sábado, 21 de junho de 2008

O batismo



Foi então que o meu filho de vinte anos, tocado pelas notícias de maremotos, terremotos e catástrofes de todo o tipo, e menos contrito do que preocupado com um provável apocalipse, resolveu que era tempo de pôr em dia sua vida espiritual, dar uma zerada básica nos pecados, professar sua fé, enfim, essas coisas que se costuma fazer motivado mais pelo medo do que pela fé cristã em si. Mas já é um começo.

- Que bom filhinho. Sempre é tempo.

- É, eu estou pensando em freqüentar a igreja batista de nome tal.

Só me faltava essa, pensei com os botões do meu blaiser. Já não me bastava ter um filho corintiano, e agora um corintiano batistão? E isso sem falar que ele já foi batizado por mim quando pequeno, na igreja metodista. Mas dei a resposta ética protocolar:

- Muito bom filho, é uma boa igreja. Mas como sou mãe: - só que não podia ser uma igreja um pouquinho menos...Bete! atalhou meu filho já zangado. Não me venha com suas sugestões. Eu escolhi a batista e pronto. E eu preciso que você me acorde todos os domingos bem cedo.

Pronto. Lá estava eu no meio da fita. Porquê será que tudo acaba sobrando para mim? Não seria o caso de ele lembrar que domingo pela manhã é meu único momento de descanso? Mas enfim, vale tudo para colocar mais um pecador no caminho do bem. Foi então que comecei a levantar aos domingos bem cedo, tonta de sono, para fazer café e acordar o futuro cristão.

O curso de batismo teria a duração de seis meses. Seis meses?

- Filho, na bíblia tem a história de um sujeito, alto funcionário de uma rainha, que recebeu os rudimentos da fé cristã no dorso de um camelo, contada por um tal de Filipe, e que foi batizado ali mesmo, creio que com água de alguma pipa. Porque você sabe, não sabe, que no deserto não há tanta água assim?... E tinha também um cara chamado João Batista que...Pam! meu filho batendo a porta e indo para o curso. De seis meses.

E eu fiquei lavando a louça e pensando em João Batista. Um sujeito simples, que vestia um modelo básico especial para desertos – peles de animais. E que de cajado em punho, e com um único bordão: Arrependei-vos, cambada de!... ia batizando quem viesse. Onde foi que essa prática tão simples passou de um único bordão para seis meses de curso intensivo? Detalhe: o curso seria aos domingos pela manhã e quartas à noite.

Mas meu filho que é inteligente, ao cabo de umas três semanas capitulou. Seis meses de curso, Bete? É muita coisa não é? E você não imagina as perguntas idiotas que fazem, chego a ter pena do pastor. Uma mulher perguntou se o cachorrinho dela iria para o céu! Num curso de batismo, num momento de reflexão profunda sobre as nossas vidas, olha o tipo de pergunta!

E não foi mais. E a igreja batista perdeu a oportunidade de ter um bom cristão em suas fileiras.

Se eu fosse pastora, portanto desocupada, talvez ficasse na entrada do Metrô Sé, com uma garrafa de água na mão: Arrependam-se e sejam batizados! Olha que idéia bacana acabo de ter. Fulano, você! É, você mesmo. Você não gostaria de se arrepender agora de seus pecados e ser batizado? - Mas eu...eu...não sei...eu não entendo nada dessas coisas de igreja... - Filho, quem falou em igreja, eu falei em arrependimento e perdão. Creia em Deus, creia em Jesus Cristo, arrependa-se de seus erros, prometa dar o seu melhor daqui pra frente, e deixe que o Espírito Santo faça o resto em sua vida. E eu batizaria arrependidos nas escadarias do metrô, que lindo...

Gosto da letra de Milton Nascimento que diz: todo artista tem de ir onde o povo está. Creio que pastores deveriam ir atrás dos pecadores em becos, ruelas, esquinas e mesas de bar, ao invés de ficarem ministrando cursos em salas acarpetadas. E se eles fazem tanta questão de batizar pessoas, torneiras em bares e padarias e garrafas de água mineral não iriam faltar.

Mas eu não sou pastora, portanto nem um pouco preocupada com a salvação dos outros, e me desculpem se essa fala escandaliza. Tenho uma empresa para tocar, a Elizabeth & Filhos Ltda. Bem limitada. Se eu conseguir dar boa conta destas duas vidas ao Pai, já terei cumprido a minha missão, e já está de bom tamanho para mim.

- Filhinho, se você faz mesmo questão de ser batizado nas águas, poderíamos ir a uma represa, eu mesma posso batizar você, sou sua mãe, tenho autoridade para isso e...

- Bete! Se é uma coisa assim tão simples, eu não preciso que ninguém me batize. Se é simples assim, no momento em que pensei em me batizar, já fui tocado pela mão de Deus, aliás, já tenho sentido o toque da mão dEle em minha vida, desde aquele momento. Pronto! Já estou batizado, já me sinto batizado.

Eu não disse a vocês que ele era inteligente?

Foi então que os rumos da vida espiritual do meu filho começaram a ser delineados. Tenho fé que o Espírito Santo que iniciou essa obra, que deu esse sopro de mudança no coração dele, irá completá-la a bom termo. Deus não precisa de água nem de cursos para agir na vida de ninguém.

E ele continua corintiano, mas eu tenho fé que a obra vai ser completa.