariedade. Chorei por Theo, chorei por
Sophia, chorei por mim mesmo...
Luciano
José de Lima