sexta-feira, 12 de junho de 2009

O tartufo e eu

 Eu toda vida achei, como você também deve achar, que trufa era aquele enorme bombom cremoso mega recheado. Até que comecei a namorar um italiano. Trufa é a palavra francesa, ele me disse, italianos chamam de tartufo. Que nada mais é do que um fungo ou cogumelo, que dá dentro da terra e se assemelha a uma batata. E tem um perfume e um sabor que nem querendo muito eu consigo descrever, só você provando.

Ele trouxe da Itália para que eu provasse, você rala aquela maravilha e coloca sobre uma salada, um filé ou mesmo uma massa. E ele me disse que um filé com trufas é cinco vezes mais caro que o mesmo filé sem trufas. Namorar estrangeiro tem disso, a gente aprende coisas.

Falando ainda em culinária, ele nunca me deixava chegar perto do fogão, você não sabe fazer nada, deixa que eu faço. Então fiquei sabendo que esses pratos italianos escorrendo molho e queijo é coisa de brasileiros. Ele me apresentou a uma culinária honesta, com massas sim, mas delicadas, e a magníficos pratos de carnes e insalatas, onde o forte são as ervas perfumadas, tínhamos um canteiro com uma variedade delas, o mangericão reinava absoluto. Ele falava basilicão.

Nós não fomos exatamente namorados, você sabe como é, não sabe? Mas digamos que nossas escovas de dentes se conheceram intimamente.

Aprendi a entender italiano também, mas não a falar. Ele me apresentou a música italiana, e me envergonhei ao descobrir que de música italiana eu só conhecia aquelas velhas canções de churrascarias, muito diferentes de sua música atual. Foi ele quem me ensinou também que o nome próprio PaÔla nunca existiu. Adorei, tive uma colega esnobe na faculdade que deu esse nome à filha, se achando o máximo, isso nunca existiu na Itália, ele me dise. Falamos Páola. Assim como a tal da muzzarela de búfala, aprenda essa você, na Itália muzzarela de búfala é redundância, não existe outro tipo de muzzarela.

Morávamos num simpático apartamento, ele conseguiu encontrar no bairro do Ipiranga um cantinho que reproduzia a sua Itália, e isso ele me provou com fotos, e não é que era mesmo? Era um apartamentinho lindo num edifício de três andares, todo branco, portas e janelas azuis, com simpáticas sacadas, numa linda rua arborizada, com belíssima vista para o Museu do Ipiranga, coisa de sonho. De nossa sacada, ficávamos tomando cervejinha e tocando violão nas noites quentes e depois, bem, depois, tudo de bom.

E durante. Com um italiano, é sempre tudo de bom.

Mas um dia ele foi embora, essa parte da história deixemos para lá. Mas quem disse que ele se foi, ele deixou seu sorriso e sua beleza por aqui. Sua inteligência, sua criatividade, sua persistência mediterrânea. E suas chatices também. Seu pavio curto. Seu repentes de mal humor. Sua forma teatral, visceral, de viver a vida.

Ele dorme no quarto ao lado, tem vinte e dois anos, puro sangue siciliano. Ficou aqui, ficou comigo, ficou para sempre comigo, lembrança viva de que eu fui amada por um italiano. Muito bem amada, meus bons amiguinhos.