Foi então, e só então, que eu olhei à minha volta e reparei na casa. Era um mimo. Eu tinha notado na chegada que seu exterior era gracioso, uma casinha recoberta de hera, um jardinzinho cheio de rosas, aqui e ali a Branca de Neve com os seus anões.
Foi então também que notei os móveis, antiquados mas em ordem, bem ao estilo de casa de vovó, com toalhinhas de crochê por toda parte, uma cristaleira repleta de louça antiga também guarnecida das tais rendinhas, um piano de armário coberto de porta retratos, e sobre todos móveis uma profusão de bichinhos e enfeites de porcelana.
A partir daí, a gentil dona Esmeralda, ignorando a efervescente cidade me aguardando lá fora, e como se eu tivesse viajado mais de duzentos quilômetros apenas para ouvi-la, começou calmamente a me contar sua história.
Ela me contou do início de seu namoro com o falecido esposo, das peripécias dos dois para se furtarem à dura vigilância dos pais dela, da permissão para o namoro finalmente conseguida, falou do noivado, da festa de noivado, do casamento, e à medida em que contava, ia descendo retratos de sobre o piano e das paredes.
Eu, fascinada, não conseguia parar de escutar.
Ela me contou que com suas aulas de piano, e o soldo militar dele, não tendo eles filhos, conseguiram realizar muitas viagens, algumas ao estrangeiro. Com isso ela foi me contando a origem de cada bibelô, de cada enfeite, muitos trazidos da Europa, porcelanas de Limoges! dizia ela orgulhosa. Eu ouvia encantada.
E assim sempre contando, ela me mostrou todos os recantos da casa, que assim ilustrados adquiriam novo significado, cada quadrinho, cada bibelô, cada peça de enfeite ganharam vida aliados à sua história respectiva.
Subimos. No seu solitário quarto de mulher viúva novos enfeites, novas narrativas, então ela abriu as portas de um misterioso armário, e de lá tirou as roupas mais bonitas que eu jamais tinha visto.
Chales coloridos com estampas de flores e pássaros, em seda amarela e vermelha comprados em Madri, lindos chapéus italianos, sapatinhos de Paris, toaletes lindas compradas em Londres, e uma infinidade reluzente de broches, aneis e pulseiras, e vidros e vidros de perfumes franceses, vazios, mas todos contendo a lembrança daquele perfume maravilhoso que dali se fora.
E lençóis e fronhas bordados, e toalhas da Ilha da Madeira, e camisolas finíssimas, até que de uma daquelas caixas, num sorriso maroto, ela tirou o seu vestido de noiva! Lindo, bordado por freiras, ela me disse...Ao contemplar aquele encanto, não pude deixar de pensar o quão distante estava aquela linda história de amor de minha vida estúpida e desregrada...
E albuns foram abertos, e uma vida inteira de dois amantes se descortinou ante mim. Mas a história teve sua parte triste. Houve a doença do esposo, a dura luta contra o câncer, as viagens inúteis em busca de tratamento, e finalmente a partida. Ela me contou das palavras de despedida, da renovação das juras de amor eterno, do adeus...Em sua mãozinha delicada de pianista, confinavam-se as alianças viúvas que ela com os olhinhos marejados me mostrou.
Já passava das duas da manhã quando descemos para mais um chá, e eu me encorajei a lhe pedir que tocasse piano para mim.
- Que tal se apagássemos as luzes? ousei propor.
Foi então que dona Esmeralda, ignorando a efervescente cidade que nos rodeava, tocou para mim Fascinação, de Feraudy, a casa fracamente iluminada pelas arandelas das paredes e o delicado abajur de franjas. Longe, lá longe, já esquecidas por mim, as choperias com seu chope famoso, sua juventude desorientada, a séculos de distância de nós...
Tenho certeza de que aquela fora a última vez em que dona Esmeralda contava sua história.Fomos dormir.
Quando minhas amigas voltaram lá pelas tantas, entupidas de álcool e sexo promíscuo como seguramente eu também estaria se tivesse ido com elas, eu dormia e sonhava embalada pela linda melodia, nas águas do rio Sena, a bordo do Bateau Mouche.
- Voce não sabe o que perdeu, boba...ouvi no dia seguinte.
