terça-feira, 18 de novembro de 2008

Administrando sua farinha e seu azeite

 Se você é viúva recente, e chegou aqui através de alguma ferramenta de busca, peço que leia o que se segue. É um texto extenso, mas tenho certeza de que irá lhe ajudar. Eu quero chamar você para falarmos sobre as providências que devem ser tomadas logo após o óbito.

É triste o que eu vou dizer, mas verdadeiro: o mundo não pára um só instante em função de sua dor. Muitos à sua volta, principalmente credores, serão implacáveis e nada sensíveis. Funcionários de bancos e financeiras, por exemplo, são treinados a não se deixarem levar por nenhum tipo de sentimento. E é justamente no momento em que você está assim fragilizada, que aparecem as aves de rapina, e o lamentável disso é que elas se encontram muitas vezes no seio de nossas famílias, às vezes são até mesmo nossos filhos. Por isso é fundamental tomar pé o quanto antes de sua situação.

A sábia igreja católica define um prazo de sete dias para o ofício da primeira missa. Eu entendo por dedução que esse prazo é o tempo máximo que uma pessoa realmente tem para se entregar e chorar. Findo esse prazo, é hora de agir. Em uma outra hora poderemos conversar sobre a elaboração do luto, sobre a vivência do luto no contexto do dia-a-dia. Não é que o pretendo agora.

Sua primeira atitude formal deverá ser a retirada da Certidão de Óbito no cartório. Provavelmente algum parente cuidou do enterro para você, e esse parente detém essa informação. Agradecendo a essa pessoa, peça a ela todos os documentos que dizem respeito a esse último instante do falecido. Documentos da funerária, documentos do cemitério, localização do túmulo, quadra, etc. Se for um cemitério público, já verifique a data de exumação, essa já é uma primeira tarefa administrativa. Junto com esses documentos sempre vem a informação sobre em qual Cartório a Certidão está, e qual a data em que estará pronta. Provavelmente essa pessoa lhe dirá: - deixe que eu faço isso para você...

Mas esse, amiga, é o seu momento de se afirmar como administradora de sua vida. Agradeça e diga não. Esse é último documento de seu esposo, esse assunto só diz respeito a você e a mais ninguém. Vá ao Cartório. Retire o documento. Lá mesmo já providencie várias cópias. Começará aí a sua maratona.

Compre numa papelaria algumas pastas de papelão com elástico, e vá colando etiquetas. A primeira pasta então será destinada ao óbito, e documentos pessoais do falecido. Compre também um caderno universitário. Falarei adiante sobre isso.

Faça um inventário dos documentos encontrados nas coisas do falecido. Aí você já poderá abrir uma pasta destinada a documentos de propriedade: escrituras, contratos de compra e venda, certificado de propriedade de veículo, por exemplo. Abra uma outra destinada a Bancos, coloque lá tudo o que encontrar de extratos e papéis bancários. E uma outra destinada a dívidas, lá coloque boletos bancários ou carnês que encontrar.

Se seu esposo mantinha conta individual, e nunca lhe comunicou a senha, é fundamental descobrir. Procure nos guardados dele, as pessoas sempre anotam em algum lugar. NÃO AVISE BANCOS NESSE MOMENTO. Os funcionários de bancos só trabalham pelo manual. Se você comunicar o óbito, eles bloquearão o saldo existente, que então somente poderá ser movimentado com ordem judicial. Se o seu esposo mantinha apenas um pequeno saldo relativo às contas e despesas do mês, esse dinheiro poderá ser sacado tranqüilamente mediante cartão eletrônico.

Passemos agora à moradia e demais bens. É necessário realizar um inventário. Para isso oriente-se com pessoas de confiança que indiquem um advogado. Mas sempre vale dizer que um inventário pode ser realizado em qualquer tempo, porém, o que aumenta com o passar desse mesmo tempo é o imposto causa mortis. Se você não puder cuidar disso imediatamente, tenha sempre em mente essa preocupação, não se esqueça dela. Sem o inventário, será impossível dispor dos bens, principalmente imóveis.

Já que falamos em imóvel, essa situação precisa ser avaliada com rapidez. A casa é própria? Então está enquadrada na questão acima. Era financiada? É necessário procurar imediatamente o agente financeiro. É hora de começar a usar o caderno universitário que eu falei. Sempre com ele em mãos, procure o agente responsável pelo financiamento da casa. Na frente do funcionário, anote seu nome e sobrenome. Pergunte sobre como fica a situação do empréstimo com a morte do seu esposo. Os contratos possuem cláusulas específicas para essa situação, creio até que a dívida ou parte dela são quitadas com o falecimento de um dos cônjuges. Mas informe-se com exatidão sobre essas cláusulas, anote, pergunte, não tenha vergonha de perguntar quantas vezes preciso for. Esse é um momento em que será bom alguém consigo, se não tiver um filho ou neto que lhe acompanhe, procure ir acompanhada de uma amiga de confiança. A seguir tome todas as medidas necessárias conforme a instrução do funcionário do agente financeiro, que normalmente é um Banco.

