terça-feira, 21 de abril de 2009

Pão sovado ou a falta de compaixão


Foi na década de oitenta, minha primeira experiência de demissão, por aí vocês podem ver como minha incompetência é antiga. Era um cargo importante e charmoso, e eu contraíra pesadas dívidas, fiquei tão atordoada que perdi literalmente o rumo de casa, acabei recorrendo a uma cabine telefônica, lembram das cabines telefônicas? Liguei para minha amiga Elisa, já lhes falei dela aqui.

- Elisa do céu, você não imagina o que aconteceu, estou desesperada, eu fui demit...

- Bete! Me aguarde que a noite irei até sua casa. Foi sua única resposta.

Oito da noite. Num fusquinha com o marido, a filhinha bebê, outro a caminho, carrinho, bercinho, sacola com tralhas, brinquedinhos, fraldas e mamadeiras, lá estava ela. Depois de ajeitar toda aquela parafernália, amamentar e sossegar o bebê, minha boa amiga sentou-se no sofá de frente para mim e disse: - agora me conta essa história. E ouviu em silêncio todo o desespero da minha explicação.

Vamos agora avançar no tempo. Década de noventa, outra experiência de demissão. O cenário é a reunião de oração da igreja metodista. Fala a Bete:

- Irmãos, quero compartilhar meu profundo desespero. Ocorre que fui demit...

- Ih, irmã, não se preocupa não: "Maior é o que está em nós do que o que está no mundo", disse uma velhota citando um versículo bíblico.

- "Em todas essas coisas somos mais que vencedores", arrancou do seu repertório de versículos decorados uma outra irmã.

- É verdade, disse o dirigente do culto. Não se preocupe não, Bete, a gente vai orar, lembre-se que "tudo posso naquele que me fortalece".

E foi assim que aquele bando de imbecis ficou na doce ilusão de que tinham me consolado, eles que nem quiseram me ouvir. Foi assim que nas bocas daqueles idiotas, aqueles belos trechos bíblicos soaram como frases ocas, vazias, meros conselhos de auto ajuda, desses que vemos nesses livretos vendidos em lojinhas de rodoviárias. Pudera, não vinham com amor. Até um papagaio aprende versículos bíblicos.

Tão diferente de minha amiga Elisa que atravessou o pesado trânsito noturno, com sua pesada barriga, com sua pesada tralha, só para me ouvir. E se envolveu comigo, ela que não sabia nenhum versículo para citar...

Há momentos em que tudo o que uma pessoa deseja é poder falar. E tudo que ela quer ouvir de volta é: que pena! que triste! você não merecia isso! que chato, estou tão triste por você...

Avancemos mais um pouco. O ano é 2008, mais uma experiência de demissão. Vocês estão anotando, não estão? Fala a Bete no Messenger com alguém: - perdi meu emprego, estou tão desorient...

- É porque você não se colocou na posição, não se colocou na frente da brecha!

Aos afortunados leitores que não conhecem as imbecilidades do jargão evangeliquês, vou explicar: defender a posição, se colocar na brecha é algo como ficar o tempo todo em oração para com isso convencer Deus a enviar seus anjos para defender você. Algo como ensinar o serviço de Deus. Pela lógica dessas antas, num exemplo, a mãe que esquece de orar por um filho, pode vir a perdê-lo num acidente, isso porque o deus deles pode se descuidar, ou então num acesso de ódio, pode se vingar dessa forma cruel. Algo muito parecido com os deuses dos povos antigos.

Entenderam? Seja na forma da tola indiferença, da descompromissada repetição de versículos bíblicos, ou na forma de acusação - o culpado é sempre você - esses novos evangélicos praticam qualquer coisa menos a religião do amor.

Pão massudo, eu sei. Fazer pão é assim, tem hora que a gente pesa a mão na massa. Mas eu lhes ofereço um cafezinho para ajudar a descer.