- Elizabeth, infelizmente você é uma excelente secretária!
Pois é, acredite se quiser, isso foi um elogio. E dos melhores que já recebi.
Veio da doutora Cleyde Rosa Campanini, uma charmosa advogada, que além de charmosa era extremamente competente, a ponto de estar à frente da Diretoria Jurídica de uma importante instituição financeira.
E eu era secretária da diretoria.
Mas para que vocês possam entender o elogio, vamos ampliar o contexto da história.
Eu era um fenômeno na datilografia. Na verdade sou até hoje, só que hoje chamamos digitação.
Eu sou capaz de digitar um texto sem olhar para o teclado, conversando com uma pessoa ou cantarolando ao mesmo tempo, ou tudo isso.
Datilografávamos imensos contratos, e eu era capaz de dar conta de dez páginas em mais ou menos quarenta minutos, e sem errar.
Mas se errasse, não havia problemas. Eu dominava também a técnica de consertar erros, domino até hoje. Pena que não posso contar aqui as gambiarras que já fiz, seria altamente comprometedor.
Além disso eu possuía uma excelente memória, algo necessário em departamento jurídico. São inúmeros os processos e os desmembramentos. Naquele tempo não tínhamos o benefício da informática, as informações ficavam nas nossas cabeças mesmo. E a minha memória abarcava tudo, era excelente.
Como eu era um trator nos serviços, sobrava-me tempo. E eu usava esse tempo para fazer todo tipo de traquinagens.
Quais? Coisas simples, inocentes brincadeiras de escritório. Mas que deixavam os colegas extremamente irritados. Colocar um monte de clipes nos bolsos e bolsas das pessoas. Colar cuidadosamente com fita transparente os objetos nas mesas, quer coisa mais irritante do que pegar uma caneta e ela estar colada? Colar o fone ao aparelho. Unir as pontas das tesouras com fita adesiva. Amarrar todas as canetas e lápis e tesouras uma a uma com barbante e deixar tudo bem ajeitadinho, para o sujeito puxar um objeto e trazer todos... Colocar papel picado dentro dos jornais, essa eu adorava. Nos escritórios sempre há um chato que detesta que mexam em seu jornal. Então eu picava papel meticulosamente, e colocava bem no meio do jornal do chato, e deixava muito bem arrumadinho, para cair tudo no colo dele quando abrisse...
Algumas mais maldosas também, como colocar sal no café das pessoas. Também já enchi de clipes os lanches de muita gente.
E eu era campeã dos recados falsos. – Dr. Fulano está lhe chamando. Lá ia o funcionário, pois não doutor, me chamou?
Dali a pouco o sujeito voltava cuspindo marimbondos.
Eu tinha uma aliada, uma colega chamada Elisa Augusta, e nós duas competíamos em traquinagens. Mas como éramos muito alto astral, a raiva dos colegas não durava muito. No máximo um dia. Elisa adorava se esconder atrás das portas e passar susto nas moças, num pulo:
- Búúúúúú!
E o engraçado era que as moças sempre se assustavam.
- Essas duas são terríveis! Era o que sempre diziam...
Não pensem que brincávamos só com os iguais. Brincadeira que se preze, precisa ser corajosa, por isso nossas vítimas iam desde os mais humildes até os mais pomposos diretores.
- Dr.Barbosa, na hora do almoço veio aí o devedor tal, e quitou toda a dívida para com o Banco, o cheque está aqui, veja.
Todo falsificadinho, um capricho. Lembro que esperamos o banco fechar, para descer até a agência central e utilizar uma velha máquina de chancela mecânico, ficou um cheque administrativo perfeito.
- Liga para o presidente, liga para o presidente! A soma era enorme.
- Ai Jesus, e agora? Tivemos que dar conta da mentira, rindo até não poder.
- Eu sabia, bobas...pensaram que me enganaram?...
- Pensamos não, doutor, temos certeza.
Como se tudo isso não bastasse, eu era a anti secretária. Quando todas usavam saia justa, camisa de seda e saltos altos, eu usava calça jeans e camiseta branca. Tênis. Recusava-me terminantemente a servir cafezinhos: - não sou copeira. Um dia um advogado me pediu para pregar um botão no punho de sua camisa que se soltara: - peça para sua esposa, doutor. E saia batendo a porta. Arrumar mesas, molhar plantas, ninguém conseguia de mim essas tarefas.
- Sou secretária, não dona de casa.
Dai o desabafo da doutora Cleyde. Infelizmente você é uma ótima secretária, porque senão...
Senão, vocês já sabem....seria rua na certa.
Mas um dia eu me formei em Administração de Empresas, e junto com um buquê de rosas, um cartão assinado por todos e um belo relógio, ela me deu também uma promoção.
- Estou mandando você para um curso de formação de novos gerentes, Elizabeth. Você tem potencial para muito mais do que as funções que desempenha aqui.
Na verdade a boa senhora estava era tratando de se livrar de mim com elegância.
E lá fui eu, e para uma função que não combinou nada comigo, fui um desastre como gerente de banco. Antes tivesse ficado para sempre lá, onde além de extremamente produtiva eu era feliz.
Saudades daqueles tempos. Muitos daqueles advogados já morreram. Elisa foi madrinha do meu filho, mas perdemos o contato também. Até quando a vi pela última vez, ela ainda conservava seu notável bom humor.
E eu nunca mais vivi num ambiente de trabalho divertido assim, imagina. Do jeito que as pessoas hoje são estressadas e mal humoradas, uma simples brincadeira daquelas acabaria em processo por assédio moral.