Se a casa é alugada, e você não tem mais condições de arcar com o aluguel, com a cópia do contrato em mãos, que você já terá encontrado, mais o seu caderno, vá a imobiliária e tente negociar a multa por quebra de contrato.

Chegamos às demais dívidas. Saiba que, com a morte de uma pessoa, não cessam as suas dívidas. Os herdeiros herdam o patrimônio e as dívidas do falecido. E você é responsável por todas as dívidas do seu esposo. Se você não tiver meios próprios de quitá-las, é hora de negociar. Sempre com o caderno em mãos, vá pessoalmente, por exemplo, à financeira onde ele comprou o carro. Negocie, pergunte da possibilidade de devolver o carro. O valor de um carro não é bastante para cobrir a dívida, mas é uma forma de amortização. Tente uma renegociação, anote tudo o que o funcionário for lhe falando. Não aceite nenhum tipo de renegociação verbal, exija provas documentais de tudo o que está sendo acordado. Uma outra solução é encontrar alguém que queira assumir a dívida, mas faça isso de forma documentada. Nem pense em deixar o carnê nas mãos de um amigo para ele ir pagando e lá na frente veremos como fica. Ele pode simplesmente não pagar, afinal o nome envolvido não é o dele. E lá na frente você terá um problema ainda maior. Leve-o até a loja, e providencie a transferência da dívida da maneira correta. A loja saberá lhe orientar, mas nunca é demais dizer: anote tudo. Uma coisa importante: para formalizar qualquer negociação que diga respeito a um bem, como um carro, você precisará de uma autorização judicial. Nos tribunais de pequenas causas, é fácil conseguir uma autorização para movimentar conta corrente de pequena monta e venda de poucos bens.

Agora é hora de ir ao Banco. Se a conta era conjunta, você não terá maiores problemas. Você tem legalidade para saber de toda a situação de sua conta. Se era individual, leve uma cópia autenticada da certidão de óbito, e uma carta, mesmo de próprio punho, solicitando ao gerente informações gerais sobre a movimentação. Faça uma cópia, peça a ele que carimbe e assine a cópia. Digo isso porque o gerente poderá lhe dar a resposta clássica: eu irei ver...Então você entrega a carta e impõe limites. 24 horas, pode ser? Pergunte na carta se a conta possuía:

Limite de cheque especial, e se estava utilizado ou não
Empréstimos vinculados à conta
Cartões de crédito
Investimentos
Seguros

Se a conta for individual e tiver investimentos, eles somente poderão ser levantados mediante o alvará de que falei acima, que você terá de providenciar. Procure sempre uma boa negociação para cobrir eventuais saldos negativos de cheque especial, empréstimos e faturas de cartões de crédito. E vá fazendo seu caderno funcionar, anote tudo na frente do gerente. Não havendo dívidas, diga ao gerente que irá acompanhar a conta por algum tempo para ver se não há cheques pendentes. Passado esse tempo, com o pagamento de todos os cheques pré-datados, volte com uma outra carta solicitando o encerramento definitivo da conta.

Finalmente, procure a Seguridade Social para solicitar a pensão a que tem direito.

Estas instruções estão muito longe de esgotar o assunto. Tomei como base uma pessoa da classe trabalhadora, que recebe seus vencimentos na própria conta, ou que deposita para ir suprindo as despesas do dia-a-dia, que possui de seu apenas a casa em que mora, tem um ou dois carros, enfim, uma pessoa de vida simples como eu. Claro que existem inúmeros desdobramentos, e quanto maior for o patrimônio deixado, mais intrincadas deverão ser as medidas a serem tomadas. Quando os bens envolvidos forem imóveis, é necessário iniciar o quanto antes a abertura do inventário.

No final de cada dia, repasse o seu caderno, comece cada dia sempre anotando a data no alto da página. E reveja todo o passo a passo daquele dia, e já resolva o próximo passo a ser dado. Rememorize os locais onde você foi, tenha anotado os endereços, telefones, nomes de quem lhe atendeu, e já se programe para o dia seguinte. Funciona bem melhor do que agenda.

Finalmente, não aceite pressão, nem mesmo de seus parentes, nem mesmo de filhos. Não assine nada, não se desfaça de nada, não tome decisões debaixo de nenhum tipo de pressão, se for o caso levante-se e diga aos familiares que você precisa ficar só para pensar. Se for um contato telefônico faça o mesmo, anote o número e diga que liga de volta. Deixe bem claro que você está no comando de sua vida, e que as decisões virão de dentro para fora, ou seja, virão a partir de você. Não admita que ninguém tome decisões por você, ou que lhe pressione.

E continue a me visitar. Tenho a honra de receber aqui visitas de pessoas descoladas, inteligentes e sensíveis, você verá também que as viúvas daqui, e mesmo as que não são viúvas, sabem levar a vida com bom humor, descontração, coragem e fé, principalmente fé. Isso irá lhe fazer enorme bem.