Numa noite dessas, eu estava num bairro desconhecido para mim, à noitinha, após o trabalho, tinha ido fazer algo por ali, quando começou a cair uma forte chuva. Seria difícil seguir em frente mesmo com o guarda-chuva, então resolvi me abrigar sob uma marquise, no que parecia ser um antigo cinema, onde devia funcionar uma casa de espetáculos obscura, uma casa noturna, um estabelecimento feio. À pequena distância vi uma moça vestida em trajes de moças que praticam seu ofício nas ruas. Continuei ali.
Subitamente senti um toque forte de dedos no meu ombro, e a fala: - Escuta aqui!
Então me virei. E a moça, ao me ver, disse: Ah! Desculpe senhora...
Ela devia ter imaginado que eu era uma concorrente, e talvez estivesse vindo tirar satisfação comigo, por estar no seu espaço, mas se acalmou quando viu meu rosto! Foi claro para ela que minha cara não era de concorrente. Aquilo até que me alegrou, pelo menos em parte, pois pensei - isso quer dizer que pelo menos de costas eu ainda estou bem...
A moça então se aproximou, e começou a puxar assunto.
- Chove não?
- Sim, terrívelmente, eu disse.
- Está assim desde ontem não é?
- Mas creio que logo irá parar, eu disse.
Senti que a moça queria estabelecer algum contato comigo, e que tentava de alguma forma iniciar uma conversa. Foi então que ela começou a falar da garotinha assassinada, a Isabella, o assunto que estava na ordem do dia.
- A senhora viu o caso da menina? Que coisa heim?
- Sim, um caso bárbaro eu disse.
Ela passou a comentar o caso, falando tudo aquilo que todos nós já sabíamos, manifestando seu horror. E eu concordava com tudo o que ela dizia, claro.
Foi então que ela disse que tinha uma filha, de mesma idade e com o mesmo nome da tal garotinha, e fez questão de me mostrar a foto.Uma menina bonitinha. Eu fiz os elogios de praxe, e fui sincera, a menina era mesmo engraçadinha.
- A senhora tem filhos? Adoro quando me fazem essa pergunta, meu filho é o orgulho da minha existência. Já fui logo procurando e mostrando a foto dele.
Duas mulheres numa esquina exibindo com orgulho as fotos de seus filhos...
- Bonito! Um moço, que bacana! Ele ajuda a senhora?
A velha questão da sobrevivência, pensei. Filhos com a obrigação de ajudar os pais, mas enfim, família é mesmo isso. Respondi:
- Sim, ele é trabalhador, graças a Deus. Muito honesto e responsável. Não menti.
- Que bom, eu vou fazer minha filha estudar bastante, para poder ter um bom emprego, e também me ajudar, é a vida não é?
Nó na minha garganta. Sim, é a vida, pensei.
- Claro, disse, você faz muito bem.
Silêncio por alguns instantes, e então ela pergunta: - E o pai dele?
Caramba. Então está mesmo escrito no meu rosto que sou uma mulher só? Ou foi isso ou foi a falta de aliança no meu dedo, é, pode ter sido isso.
Não vi razão para mentir:
- Pois é, o pai do meu filho era estrangeiro, com visto provisório no Brasil. Ele voltou para sua terra, e me deixou aqui com o filho pequeno, nunca mais o vi.
- E ele nunca lhe ajudou em nada?
- Não, nem uma moeda que fosse.
Silêncio.
- Pensando bem, vai ver que foi melhor assim, ela disse. Ele poderia ser um mau caráter, fazer a senhora e o seu filho sofrerem.
- Sim, nunca se sabe, respondi.
- E a senhora conseguiu sem ele não foi? Olha que filho bonito a senhora criou sozinha!
Nó em minha garganta novamente. Aquela moça estava a me confortar...
Ficamos então em silêncio, mas era um silêncio amigo, gostoso. De paz. E eu me dei conta que há muito tempo eu não tinha levado uma conversa tão mimosa como aquela. Desarmada. Duas mulheres muito diferentes e ao mesmo tempo muito iguais.
Finalmente aconteceu o que eu não queria, a chuva passou. Gostaria de ficar mais naquela companhia. Mas a hora se adiantava, eu precisava seguir. Foi quando me lembrei do mais importante:
- Qual é o seu nome, minha linda?
- Olha, eu não conto isso para ninguém, porque o nome que uso na rua é outro. Mas o meu nome verdadeiro é Elizabeth.
- O meu também, eu disse num sorriso e acenando adeus. Ela também acenou e sorriu para mim.
