terça-feira, 23 de junho de 2009

A casa do meu pai


"Na casa de meu Pai há muitas moradas, e é por isso que eu digo que vou preparar um lugar para voces. E depois que eu for e preparar esse lugar, voltarei e os levarei comigo, para que onde eu estiver vocês estejam também."
Do Evangelho de São João.


Eu via pelas vidraças um solitário cavalo pastando nas imediações do colégio, era meu primeiro dia de aula. Eu sentia uma infinita tristeza, e sentia que meu lugar não era ali, mas onde seria? Decerto também não era em minha casa, eu nunca fora feliz em minha casa.

Aquele foi sem dúvida o primeiro momento de total infelicidade e abandono que senti. Constatei que eu não tinha espaço nenhum no planeta onde me sentisse segura, totalmente segura. Conheci, de modo contrário, o significado da palavra aconchego.

Aconchego era qualquer coisa que eu não sentia em lugar algum.

Desde aquele dia, sigo pela vida desejando esse lugar. Minha Pasárgada, minha Ítaca, meu Shangri-La. É o meu desejo insano de transportar minha almejada geografia pessoal do sonho para a realidade.

É o meu desejo de encontrar um lugar que não existe. Um espaço onde eu me sinta totalmente aconchegada. Protegida. Um lugar onde não há o confronto, o embate, o pesadelo e nem mesmo o sonho.

Onde não há lembrança do ontem nem preocupação com o hoje ou com o amanhã, onde o amanhã nem mesmo exista.

Sou amante da noite, gosto do silêncio da noite, gosto da solidão de minha casa à noite. Ligo baixinho a tevê, o rádio que leva música de concerto, escrevo, leio, faço um café, coloco um disco, cochilo, acordo, caminho descalça pela casa escura. Com isso fico um pouco mais perto do espaço seguro que sonho para mim; à noite, a sensação que tenho é de que o amanhã não existe, as ocupações do amanhã não existem, o mundo lá fora é passado, eu nunca mais terei de voltar lá. Há um reconfortante inverno em meu coração. Neva. Neva lá fora, mas eu estou aquecida e esquecida aqui.

Esses momentos são o mais perto que consigo chegar de um lugar que me faz feliz totalmente, da geografia perfeita que sonhei para mim, mas que é limitada pelos ponteiros do relógio, que se esvai ao canto da corruíra, o primeiro passarinho que canta nas redondezas, que me lembra que tenho de voltar de um lugar que nunca existiu, que não existe, não nesta vida. Não aqui.