domingo, 7 de junho de 2009

A abóbora e eu

Já andei contando por aqui historinhas da minha avó  Luísa, mas conforme já prometido, ainda não contei nenhuma de suas maldades, vovó rogava pragas delivery. Estou criando coragem, acho feio falar coisas feias de quem já partiu, mas ainda conto.

Mas então vou contar alguma de suas maldades domésticas, mais amenas do que as suas pragas, pois vocês podem acreditar, as pragas de vovó eram feias.

Vovó tinha por hábito nos acusar no atacado. Quando algum de nós fazia algo errado, todos levávamos a culpa, foi assim no caso da abóbora.

Eu entrei no quintal de vovó e topei com ela, era uma abóbora linda e imensa. Meu único pecado foi elogiar, vovó, que linda que está a abóbora, não? Fiquei por lá um pouquinho e voltei para minha casa. Pouco tempo depois vovó aparece, em lágrimas. Foi o caso que alguém entrou no quintal e cortou a abóbora, e a deixou lá, cortada junto ao pé. Maldade mesmo. Quem fez isso? Não sei, provavelmente o cramulhão, o demo, o tinhoso, o diogo, o tristonho, o mefisto, o sarnento, aquele que não quer ver ninguem feliz, aquele que veio para roubar, matar e destruir - o príncipe das trevas.

- Veja! disse vovó à minha mãe, veja o que as crianças fizeram, veja o que vocês fizeram, cortaram minha abóbora do pé, ainda não era tempo, vocês são crianças más!

Você já passou pela sensação de ser acusado de algo que nunca fez, e que sequer lhe passou pela cabeça fazer? Logo eu, que amava as plantas da minha avó?

- Quem, vó, eu? Vó, eu jamais...

Foi a minha bobagem, caros amiguinhos e amiguinhas... Naquele tempo eu ainda era bobinha, devia ter ficado quieta debaixo do anonimato da acusação, aquela coisa que todo mundo faz, ainda mais que pesava contra mim o fato de eu ter justamente naquela manhã elogiado a maldita. Aquilo me colocava imediatamente no banco dos réus. E como eu me defendi, só fiz atrair ainda mais a acusação, essa falta de lógica muito comum a acusadores: - foi você sim, só pode ter sido, além de má você é menina, e meninas não prestam!

Meninas não prestam. Cresci ouvindo vovó falando isso. Depois quando a gente cresce e gasta fortunas em terapias, alguns amigos falam nooooossa, que bobeira, gastar dinheiro em terapias...

Como eu não era muito boa em me defender, aliás não sou até hoje, fiz a única coisa que sabia fazer, e que sei fazer até hoje muito bem quando sou acusada injustamente de algo: abri o maior bocão. E com isso, só piorei as coisas. Minha mãe querendo amenizar, achou que era choro de remorso. Vovó, ruim que só a peste, achou que meu choro era medo de apanhar. Não passou pela cabeça de nenhuma das duas que o meu choro era de tristeza pela injustiça daquela acusação. Para mim, muito pior do que ser acusada de ter cortado a abóbora, era a idéia de que passasse pela cabeça da vovó que eu era capaz de cortar a abóbora. Mas como explicar isso no calor de uma acusação absurda, ainda mais quando se é criança na frente de dois adultos?

Não teve jeito, em menos de dez minutos eu estava acusada, julgada e condenada. E até hoje, acreditem vocês, quando alguém lembra a história da abóbora, todos olham para mim dando risada.

Mas aquilo só serviu para me deixar malandra. Pensei com meus botões: - já que de qualquer maneira vovó sempre me acusa, porque então não fazer artes? E foi assim que roubei a tesourinha de unhas dela, uma gracinha, tortinha, eu morria de vontades de ter aquela tesourinha, e eu bem que tinha tentado obtê-la de forma honesta, dá essa tesourinha pra mim vó? não, você não merece, você é má! Ok, vovó querida, a senhora tem razão, eu sou mesmo má, pensei...e a roubei. E como estava roubando, roubei também um lindo ovo de madeira que ela usava para costurar meias. Quando ela veio em casa dar conta do sumiço, eu fiz minha cara de paisagem, cara de nem ligo, cara de não é comigo, cara de não estou nem aí...vovó chorou, praguejou, disse novamente que eu não prestava, e foi embora, mas sem a sua tesourinha, que aliás está comigo até hoje, a tesourinha e o ovo de madeira, dos quais eu gosto muito.

Viram os efeitos da falta de Graça? Pecado. Entendi com vovó o ditado popular "ter fama e não rolar na cama". Levar a culpa e não pecar não tem nenhuma graça, foi a conclusão a que cheguei, e foi graças às acusações da vovó que passei a pensar assim.

Mas já que estou falando em falta de Graça, a acusação de cortar a abóbora de vovó, essa eu nunca perdoei. Afinal, sou menina má, não sou, vó?