domingo, 7 de dezembro de 2008

Segundo domingo do Advento

Em minha infância, nas madrugadas do dia 6 de janeiro, eu acordava num susto, com o coração batendo acelerado. Era um bumbo, um tambor dos grandes, tocando na alta madrugada. O que será isso Jesus? lentamente minha memória me acudia: ah! são os reis magos...

Depois do bumbo atacavam os violinos, que chamávamos de rabecas, uma sanfona, uma viola e creio que também uma flauta. Aquele som nas madrugadas tremendamente silenciosas e escuras daqueles tempos, seria hoje um daqueles presentes que eu pediria ao bom Deus, se eu pudesse pedir algo assim. Era o Reisado. Homens usando toscas máscaras de cartolina, rostos pintados como palhaços, chapéus cônicos, vestindo roupas coloridas, cantando a quatro vozes, pedindo licença para entrar nas casas.

Pedi aos meus pais que lembrassem o nome deles, mas foi em vão, eles não conseguiram lembrar. Aqueles homens todos eram do norte, da Bahia, isso meu pai lembrou, o líder da bandeira, chamado de Capitão tinha vindo de Feira de Santana, na Bahia, e já era por lá conhecido como capitão de um grupo famoso de reisado. Mas o nome deles não consegui apurar. Eram de fato famosos, cheguei a vê-los anos mais tarde na TV Cultura, infelizmente não anotei nome algum.

Não é uma festa paulista, mas São Paulo foi enormemente ocupada por nordestinos e nortistas, dentre eles o meu pai, que sabe-se Deus porque, marcou encontro comigo aqui em São Paulo. E esses retirantes trouxeram consigo toda sorte de festejos típicos de sua terra, entre eles o Reisado, ou a Folia de Reis.

Os Reis, ou a Bandeira como também eram chamados, ficavam na porta das casas pedindo permissão para entrar, e esse pedido era uma longa cantoria. Algo como oh senhor dono da casa abre a porta por favor viemos de longe queremos entrar ô de dentro ô de fora santo reis aqui chegou.

Fazia parte da tradição o dono da casa demorar-se para abrir a porta, então eles ficavam uns quinze minutos só pedindo para entrar. Coisa linda de se ouvir.

Aí acendiam a luz. Nova cantoria, dessa vez celebrando o fato de a luz ter sido acesa, uns quinze minutos de alegria por isso. Ói porta aberta, ói luz acesa ah ah!

Então eles entravam. A cantoria silenciava. O dono da casa apertava a mão do líder, era ele quem empunhava o estandarte com desenhos dourados, cheio de fitas pendentes multicoloridas. Todos beijavam as fitas.

Então o líder levava o estandarte aos cômodos da casa, para abençoá-la. Era a hora dos votos: - Bênção p’ra família! P’ro dono da casa! P’ra mulher! P’ros filhos! Muita paz, muita alegria, muita saúde! E tudo isso acompanhado de vivas.

Então aquela família servia um lanche, doces, bolos, frutas e refrescos, nada de bebidas, os reis não bebiam durante as funções, somente depois que tudo acabava, aí eles bebiam até cair.

Nova cantoria. Agradecimentos à família, e despedidas. Nóis vamos vortá aiai, a viagem é longa ai ai, até o ano que vem ai ai...

Tudo isso eu assistia da minha janela. Morria de vontade de chegar perto deles, de beijar a bandeira, de beijar as fitas, ah como eu queria que aquele estandarte entrasse em minha casa, quem sabe não seria a bênção que minha casa estava precisando? Por quê nós íamos tanto à igreja, cantávamos tantos hinos, líamos tanto a bíblia e não éramos felizes? Aquelas pessoas, que muitas vezes riam de nós, que riam dos crentes, ao receber e beijar as fitas daquele estandarte me pareciam tão mais felizes...

A bandeira não podia entrar em nossa casa. Éramos crentes. Outras coisas podiam entrar. Menos aquele belíssimo estandarte enfeitado de fitas.

- Fecha essa janela, sai daí, não fica olhando essas pessoas, isso é pecado, vem deitar!

Eu voltava para a cama, mas ficava ouvindo o reisado tocar em outra casa mais adiante, depois noutra mais adiante, cada vez mais longe, mais longe, mais longe...até cair no sono.

CONTINUA