Vocês também não sabem, pensava eu olhando pelo vidro do carro, voltando para São Paulo. Vocês também não sabem...
Foi então também que notei os móveis, antiquados mas em ordem, bem ao estilo de casa de vovó, com toalhinhas de crochê por toda parte, uma cristaleira repleta de louça antiga também guarnecida das tais rendinhas, um piano de armário coberto de porta retratos, e sobre todos móveis uma profusão de bichinhos e enfeites de porcelana.
A partir daí, a gentil dona Esmeralda, ignorando a efervescente cidade me aguardando lá fora, e como se eu tivesse viajado mais de duzentos quilômetros apenas para ouvi-la, começou calmamente a me contar sua história.
Ela me contou do início de seu namoro com o falecido esposo, das peripécias dos dois para se furtarem à dura vigilância dos pais dela, da permissão para o namoro finalmente conseguida, falou do noivado, da festa de noivado, do casamento, e à medida em que contava, ia descendo retratos de sobre o piano e das paredes.
Eu, fascinada, não conseguia parar de escutar.
Ela me contou que com suas aulas de piano, e o soldo militar dele, não tendo eles filhos, conseguiram realizar muitas viagens, algumas ao estrangeiro. Com isso ela foi me contando a origem de cada bibelô, de cada enfeite, muitos trazidos da Europa, porcelanas de Limoges! dizia ela orgulhosa. Eu ouvia encantada.
E assim sempre contando, ela me mostrou todos os recantos da casa, que assim ilustrados adquiriam novo significado, cada quadrinho, cada bibelô, cada peça de enfeite ganharam vida aliados à sua história respectiva.
Subimos. No seu solitário quarto de mulher viúva novos enfeites, novas narrativas, então ela abriu as portas de um misterioso armário, e de lá tirou as roupas mais bonitas que eu jamais tinha visto.
Chales coloridos com estampas de flores e pássaros, em seda amarela e vermelha comprados em Madri, lindos chapéus italianos, sapatinhos de Paris, toaletes lindas compradas em Londres, e uma infinidade reluzente de broches, aneis e pulseiras, e vidros e vidros de perfumes franceses, vazios, mas todos contendo a lembrança daquele perfume maravilhoso que dali se fora.
E lençóis e fronhas bordados, e toalhas da Ilha da Madeira, e camisolas finíssimas, até que de uma daquelas caixas, num sorriso maroto, ela tirou o seu vestido de noiva! Lindo, bordado por freiras, ela me disse...Ao contemplar aquele encanto, não pude deixar de pensar o quão distante estava aquela linda história de amor de minha vida estúpida e desregrada...
E albuns foram abertos, e uma vida inteira de dois amantes se descortinou ante mim. Mas a história teve sua parte triste. Houve a doença do esposo, a dura luta contra o câncer, as viagens inúteis em busca de tratamento, e finalmente a partida. Ela me contou das palavras de despedida, da renovação das juras de amor eterno, do adeus...Em sua mãozinha delicada de pianista, confinavam-se as alianças viúvas que ela com os olhinhos marejados me mostrou.
Já passava das duas da manhã quando descemos para mais um chá, e eu me encorajei a lhe pedir que tocasse piano para mim.
- Que tal se apagássemos as luzes? ousei propor.
Foi então que dona Esmeralda, ignorando a efervescente cidade que nos rodeava, tocou para mim Fascinação, de Feraudy, a casa fracamente iluminada pelas arandelas das paredes e o delicado abajur de franjas. Longe, lá longe, já esquecidas por mim, as choperias com seu chope famoso, sua juventude desorientada, a séculos de distância de nós...
Tenho certeza de que aquela fora a última vez em que dona Esmeralda contava sua história.Fomos dormir.
Quando minhas amigas voltaram lá pelas tantas, entupidas de álcool e sexo promíscuo como seguramente eu também estaria se tivesse ido com elas, eu dormia e sonhava embalada pela linda melodia, nas águas do rio Sena, a bordo do Bateau Mouche.
- Voce não sabe o que perdeu, boba...ouvi no dia seguinte.
Vocês também não sabem, pensava eu olhando pelo vidro do carro, voltando para São Paulo. Vocês também não sabem...