segunda-feira, 22 de junho de 2009

Da janelinha do ônibus II

Eu não sei desenhar, minha grande frustração.

Minha grande frustração e minha grande impotência, porque aqui dentro da minha cabeça, na minha mente, eu vejo com riqueza de detalhes os desenhos que gostaria de fazer.

Se eu soubesse desenhar, eu desenharia o tempo todo, porque o que mais vejo ao caminhar por aí são coisas desenháveis, vejo situações que estão como que pedindo para serem colocadas numa tela.

Mas eu não consigo desenhar nem uma casinha ao lado de uma arvorezinha debaixo de um solzinho.

- É porque você não tem vida interior, Elizabeth. Minha analista falando. Aquela mulher devia me odiar, ela se encarregava, sessão após sessão, em me colocar pra baixo. Isso lá é coisa que se fale a uma paciente?

Então pensei em fotografar. Só que nunca consegui comprar uma câmera decente. Tive uma, que se prestou a fotografar filhote, mas naquela época eu só pensava mesmo em fotografar filhote. E o tempo passou, e a câmera também.

Então eu me especializei em ver. Em olhar. E essa, desde então, passou a ser a minha distração e o meu consolo.

Para isso eu não preciso saber desenhar e não preciso de câmera, e a lembrança do que vejo ninguém jamais poderá tirar de mim.

"À janelinha do ônibus elétrico, esse deslizando lentamente pela Senador Queiroz, duas mulheres sentadas em caixotes descascando alho, uma moça fumando, com aparência cansada, o pé na parede, um homem levando um enorme peixe num carrinho de mão, um homem seminu descarregando um caminhão de cebolas, (as gotículas de suor rebrilham no seu dorso, entrevejo suas cuecas azuizinhas furadinhas), um garoto correndo para alcançar o ônibus, uma velha vendendo ervas numa banquinha, um comerciante abrindo seu estabelecimento...e o elétrico suavemente tirando da frente da cena aquela que daria tudo, tudo, mas tudo mesmo, para saber colocar aquela beleza num quadro."