segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Uma cadeira pra Jesus




Numa reunião de Neuróticos Anônimos é de praxe ouvir aquele que fala em total silêncio. Boca de siri. Boca de zíper. Então certa vez na hora do intervalo eu me atirei ao pescoço de um rapaz.

- Eu também, eu também. Sou igualzinho a você!

O que um neurótico mais ama é encontrar seus colegas de infortúnio. Sentir que não é o único do planeta.

O rapaz contava que era mestre em construir diálogos mentais. Ele escolhia uma pessoa conhecida ao acaso e conversava com ela longamente, articulando suas prováveis respostas. Coisa de doido mesmo. E que ao se encaminhar para um encontro, uma entrevista de emprego, por exemplo, ele articulava tanto mas tanto as prováveis perguntas e respostas que ao chegar lá ele já estava umas cem vezes entrevistado. Sem exagero.

Comigo também é assim.

- Você deve tentar conversar com Jesus, Bete. É minha sensata amiga Beatriz aconselhando. Coloque uma cadeira vazia em seu quarto, imagine Jesus lá, converse com ele.

Quando ouço esses conselhos impraticáveis eu finjo que acato, não quero jogar o jogo do eterno insatisfeito com os amigos que amo. Mas é impraticável porque não sei o rosto de Jesus. E também porque não fico em meu quarto o tempo todo, eu teria que andar carregando uma cadeira.

An? Porque eu não atribuo um rosto aleatório a Jesus? E você pensa que já não fiz isso? Por muito tempo Jesus foi Robert Redford. Conversei tanto com ele, mas tanto, que um dia percebi que eu não falava mais com Jesus, eu falava mesmo era com Robert Redford. Quando dei por mim eu já estava lendo revistas com artigos de cinema para me inteirar de onde Jesus andava.

Não deu certo.

Só sei que no final do dia estou mentalmente esgotada, de tanto que articulei inúmeras conversas. E que se não tomar um bom comprimido, continuo a conversa na cama e não durmo, já me aconteceu.

Pensou que a vida de um neurótico era fácil?

Mas voltando ao tema de Jesus da minha amiga, será que eu vejo Jesus em toda parte, e tanto, que ele já se dissolveu, e está incorporado em todas as pessoas à minha volta? E que nesse desespero de querer conversar com ele eu o busco em todos que eu conheço?

Esse já é o meu lado neurótico esotérico, buscando sim é um meio desesperado de mistificar o meu descontrole emocional.

Mas agora falando sério, acho fácil conversar mentalmente com as pessoas, porque elas mais ou menos são óbvias. Com uma certa margem de erro, posso facilmente intuir suas respostas. Jesus é original, suas falas seriam inéditas, desconcertantes, imprevisíveis, como adivinhar o que Jesus me responderia?

Taí um bom exercício. Se eu conseguir pelo menos chegar perto, creio que terei bem mais da metade de minhas neuroses resolvidas.

Outro, bem mais lúcido, é conversar de fato com pessoas. Quem foi que disse que as palavras do meu próximo não estão cheinhas de Deus?