- Fique com Deus, Elizabeth!
- Pois vá a senhora também com Ele, dona Elizabeth!
Não perguntei qual o nome que ela usava na vida da rua, isso realmente não me interessou. Para mim ela é e sempre será El-isha-beth. Mulher consagrada à Deus.
Subitamente senti um toque forte de dedos no meu ombro, e a fala: - Escuta aqui!
Então me virei. E a moça, ao me ver, disse: Ah! Desculpe senhora...
Ela devia ter imaginado que eu era uma concorrente, e talvez estivesse vindo tirar satisfação comigo, por estar no seu espaço, mas se acalmou quando viu meu rosto! Foi claro para ela que minha cara não era de concorrente. Aquilo até que me alegrou, pelo menos em parte, pois pensei - isso quer dizer que pelo menos de costas eu ainda estou bem...
A moça então se aproximou, e começou a puxar assunto.
- Chove não?
- Sim, terrívelmente, eu disse.
- Está assim desde ontem não é?
- Mas creio que logo irá parar, eu disse.
Senti que a moça queria estabelecer algum contato comigo, e que tentava de alguma forma iniciar uma conversa. Foi então que ela começou a falar da garotinha assassinada, a Isabella, o assunto que estava na ordem do dia.
- A senhora viu o caso da menina? Que coisa heim?
- Sim, um caso bárbaro eu disse.
Ela passou a comentar o caso, falando tudo aquilo que todos nós já sabíamos, manifestando seu horror. E eu concordava com tudo o que ela dizia, claro.
Foi então que ela disse que tinha uma filha, de mesma idade e com o mesmo nome da tal garotinha, e fez questão de me mostrar a foto.Uma menina bonitinha. Eu fiz os elogios de praxe, e fui sincera, a menina era mesmo engraçadinha.
- A senhora tem filhos? Adoro quando me fazem essa pergunta, meu filho é o orgulho da minha existência. Já fui logo procurando e mostrando a foto dele.
Duas mulheres numa esquina exibindo com orgulho as fotos de seus filhos...
- Bonito! Um moço, que bacana! Ele ajuda a senhora?
A velha questão da sobrevivência, pensei. Filhos com a obrigação de ajudar os pais, mas enfim, família é mesmo isso. Respondi:
- Sim, ele é trabalhador, graças a Deus. Muito honesto e responsável. Não menti.
- Que bom, eu vou fazer minha filha estudar bastante, para poder ter um bom emprego, e também me ajudar, é a vida não é?
Nó na minha garganta. Sim, é a vida, pensei.
- Claro, disse, você faz muito bem.
Silêncio por alguns instantes, e então ela pergunta: - E o pai dele?
Caramba. Então está mesmo escrito no meu rosto que sou uma mulher só? Ou foi isso ou foi a falta de aliança no meu dedo, é, pode ter sido isso.
Não vi razão para mentir:
- Pois é, o pai do meu filho era estrangeiro, com visto provisório no Brasil. Ele voltou para sua terra, e me deixou aqui com o filho pequeno, nunca mais o vi.
- E ele nunca lhe ajudou em nada?
- Não, nem uma moeda que fosse.
Silêncio.
- Pensando bem, vai ver que foi melhor assim, ela disse. Ele poderia ser um mau caráter, fazer a senhora e o seu filho sofrerem.
- Sim, nunca se sabe, respondi.
- E a senhora conseguiu sem ele não foi? Olha que filho bonito a senhora criou sozinha!
Nó em minha garganta novamente. Aquela moça estava a me confortar...
Ficamos então em silêncio, mas era um silêncio amigo, gostoso. De paz. E eu me dei conta que há muito tempo eu não tinha levado uma conversa tão mimosa como aquela. Desarmada. Duas mulheres muito diferentes e ao mesmo tempo muito iguais.
Finalmente aconteceu o que eu não queria, a chuva passou. Gostaria de ficar mais naquela companhia. Mas a hora se adiantava, eu precisava seguir. Foi quando me lembrei do mais importante:
- Qual é o seu nome, minha linda?
- Olha, eu não conto isso para ninguém, porque o nome que uso na rua é outro. Mas o meu nome verdadeiro é Elizabeth.
- O meu também, eu disse num sorriso e acenando adeus. Ela também acenou e sorriu para mim.
- Fique com Deus, Elizabeth!
- Pois vá a senhora também com Ele, dona Elizabeth!
Não perguntei qual o nome que ela usava na vida da rua, isso realmente não me interessou. Para mim ela é e sempre será El-isha-beth. Mulher consagrada à Deus.