Pois é, acredite se quiser, isso foi um elogio. E dos melhores que já recebi.
Veio da doutora Cleyde Rosa Campanini, uma charmosa advogada, que além de charmosa era extremamente competente, a ponto de estar à frente da Diretoria Jurídica de uma importante instituição financeira.
E eu era secretária da diretoria.
Mas para que vocês possam entender o elogio, vamos ampliar o contexto da história.
Eu era um fenômeno na datilografia. Na verdade sou até hoje, só que hoje chamamos digitação.
Eu sou capaz de digitar um texto sem olhar para o teclado, conversando com uma pessoa ou cantarolando ao mesmo tempo, ou tudo isso.
Datilografávamos imensos contratos, e eu era capaz de dar conta de dez páginas em mais ou menos quarenta minutos, e sem errar.
Mas se errasse, não havia problemas. Eu dominava também a técnica de consertar erros, domino até hoje. Pena que não posso contar aqui as gambiarras que já fiz, seria altamente comprometedor.
Além disso eu possuía uma excelente memória, algo necessário em departamento jurídico. São inúmeros os processos e os desmembramentos. Naquele tempo não tínhamos o benefício da informática, as informações ficavam nas nossas cabeças mesmo. E a minha memória abarcava tudo, era excelente.
Como eu era um trator nos serviços, sobrava-me tempo. E eu usava esse tempo para fazer todo tipo de traquinagens.
Quais? Coisas simples, inocentes brincadeiras de escritório. Mas que deixavam os colegas extremamente irritados. Colocar um monte de clipes nos bolsos e bolsas das pessoas. Colar cuidadosamente com fita transparente os objetos nas mesas, quer coisa mais irritante do que pegar uma caneta e ela estar colada? Colar o fone ao aparelho. Unir as pontas das tesouras com fita adesiva. Amarrar todas as canetas e lápis e tesouras uma a uma com barbante e deixar tudo bem ajeitadinho, para o sujeito puxar um objeto e trazer todos... Colocar papel picado dentro dos jornais, essa eu adorava. Nos escritórios sempre há um chato que detesta que mexam em seu jornal. Então eu picava papel meticulosamente, e colocava bem no meio do jornal do chato, e deixava muito bem arrumadinho, para cair tudo no colo dele quando abrisse...
Algumas mais maldosas também, como colocar sal no café das pessoas. Também já enchi de clipes os lanches de muita gente.
E eu era campeã dos recados falsos. – Dr. Fulano está lhe chamando. Lá ia o funcionário, pois não doutor, me chamou?
Dali a pouco o sujeito voltava cuspindo marimbondos.
Eu tinha uma aliada, uma colega chamada Elisa Augusta, e nós duas competíamos em traquinagens. Mas como éramos muito alto astral, a raiva dos colegas não durava muito. No máximo um dia. Elisa adorava se esconder atrás das portas e passar susto nas moças, num pulo:
- Búúúúúú!
E o engraçado era que as moças sempre se assustavam.
- Essas duas são terríveis! Era o que sempre diziam...
Não pensem que brincávamos só com os iguais. Brincadeira que se preze, precisa ser corajosa, por isso nossas vítimas iam desde os mais humildes até os mais pomposos diretores.
- Dr.Barbosa, na hora do almoço veio aí o devedor tal, e quitou toda a dívida para com o Banco, o cheque está aqui, veja.
Todo falsificadinho, um capricho. Lembro que esperamos o banco fechar, para descer até a agência central e utilizar uma velha máquina de chancela mecânico, ficou um cheque administrativo perfeito.
- Liga para o presidente, liga para o presidente! A soma era enorme.
- Ai Jesus, e agora? Tivemos que dar conta da mentira, rindo até não poder.
- Eu sabia, bobas...pensaram que me enganaram?...
- Pensamos não, doutor, temos certeza.
Como se tudo isso não bastasse, eu era a anti secretária. Quando todas usavam saia justa, camisa de seda e saltos altos, eu usava calça jeans e camiseta branca. Tênis. Recusava-me terminantemente a servir cafezinhos: - não sou copeira. Um dia um advogado me pediu para pregar um botão no punho de sua camisa que se soltara: - peça para sua esposa, doutor. E saia batendo a porta. Arrumar mesas, molhar plantas, ninguém conseguia de mim essas tarefas.
- Sou secretária, não dona de casa.
Dai o desabafo da doutora Cleyde. Infelizmente você é uma ótima secretária, porque senão...
Senão, vocês já sabem....seria rua na certa.
Mas um dia eu me formei em Administração de Empresas, e junto com um buquê de rosas, um cartão assinado por todos e um belo relógio, ela me deu também uma promoção.
- Estou mandando você para um curso de formação de novos gerentes, Elizabeth. Você tem potencial para muito mais do que as funções que desempenha aqui.
Na verdade a boa senhora estava era tratando de se livrar de mim com elegância.
E lá fui eu, e para uma função que não combinou nada comigo, fui um desastre como gerente de banco. Antes tivesse ficado para sempre lá, onde além de extremamente produtiva eu era feliz.
Saudades daqueles tempos. Muitos daqueles advogados já morreram. Elisa foi madrinha do meu filho, mas perdemos o contato também. Até quando a vi pela última vez, ela ainda conservava seu notável bom humor.
E eu nunca mais vivi num ambiente de trabalho divertido assim, imagina. Do jeito que as pessoas hoje são estressadas e mal humoradas, uma simples brincadeira daquelas acabaria em processo por assédio moral.