quarta-feira, 3 de junho de 2009

A bolsa e eu


O que está em cima é como o que está embaixo
O que está embaixo é como o que está em cima
Para juntos fazerem o milagre de uma só coisa
Da Tábua de Esmeralda

Assim na terra como no céuDa oração do pai nosso

Foi na virada do século. Após sucessivos desempregos, a situação das minhas contas estava caótica e eu estava no meu Banco tentando encontrar uma tampa para fechar o ralo, antes que minha vida financeira fosse para o esgoto de vez. Quem me atendia era uma mocinha nervosa e mal humorada, como eu também estaria no lugar dela, se tivesse a mim como cliente. Foi então que ela me pediu um dado, não me lembro qual, acho que um número de contrato, o qual eu trazia anotado não sei onde. Procurei nas agendas, duas, não estavam, passei para a cadernetinha, também não, será que está nos compartimentos da carteira? ou dentro da bolsinha de moedas ou...tirei tudo o que havia na bolsa e fui amontoando aquela bagunça toda sobre a mesa da moça, agora com mais motivos para ficar nervosa. Enfim achei. Um telefone tocou a certa distância, a mocinha se levantou para atender, e aqui um parêntesis.

Tenho atenção periférica, coisa de ex-funcionária de banco. Em qualquer ambiente em que estiver, mesmo conversando com alguém, sempre presto atenção em tudo à minha volta, não só em imagens como sons. Nunca baixo a guarda. Por isso eu notava, enquanto era atendida, uma senhora por ali, vestida em trajes de funcionária de limpeza, e senti que ela estava prestando atenção à conversa. Ela me parecia muito atenta, e estava limpando demais o que já estava limpo. Fecho o parêntesis.

Continuemos. A mocinha se levantou para atender ao telefone e eu reuni minha tralha, mas senti que aquela mulher queria me dizer algo, e eu não me enganei. Ela foi chegando cada vez mais perto de mim, e limpando um computador já limpo, e sem olhar para mim disse:

"Como que você vai colocar sua vida em ordem, "fia", se nem a sua bolsa você consegue arrumar?"

Era uma senhora bem idosa, mulata, de cabelos brancos nas têmporas, lindos olhos pretos. Eu sorri para ela e disse: a senhora tem toda a razão, e muito obrigada. E ela também sorriu e se afastou, foi só.

Mas eu voltei para casa e esvaziei o conteúdo da bolsa na cama, e vou poupá-los não detalhando o excesso de bagunça que ela continha. Era só tralha, muita tralha. Foi ali que eu decidi que daquele dia em diante eu teria uma bolsa organizada, que conteria sempre os mesmos itens básicos, e que em todo final de dia eu a reorganizaria. Faço isso até hoje.

E resolvi colocar o sábio conselho em prática. Se eu quero ordem na minha vida como um todo, pensei, vou começar colocando ordem nas coisas à minha volta, vou fazer aquilo que está ao meu alcance fazer. Levei semanas, mas esvaziei gavetas, caixas e armários, doei quilos de roupas e coisas, e criei vários mecanismos de organização, tanto de contas como de tarefas. Elaborei uma planilha de gastos que uso até hoje, abandonei as agendas, passei a usar um caderno universitário, onde começo todo o dia escrevendo no alto a data e o dia da semana, e uso canetas azul para assuntos pessoais, vermelha para assuntos profissionais e às vezes marcador de texto para destacar algo. Reviso o caderno no final do dia e anoto o que vou fazer no dia seguinte. Agendas convencionais comigo não funcionam, minha letra é enorme e espaçosa. Por segurança, trabalho em paralelo com a agenda do computador, mas prefiro muito mais o meu caderno, até porquê caderno não dá pau.

E aquilo me contagiou de maneira muito produtiva. Até hoje, se encontro um botão no chão de casa, ao invés de me livrar dele colocando num vasinho qualquer, saio com ele na mão atrás da caixinha de guardar botões. E faço isso com clipes, tampinhas de caneta e toda essa miríade de coisinhas que fazem parte do nosso mundo.

Colocando as coisas à minha volta no seu lugar certo, penso, quem sabe um dia eu não encontre o meu lugar certo também.

O que aconteceu foi que após um tempo nem tão longo, minha vida financeira estava totalmente organizada. E sou feliz em dizer que até hoje, mesmo desempregada e com pouquíssimo dinheiro, ainda assim tenho as contas da casa em ordem. As moças dos supermercados sempre riem de mim, quando me vêem colocar aqueles papeluchos de máquina registradora dentro de uma caixinha de plástico, tampá-la cuidadosamente e colocar na bolsa. Papeizinhos de compras e de bancos voando pelos meus bolsos, bolsa e carteiras, nunca mais.

É pena que não perguntei o nome da sábia senhora, isso foi num bairro muito distante de onde moro, nunca mais a vi. Mas fiquei devendo a ela essa pérola: se você quer determinada solução em sua vida, comece praticando de algum ponto, mesmo que de forma simbólica, comece de onde está mais fácil começar. Na maioria das vezes não está na nossa mão assim tão facilmente a organização da vida financeira, então, comece organizando gavetas.

E essa lógica me vale, por analogia, para todas as demais situações. Fazer no mundo físico aquilo que quero ver acontecer no mundo das idéias, para mim é uma boa forma de colocar a vida no andamento.

Por conta desse processo todo senti que até a minha mente ficou mais organizada.